São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2001

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Economista fez autocrítica sobre 1964

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma das maiores críticas ao economista Roberto Campos é que ele participou algum tempo de um governo muito poderoso, o regime militar (1964-1985), e durante esse período não implantou o liberalismo que sempre defendeu -até mais ardorosamente depois que passou a ter apenas vida política, fora do Executivo.
Campos concordava em parte com essa avaliação. Fazia uma autocrítica sobre o fato de não ter conseguido convencer os militares a acabar com o monopólio estatal do petróleo e a implantar um sistema de controle da natalidade para impedir a explosão populacional nos anos 70 e 80.
Em uma de suas diversas entrevistas à Folha, num trecho nunca publicado, Campos fez uma autocrítica aberta. Ele dividiu sua culpa com os militares, que não teriam -apesar da supressão da oposição no país- condições políticas internas, dentro da própria corporação militar, para adotar todas as propostas liberais que o economista defendia.
Esta entrevista, cuja fita gravada está até hoje íntegra, foi realizada no início de junho de 1993. Ontem, a Folha transcreveu a parte em que Roberto Campos fala sobre o que poderia ter feito quando fez parte do primeiro escalão do governo federal, mas acabou não realizando.

 

Folha - Na época do regime mais forte e autoritário, na época do regime militar, o senhor não poderia ter sido mais arrojado?
Roberto Campos -
Olhando em retrospecto, havia duas coisas que presumivelmente poderiam ter sido feitas e não foram.
Uma é a abolição do monopólio do petróleo...

Folha - O senhor acha que teria tido poder na época, ou condições para fazer isso?
Campos -
Essa é que é a história. Eu propus isso para o Castello Branco [presidente da República de 1964 a 1967" e ele achava que não tinha condições históricas. Ele concordava com a tese, mas não tinha condições históricas.

Folha - E qual é a outra política que o sr. acha que poderia ter implantado?
Campos -
A outra é o controle demográfico, o controle populacional. Esses dois foram os grandes erros daquela época. Mas não havia condições políticas porque, no caso do petróleo, grande parte da campanha "O Petróleo é Nosso" [campanha nacionalista da década de 50" era profundamente militar. Então, conflitaria com um regime em que a base era militar.
Era preciso, dizia Castello, de dois a três anos de mudança de currículo nas escolas militares para destruir essa mentalidade de que o monopólio do petróleo dava segurança ao Brasil. Na verdade, trouxe insegurança. Na medida em que o petróleo é produzido no exterior e importado por nós, nós ficamos inseguros.

Folha - E como foi o caso do planejamento familiar?
Campos -
Havia três inimigos. Os próprios militares, que acreditavam que o Brasil com uma massa demográfica teria em si uma defesa grande contra a Argentina. O simples "efeito massa" tornaria o Brasil a potência dominante do continente.
Além disso, achavam que a ocupação da Amazônia se seguiria naturalmente à expansão demográfica. Na verdade a expansão demográfica se realizou nas cidades inchadas da costa, não na Amazônia [risos".
Segundo, eram os próprios empresários que achavam que população crescente era mercado crescente. Mas o mercado depende da produtividade da população.
Terceiro, a Igreja Católica.


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