São Paulo, domingo, 12 de abril de 1998

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CELSO PINTO
Os ganhos do câmbio

A forte queda da inflação no primeiro trimestre provocou uma expressiva aceleração na desvalorização cambial, em termos reais. No entanto, nem tudo se traduziu em ganho de competitividade.
O paradoxo é só aparente. A competitividade externa depende não só do valor do real em relação ao dólar, mas também do valor do dólar em relação às moedas de parceiros comerciais do Brasil. Como o dólar tem se valorizado, o real tem acompanhado, indiretamente, essa valorização.
A desvalorização cambial real, ou seja, acima da inflação, foi significativa neste primeiro trimestre. O câmbio continuou reajustado a uma média de 0,6% ao mês, mas os preços despencaram, especialmente do custo de vida.
No primeiro trimestre, o reajuste cambial acumulado ficou em 1,88%. A inflação medida pelo custo de vida da Fipe, em São Paulo, acumulou uma deflação, ou seja, uma redução, de 0,15%. O IPA, que mede os preços no atacado, deve fechar o trimestre com um acúmulo de 0,86%. O IGP-M, que mistura atacado, varejo e construção, acumulou 1,33%.
Isso significa que a desvalorização real no trimestre ficou em 2% sobre a Fipe, 1% sobre o IPA e 0,5% sobre o IGP-M. Em todo o ano passado, a desvalorização real ficou em 2,5% em relação à Fipe e praticamente não houve desvalorização real em relação ao IPA e ao IGP-M.
O próprio Banco Central havia dito, em meados do ano passado, que queria manter uma desvalorização real de 4% a 5% ao ano, nos próximos três a quatro anos, como forma de corrigir uma sobrevalorização do câmbio. Só que, nesse cálculo, o BC imaginava um ganho de uns 2% em relação à inflação brasileira e de outros 2% em relação à inflação externa. O ganho deste início de ano, portanto, superou o projetado.
Entende-se, portanto, porque alguns economistas, entre eles o atual ministro do Trabalho, Edward Amadeo, falaram em desacelerar a desvalorização como uma forma de permitir uma redução mais expressiva dos juros. O tema, contudo, é controverso. Outros economistas acham que a queda na inflação é ótima oportunidade para recuperar o câmbio mais rápido.
O fato é que, conforme a medida que se use para avaliar a competitividade externa, o resultado é menos brilhante. O Unibanco mede a competitividade do real em relação a uma cesta de moedas de parceiros comerciais, usando o IPA no Brasil e o equivalente no Exterior. No último ano encerrado em março, não houve ganho algum e, em relação ao início do Plano Real, o câmbio ainda está 22,6% valorizado.
A Confederação Nacional da Indústria tem um índice de taxa de câmbio efetiva real, que considera o custo de vida no Brasil (medido pelo INPC) e o índice de custo de vida de diversos parceiros comerciais. Não houve ganho algum nos doze meses encerrados em fevereiro último.
É claro que, a médio prazo, a perspectiva do dólar pode mudar. O início do "euro", nova moeda européia, pode fortalecer sua cotação. Já em relação ao Japão e à Ásia em geral, a situação é mais incerta.
Tomás Malaga, economista-chefe do Unibanco, diz que é possível desacelerar o ritmo de reajustes cambiais, mas não seria prudente. É possível porque o ganho de um ponto ou pouco mais em câmbio real não faria muita diferença. No entanto, com o mercado internacional ainda sujeito a incertezas, e a percepção de que o Brasil precisa ajustar o câmbio real, não seria bom mexer no ritmo de desvalorização nominal.
"Traficantes de dinheiro"
Quando o primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamed, culpou os especuladores internacionais pelo débâcle de sua moeda, levou uma saraivada de críticas vindas dos Estados Unidos. Quando os próprios americanos tiveram que abandonar a convertibilidade do dólar em ouro, enterrando o sistema monetário criado em Bretton Woods, em 1971, a história foi diferente.
No seu discurso à Nação em 15 de agosto, o então presidente Nixon disse que "esta medida não conquistará amigos entre os traficantes do dinheiro internacional", como está citado num livro do economista Robert Solomon, "O Sistema Monetário Internacional", lembrado por Gustavo Loyola. Nixon acusou os mesmos "especuladores" de Mahathir, 26 anos antes.




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