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JANIO DE FREITAS
A memória desses dias
Tanto faz se a história se repete
ou não como farsa, nos termos do
controverso e cansado axioma.
Grave é a repetição como drama
ou tragédia. É disso mesmo que
trata a relação entre a assustadora estagnação brasileira e a memória de um episódio, até aqui
inédito, provocada pelo risco de
nova crise mundial de petróleo.
Era o segundo semestre de 72,
tempos de ditadura militar. O
ministro Delfim Netto, estrela do
êxito econômico chamado de
"milagre brasileiro", participava
de uma reunião do FMI em Roma. Giscard D'Estaing, futuro
primeiro-ministro da França,
chamou-o a um canto e avisou-o
da aproximação de uma crise
muito séria, porque os países produtores de petróleo articulavam-se para praticar uma política comum de valorização das suas exportações.
Informado do aviso por Delfim,
Médici convoca uma reunião no
Planalto, para conhecimento do
problema e discussão das possíveis providências acauteladoras
do Brasil, então com produção
inexpressiva de petróleo. Presentes, além de Médici, os ministros
Delfim Netto, Ernane Galvêas,
Dias Leite e Leitão de Abreu (os
três primeiros vivos ainda); o
chefe do SNI, general Carlos Alberto Fontoura, e o presidente da
Petrobras, general Ernesto Geisel.
Exposta a informação de Giscard e feitas as considerações necessárias sobre a ameaça à balança de pagamentos brasileira,
o general Geisel, olhar duro, cara
crispada, assumiu a palavra: "O
Giscard não é especialista em petróleo. Não vai haver aumento
de preço nenhum, a balança de
pagamentos não corre risco nenhum. Os meus informantes são
mais importantes e as minhas informações muito mais seguras".
Pasmo geral. Ministro das Minas e Energia, ao qual a Petrobras estava teoricamente (e só isso) subordinada, Dias Leite não
engoliu a precipitação arrogante
de Geisel: "O senhor pode entender de petróleo, mas quem entende de balança de pagamentos é o
Delfim". Da reação de Geisel e da
discussão que se seguiu, bastará
dizer que Médici precisou suspender o encontro, o general e
Dias Leite ficaram de relações
rompidas e o episódio teve reflexos sobre Delfim no governo Ernesto Geisel.
É incerto, mas provável, que o
general Orlando Geisel, poderoso
ministro do Exército, tenha feito
algum tipo de pressão sobre Médici, em apoio ao irmão. Certo é
que a prevista retomada da reunião foi suspensa, com esta explicação de Médici a alguns dos
convocados: "Em seis meses o governo estará acabando e não vale a pena criar um problema agora com os Geisel".
Os preços do petróleo logo subiram com tal violência, produzindo efeitos tão drásticos no Brasil,
que o "milagre brasileiro" nem
pôde esperar a introjeção de Ernesto Geisel como sucessor de
Médici. O novo presidente, sempre distinguido como militar nacionalista, por isso integrante do
Conselho Nacional do Petróleo,
entusiasta do monopólio estatal
entregue à Petrobras, em pânico
diante da alta sufocante dos preços do petróleo entregou-se a
uma solução humilhante: a burla disfarçada ao monopólio. Petrolíferas estrangeiras foram chamadas a pesquisar no Brasil, sob
o regime artificioso de "contratos
de risco". Mas o petróleo não
apareceu.
Ou melhor, apareceu e muito,
porém sem qualquer relação com
Geisel. Nem seria coerente tê-la.
Embora estudos rigorosos da Petrobras indicassem a conveniência e a necessidade de investimentos na prospecção de petróleo, pelos indícios promissores e
pelos riscos internacionais, Ernesto Geisel, como presidente da
Petrobras, concentrou-a na sua
ampliação como distribuidora
de combustível, disseminando
postos de venda BR pelo país todo. Até tomando-os a outras distribuidoras, no que chegou a gerar um problema diplomático.
O atraso provocado pelo teimoso erro de Geisel, em sua política
na Petrobras, produz efeitos deletérios até hoje. O Brasil já poderia ser auto-suficiente em petróleo, como está previsto que ocorra nesta década, mas já poderia
sê-lo e não estaria ameaçado pelo atual risco de crise, não fossem
os anos perdidos com a recusa de
Geisel a considerar os argumentos dos especialistas críticos da
sua (anti)política petrolífera.
A recusa de Geisel não foi diferente da que hoje mantém Pedro
Malan e, por consequência, Fernando Henrique Cardoso, nestes
mais de cinco anos que se vão
perdendo para a economia brasileira, para a vida mesma do país
e da população em permanente
crescimento. Anos irrecuperáveis.
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