São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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CAMPO MINADO
Processos na Justiça permitem que antigos proprietários retomem terrenos de sem-terra que foram assentados
Ex-donos recuperam terras de assentados

João Wainer/Folha Imagem
O casal de assentados Gentil Neto de Mendonça, 52, e Sineide Arruda, 38


JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

A reforma agrária implantada pelo governo federal enfrenta um problema até então inédito na gestão de Fernando Henrique Cardoso, segundo o próprio Incra: sem-terra já na condição de assentados há pelo menos sete anos perdem as terras na Justiça para os antigos proprietários.
Em dois assentamentos, um em São Paulo e outro no Paraná, famílias entregaram as casas e saíram do terreno em que estavam. Em outros quatro existe determinação judicial para que os sem-terra deixem o local. Nos seis assentamentos, apenas o Incra investiu pelo menos R$ 10 milhões em infra-estrutura e custeio, sem contar despesas processuais.
Nem o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), nem os representantes dos sem-terra e da UDR (União Democrática Ruralista) sabem a exata dimensão da quantidade de processos na Justiça do país.
Na maior parte dos casos localizados pela reportagem, as terras foram regularizadas pelo Incra do início até o meio da década de 90. Os resultados da ações, somente agora, se devem ao tempo que uma ação deste tipo leva para ser apreciada nas instâncias da Justiça. Por esse motivo, o número de derrotas do governo pode aumentar a partir de agora.
Se essas ações não conseguem, de imediato, retirar assentados de projetos já estabelecidos, elas acabam emperrando investimentos nessas áreas.
Nos dois casos mais recentes, em Paulicéia (SP), em janeiro deste ano, e em Espigão Alto do Iguaçu (PR), em maio de 2000, o Incra perdeu todos os investimentos de custeio e infra-estrutura. Nos dois casos, as famílias perderam as casas e tiveram que se mudar para outro local, menor e sem as mesmas condições do anterior.
Em outros dois grandes assentamentos, em Andradina (SP) e Querência do Norte (noroeste do PR), a Justiça já deu ganho de causa aos antigos donos e o Incra está recorrendo. Mas a terra já não pode receber investimentos, afetando 503 famílias assentadas.

Sem obras
Em Andradina, no Assentamento Timboré, com 176 famílias, estão paralisadas obras de um centro esportivo comunitário, de uma escola de ensino fundamental, um posto de saúde e de equipamentos para um outro posto já construído.
Verbas no valor R$ 530 mil, liberadas pelo governo do Estado de São Paulo, estão bloqueadas depois que o ex-proprietário Serafim Rodrigues de Morais, ganhou ação contra a desapropriação no STF (Supremo Tribunal Federal).
"Você acha que alguém entre as famílias assentadas irá aceitar passivamente a devolução da Timboré para o fazendeiro?", perguntou Gentil Arruda, 51, ex-integrante da direção do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e um dos pioneiros do Timboré. Além de exigir a reintegração de posse determinada pelo STF, o fazendeiro ingressou com ação ordinária na Justiça Federal em Araçatuba contra o Incra por lucros cessantes e indenização por perdas e danos.
O advogado Juvelino Strozake, da direção nacional do MST, disse que a retomada das terras por antigos proprietários de assentamentos consolidados é uma preocupação atual. Ele afirma que o movimento tem pouca estrutura jurídica. "Os poucos advogados ligados ao movimento não conseguem acompanhar as ações criminais contra os líderes, quanto mais acompanhar ações de desapropriações judiciais."

Vistorias
Já os fazendeiros que entram com ações na Justiça classificam de "irresponsabilidade" os laudos de vistorias emitidos pelo Incra. "Os laudos sobre produtividade do Incra não resistem a nenhuma vistoria mais séria", afirma o presidente da UDR (União Democrática Ruralista) Luiz Antônio Nabhan Garcia.
A Constituição estabelece a produtividade como princípio fundamental para a terra cumprir sua função social. O critério de produtividade varia de acordo com a região, tipo de solo e outros fatores subjetivos que acirram a disputa nos tribunais, com laudos conflitantes sobre os critérios de terra produtiva ou improdutiva. Os laudos do Incra levam em conta as características da área, qualidade do solo, benfeitorias e o valor avaliado do imóvel.
A advogada Teresa Cofré, da Renaap (Rede Nacional Autônoma de Advogados Populares), do Paraná, que trabalha com assentados, critica a "irresponsabilidade" do Incra na defesa, como parte interessada, dos assentamentos. "No Paraná tivemos o despejo do assentamento Solidor (em Espigão Alto) sem a presença efetiva dos procuradores do Incra. Agora o órgão afirma à Justiça não ter interesse no processo. Essa irresponsabilidade poderá gerar graves conflitos no campo."



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