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DOMINGUEIRA
O amigo informatizado
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
O amigo transformara-se num
maníaco eletrônico. Conhecia todas as máquinas, sabia de cor
todos os links, recitava todos os
novos softwares e conhecia o
mundo inteiro pelo computador.
Vivia falando de gigas e pentiuns e não perdia uma chance de
impor sua olímpica informatização ao pobre mortal, colega de
trabalho:
"Você já tem o último navegador da Microsoft? Você já viu os
sites da imprensa grega? Já leu o
artigo do Negroponte na Internet?" -perguntava a cada encontro.
Encontravam-se sempre no elevador, e o amigo aproveitava os
curtos períodos e as pequenas audiências do sobe e desce para discorrer sobre as maravilhas da mídia eletrônica. Teorizava sobre a
supremacia do computador com
uma desenvoltura irritante, deixando o interlocutor com ares de
um abobalhado neandertal.
O pobre coitado via-se sempre
no papel de "escada" para que o
brilho do amigo plugado reluzisse no cubículo aos olhos de estranhos fascinados.
Não foram poucas as vezes que
recorreu à mídia milenar da oração, pedindo a Deus que o livrasse da incômoda companhia ao
chegar ao prédio do escritório.
Talvez Deus também tivesse aderido à Internet, pois suas súplicas
não eram correspondidas.
Um belo dia, à porta do elevador encontra o amigo entre a costumeira platéia. Todos preparavam-se para uma nova seção de
informática quando, para surpresa geral, tomou a iniciativa,
dirigindo-se ao amigo:
"Você já sabe da última novidade?", perguntou, invertendo os
papéis.
"Que novidade?"
"Não sabe? Inventaram um negócio sensacional. Uma mídia
que vai revolucionar sua vida."
"Um novo software?", perguntou o amigo,
"Não. Um novo suporte", esnobou. E adiantou: "Um negócio
portátil, que dispensa tela e uso
de baterias".
"Como assim?", tentou imaginar o amigo plugado.
"Assim, sim. É um material maleável, dobrável, que você pode
levar para qualquer lugar, usar
no ônibus, no banheiro, deitado
no sofá. Traz as principais notícias, artigos e imagens. Chama-se
papel. Pode produzir diários e revistas. Não é genial?"
A porta do elevador abriu-se, e
ele entrou, altivo e vingado, com
seu jornalzinho debaixo do braço.
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