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ENTREVISTA 2ª- GORE VIDAL
Com Bush, perdemos a Constituição, diz Vidal
Seis anos de governo do republicano custaram aos EUA sua Carta Magna, o habeas corpus e os processos da lei, acredita pensador norte-americano
LOGO DEPOIS do ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, a impressão de um estrangeiro
que morasse nos EUA era de que, num país de
300 milhões de pessoas, apenas três (ou 0,0000
01% da população) mantinham distanciamento e senso crítico e buscavam razões que iam além de "eles odeiam nosso "way of life" em suas análises.
Uma delas era o escritor Gore Vidal, que, na época, foi banido
da mídia e só não foi banido do país porque já passava mais
tempo em sua casa na Costa Amalfitana, na Itália. Aos 81
anos, está de volta ao que chama de "regime cada vez mais totalitário", da "Junta Bush-Cheney". Problemas de saúde o
impedem de andar, mas não de manter um discurso ácido, como comprovou a Folha na entrevista por e-mail com o autor.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
FOLHA - Depois do 11 de Setembro, o quão solitário era ser o senhor,
uma das três ou quatro vozes norte-americanas que ousaram dar opiniões contrárias às da "Junta Bush-Cheney", como o sr. os chama?
GORE VIDAL - Muitas vozes se levantaram contra as guerras do
presidente depois do 11 de Setembro. O único momento em
que me sinto solitário é quando
percebo que a mídia controlada
pelas grandes corporações tem
negado o direito de crítica contra um regime cada vez mais totalitário.
Mas, desde as eleições roubadas de 2000 [em que Al Gore,
parente de Vidal, ganhou no voto popular, mas perdeu na Suprema Corte para George W.
Bush], tenho falado para grupos cada vez maiores contra a
junta Cheney-Bush.
FOLHA - Quase seis anos depois, o
que mudou nos EUA?
VIDAL - Seis anos depois perdemos um dos presentes que os
ingleses nos deram como despedida quando deixamos de ser
uma colônia: a Carta Magna e,
com ela, o habeas corpus e os
processos devidos da lei. Mas,
por mais que o nosso povo seja
mal-educado, mal informado e
lento, o governo Bush é atualmente apoiado por menos de
30% das pessoas. Ele já é, como
eu previ, o presidente menos
popular da nossa história.
FOLHA - Em 2002, muito antes de o
presidente chegar ao nível em que
chegou, o sr. escreveu: "Guardem
minhas palavras, ele vai deixar a Casa Branca como o presidente menos
querido da história". Como sabia?
VIDAL - Como as bruxas da Nova Inglaterra costumavam dizer: "By the pricking of my
thumbs, something wicked this
way comes" ["Pelo coçar de
meus polegares, algo sinistro
vem nessa direção", frase de
"Macbeth", de Shakespeare].
FOLHA - Se Hillary Clinton for eleita
em 2008 e reeleita quatro anos depois, os Estados Unidos terão passado 35 anos com Bushes e Clintons na
Casa Branca. Depois disso, podem
ainda ter Jeb Bush como candidato
(ou Chelsea, ou uma das gêmeas
Bush). O sr. acredita que seu país está se transformando em uma monarquia?
VIDAL - Os Estados Unidos,
uma monarquia? Difícil... Mas
eu posso ver uma espécie de
Guarda Pretoriana sendo formada por gente com dinheiro,
imperadores magnatas do petróleo -ou da cana de açúcar?
Afinal, a grande conquista dos
Bushes foi nos levar para muito
longe da nossa Constituição e
da Carta dos Direitos [Bill of
Rights, as primeiras dez emendas da Constituição dos EUA].
E repúblicas que se perdem no
caminho muito raramente se
recuperam por completo.
FOLHA - O ano de 2007 vai marcar
o 40º aniversário de "Washington,
D.C.", o primeiro volume da sua série "Crônicas Americanas", e o 20º
aniversário de "Império", talvez o livro mais importante entre os de sua
autoria. Daqui a 40 anos, o que o sr.
imagina que terá sobrevivido desse
império?
VIDAL - Impérios que acabam
com todo o seu dinheiro e com
os seus soldados deixam muito
pouca herança...
FOLHA - A propósito, como os EUA
que o receberam de volta em 2003
são diferentes do país que o sr. havia
deixado décadas atrás?
VIDAL - Eu não fui embora dos
Estados Unidos, isso é um erro
de percepção. Nunca abri mão
de minha cidadania, por exemplo. Há 40 anos tenho a mesma
casa em Hollywood Hills e, nesses mesmos 40 anos, também
mantive uma casa no sul da Itália, que agora vendi porque sou
muito preguiçoso. E também
por conta da minha dificuldade
em andar.
FOLHA - No final do recém-lançado
segundo volume de suas memórias,
"Point to Point Navigation", o sr. sugere que o presidente John F.Kennedy teria sido assassinado pela Máfia. Por que reabrir esse caso?
VIDAL - Por que reabrir o caso?
E por que deixá-lo trancado?
Dois historiadores muito respeitados gastaram décadas de
suas vidas registrando coisas
que o governo não queria que o
povo soubesse. No processo
dessa descoberta, me inspirei a
explicar a ironia para leitores
que não têm a menor familiaridade com esse recurso retórico:
é aparentemente um fato que,
enquanto os irmãos Kennedy
usavam elementos da Máfia para armar o assassinato de Fidel
Castro, outros elementos da
Máfia conspiraram e foram
bem-sucedidos no assassinato
do presidente Kennedy. E, no
meio dessa confusão, Fidel
Castro sobreviveu.
FOLHA - O relato da morte de Howard Auster, seu companheiro dos
últimos 50 anos, já foi descrito pela
crítica como "o mais selvagem e
pungente da morte de um companheiro que alguém provavelmente
lerá na vida". Ao mesmo tempo, é
sem floreios. Como foi reviver aquele momento quando teve de escrever a respeito dele?
VIDAL - Selvagem? Obviamente minhas citações de Montaigne se perderam. Eu apenas
aceitei suas sugestões [o ensaísta francês exortava os escritores a descrever o que viam,
não o que sentiam], o que geralmente é algo bom a se fazer.
FOLHA - O sr. foi candidato democrata ao Congresso pelo Estado de
Nova York e ao Senado pela Califórnia. Agora que o partido está no poder novamente no Legislativo, consideraria se candidatar de novo?
VIDAL - Claro que não. Tudo
depende de levantar fundos para a campanha, o que eu jamais
poderia fazer.
FOLHA - O sr. foi conselheiro de Federico Fellini, fez amizade com Tennessee Williams, participou de um
episódio do desenho animado "Os
Simpsons" e foi entrevistado por Ali
G, outro personagem do ator de Borat. Como consegue transitar dessa
maneira pela alta cultura e pela cultura popular?
VIDAL - O professor Marcie
Frank tem um interessante estudo em que sugere como eu faço isso. Chama-se "Como Ser
Um Intelectual na Era da TV
-As Lições de Vidal".
FOLHA - A nova "grande ameaça
vermelha" da América Latina é o
presidente Hugo Chávez, segundo
os republicanos mais radicais. Qual a
sua opinião sobre o venezuelano?
VIDAL - Acho Chávez um cínico
fabuloso.
FOLHA - E o que o sr. acha que que
vai acontecer com Cuba depois da
morte de Fidel Castro?
VIDAL - Chávez é um herdeiro
que honra a revolução iniciada
por Castro.
FOLHA - O sr. viajou ao Brasil pelo
menos uma vez, em 1987. Lembra-se do episódio?
VIDAL - Claro, me lembro com
muito prazer. Como o malicioso general De Gaulle uma vez
disse, o Brasil é a grande nação
do futuro, e sempre será.
FOLHA - Para terminar, como enxerga o governo Lula?
VIDAL - Digamos que não estou
a par do Lula.
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