São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2001

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JANIO DE FREITAS

Vai melhorar

Pela primeira vez desde a volta das presidências civis, o eleitorado pode ver a chegada da sucessão presidencial com uma visão confortadora: a prevalecer, como tudo indica que ocorrerá, a disputa entre os que já estão admitidos à cena, qualquer que seja o eleito o país e a vida do brasileiro vão melhorar. Nenhum deles -Luiz Inácio Lula da Silva, Roseana Sarney, Itamar Franco, Ciro Gomes, José Serra e Tasso Jereissati- é favorável à política de sacrifícios econômicos e sociais para aparentar estabilidade do real e destinar à dívida a maior quota de recursos anuais.
Como a complicação no PSDB é grande, o atual presidente da Câmara, Aécio Neves, é citado para ser a alternativa conciliatória. Nada se alteraria, em termos de concepção de políticas e de Brasil, na perspectiva representada pelo cenário atual mais provável.
Nesse quadro em que os candidatos se assemelham nas linhas mais gerais de suas concepções, o detalhamento das idéias e as forças políticas e econômicas do apoio serão, é claro, balizadores da escolha pelo eleitorado. Mas um outro fator tende a ganhar realce: a agressividade entre candidatos, facilitada pela pouca importância que os marqueteiros políticos dão a propostas e idéias (não é difícil entender-se o por quê) e pela importância absoluta que dão a truques de apelo eleitoral, mais simplórios do que simples, como técnicos de uma nova demagogia -mais abominável que a anterior.
A expectativa fica por conta do comportamento da mídia. De uma parte, estão vivas as conveniências e a inconsistência ética que a têm levado a agir como partido, menos ou mais intensamente segundo cada caso. De outra, porém, a menor diferenciação entre as linhas gerais dos candidatos facilitaria a ação menos tendenciosa e, talvez, até a recusa a métodos indignos que têm caracterizado a "cobertura" das campanhas pelo lado mais forte da TV brasileira.
O quanto esta última hipótese é possível, não há como avaliar, ao menos por ora. Certo é que a ausência da imprensa de publicações menos, digamos, empresariais deixa à grande mídia uma liberdade sem regras e sem limites. O poder de vigilância das publicações economicamente modestas (para os padrões americanos) e descomprometidas é um impeditivo muito vigoroso de excessos antiéticos na mídia dos Estados Unidos.
Demonstração disso, agora mesmo, estão dando publicações como as revistas "New Yorker" e "The Nation", para citar duas com histórica celebridade, cujas informações e análises forçam a grande mídia impressa, indiretamente, a certos limites na sua atual renúncia ao jornalismo em benefício do governismo, a pretexto de deveres cívico-bélicos que já mostraram (o exemplo extremo ficou no passado alemão) como manipulam e deformam as sociedades.
A mídia brasileira tem demonstrado forte vocação para o suicídio: alia-se e serve ao que a destrói. Foi assim com o autoritarismo primário de Collor. Tem sido assim com a política econômica que sufoca o crescimento no qual estão as suas fontes de receita, publicitária e de público, e lhe onera os custos. A mídia brasileira está em crise, sem que isso tenha nem a mais remota relação com a guerra & cia. E a crise tende a influir no tratamento "jornalístico" da sucessão presidencial.
Embora tenha a vocação para o suicídio, setores da mídia já têm a percepção de que o candidato mais tímido quanto a políticas de crescimento não é o que convém, à própria mídia e ao país. E, afinal de contas, depois de todo o investimento feito na política econômica restritiva, a inflação está aí mesmo. Não aparece nos índices, mas para encontrá-la basta entrar no supermercado, no posto de gasolina, pagar a luz ou o que for.
O que talvez venha a caracterizar a próxima sucessão é mesmo a melhora do país e da vida com novo governo, não só com qualquer dos candidatos já em cena, como apesar da mídia e sua vocação.



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