São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2006

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ELIO GASPARI

Lula, de onde é que veio o dinheiro?

Alckmin repetiu platitudes desconexas, mas Nosso Guia desequilibrou-se diante do contraditório

LULA NÃO DEVE reclamar de Geraldo Alckmin. Precisa calçar as sandálias da humildade para o próximo debate, pois afogou-se na poça de platitudes de um adversário previsível, frio como papa-defunto. Alckmin tem razão: "De onde é que veio o dinheiro?" O companheiro ainda não entendeu que a falta de uma resposta a essa pergunta pode lhe custar a reeleição e um pedaço da biografia.
Lula passou os últimos quatro anos sem ouvir o contraditório. Diante dele, olho no olho, ao vivo e a cores, desconcertou-se. O peso da banda áulica no Palácio do Planalto de Nosso Guia só tem paralelo no governo do general João Figueiredo (1979-1985). A linguagem chula e a maneira destemperada como Lula trata seus colaboradores faz de Figueiredo uma carmelita. Diz o que quer e só ouve o que quer.
O entorno dos governantes isola-os das adversidades e das contraditas. O café vem como ele gosta. O assessor que carrega a toalha para enxugar o suor está sempre por perto. (Lembrai-vos do curador de almofadas para as pernas curtas do imperador etíope Hailé Selassiê.) Pode-se contar nos dedos quantas vezes um presidente é obrigado a teclar uma chamada telefônica. (Harold Wilson, primeiro-ministro inglês durante oito anos, confessou que, ao voltar à vida real, o que mais estranhou foi discar o telefone.) Alguns, como Fernando Henrique Cardoso, têm senso de humor para rir das portas que se abrem sozinhas. Outros acreditam que porta fechada é desaforo. O livro "Viagens com o presidente", dos jornalistas Leonencio Nossa e Eduardo Scolese, mostra que Lula está nessa categoria.
O companheiro vive nesse mundo encantado e, numa bela noite de domingo, vê-se diante de Geraldo Alckmin: "De onde veio o dinheiro?" Lula parecia um boxeador insultado porque o adversário o atacava. Chegou a perder uma ficha. Para quem gosta de velharia, lembrava Mohamed Ali fazendo pouco de Joe Frazier, na memorável luta de 1971. Frazier acertava-lhe o baço, o fígado e os rins. ("De onde veio o dinheiro?") Ali ria. Frazier batia. ("De onde veio o dinheiro?") A certa altura Ali tomou um daqueles socos que derrubam cavalo. Conseguiu levantar-se, mas não havia dúvida: acontecera o impossível, Ali perdera. O jogo não terminou: anos mais tarde, com a mesma tática, Ali nocauteou George Foreman.
Lula não fez o dever de casa. Alckmin não vendeu o avião do governo de São Paulo: usou-o de 2001 a 2006. A venda só ocorreu com Cláudio Lembo no Palácio dos Bandeirantes. Fechar ministérios pode ser boa idéia, mas não equilibra orçamento. É como cortar cabelo para perder peso. Falar em aumentar os investimentos cortando a corrupção avaliada pelo FMI em US$ 3,5 bilhões é retomar uma ladainha petista. Era esse o remédio que Marta Suplicy oferecia para sanear as finanças de Maluf. O bordão prometia "fechar as torneiras da corrupção".
Nosso Guia confundiu-se ao contar que barateou o preço dos computadores de consumo popular. Não conseguiu sequer falar bem de si além dos limites do "nunca neste país". O estilo deixa-comigo revelou-se desastroso. Não foi Alckmin quem bateu demais, foi Lula que não soube fazer outra coisa senão apanhar.
Faltam menos de duas semanas para a eleição: "De onde veio o dinheiro?"
Uma coisa é reeleger um presidente que não sabe de onde veio o ervanário que mercadejava o dossiê Vedoin. Muito outra é reeleger um candidato que se aborrece quando alguém lhe faz essa pergunta.


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