São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Presidente afirma que vulnerabilidade externa do país ficou "pequenininha"

Não há motivo para mudar meta de superávit, diz FHC

Lula Marques/Folha Imagem
O presidente Fernando Henrique durante visita ontem de manhã ao mirante da Graça, localizado na parte antiga de Lisboa


CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Lisboa

O presidente em função, Fernando Henrique Cardoso, e o eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, concordaram em que não há necessidade de se rever a meta de superávit fiscal acertada pelo atual governo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que envia missão ao Brasil a partir de hoje.
A informação foi dada ontem pelo próprio FHC, durante entrevista coletiva nos jardins da residência oficial da embaixada brasileira em Lisboa, o Palácio de Milflores, em que informou sobre o jantar de sexta-feira, no Alvorada, com o seu sucessor eleito.
"Qualquer negociação financeira é uma negociação dura e não se deve começar aumentando metas disso ou daquilo. Pelo contrário. Não vejo razão nenhuma para que se precise de mais superávit neste momento. Todos os Estados, todas as empresas estatais, o governo central, todos estão produzindo superávit", afirmou o presidente.
A meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem incluir juros sobre as dívidas) acertada com o FMI é de 3,75% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da renda de um país).
Alguns agentes de mercado têm dito, reiteradamente, que seria preciso elevar o superávit porque o dólar subiu e puxou para cima a dívida indexada à moeda norte-americana, o que tornaria indispensável um superávit maior para manter estável a relação dívida/ PIB (a dívida, por conta do dólar mais alto, passou de 60% do PIB).
Antônio Palocci Filho, coordenador da equipe de transição de Lula, já chegou a admitir que o novo governo faria o superávit que fosse necessário para manter essa relação estabilizada.
Mas Fernando Henrique acha que esse tipo de raciocínio está equivocado. O teorema que expôs ontem é assim:
"Houve uma mudança muito grande na economia brasileira. É a quinta vez que o Brasil vence a crise de alguma maneira. Já se fala em US$ 11 bilhões de superávit comercial (diferença entre exportações e importações). A famosa vulnerabilidade externa ficou pequenininha, porque hoje o déficit em transações correntes [que mede todas as relações com o exterior" será, sei lá, de US$ 11 bilhões e, os investimentos este ano, que foi muito difícil para o mundo todo, serão de US$ 16 bilhões. Quer dizer, nós não precisamos de financiamento adicional".
O presidente comparou a situação do país à de uma família: "Se não tem dinheiro para comprar uma casa, faz financiamento. Qual é o problema? É quando ela não tem renda mensal para pagar o financiamento. O Brasil está com renda anual para pagar o financiamento".
Os jornalistas perguntaram se Lula concordou com a não necessidade de revisão. "Eu tendo a dizer que o presidente Lula tem a mesma sensibilidade que eu nessa matéria", respondeu FHC.
O presidente contou que a idéia de Lula, tal como já vazou, é a de manter em 27,5% a alíquota máxima do IR (Imposto de Renda), em vez de reduzi-la para 25% como está previsto. Da mesma forma, o novo governo quer manter em 9%, em vez de reduzir em um ponto percentual, a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro. Ambos os temas frequentaram a mesa do jantar de sexta-feira no Alvorada, cujo cardápio principal foi como equacionar a questão das receitas disponíveis para o ano que vem.
O líder do governo, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que acompanha Fernando Henrique na visita oficial a Portugal e esteve presente ao jantar, calcula em de R$ 14 bilhões a R$ 15 bilhões o valor de receitas deste ano que não se repetirão em 2003. Mesmo mantendo os 27,5% do IR e os 9% da contribuição sobre o lucro, o governo só obterá R$ 4 bilhões, o que deixa ainda um belo buraco.
"Estou nas suas mãos", chegou a brincar Lula com Madeira.
Se depender da boa vontade de FHC, Lula está em boas mãos. O presidente disse ontem que orientou o líder para "acompanhar o desejo do próximo governo em matéria de aumento do Imposto de Renda" (e também da contribuição sobre o lucro).
FHC aproveitou para dizer a Lula que ele não tinha razões para reclamar das indicações de embaixadores que estão no Senado e que o PT pretende rever.
"O que eu disse ao presidente Lula é que o Itamaraty é como se fossem as Forças Armadas. É profissionalizado. Todo ano há, em certos períodos, o remanejamento de cargos, de acordo com méritos, tempo de serviço etc".
O presidente admitiu, no entanto, que há embaixadas "muito sensíveis", entre as quais citou as de Bruxelas (junto à União Européia), a da Argentina, a de Genebra e a dos Estados Unidos, além de todas as da América do Sul.
No caso delas, a escolha "é uma coisa muito política, quase pessoal", diz FHC.
O presidente admitiu também que Cuba é um caso especial, "por mil razões".
Lula devolveu as observações com elogios ao Itamaraty, citando especificamente nomes como o dos embaixadores Sérgio Amaral, ministro do Desenvolvimento, indicado para a ONU, e Ronaldo Sardemberg, ministro de Ciência e Tecnologia, entre outros.
Ficaram de voltar a conversar sobre as embaixadas.



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