São Paulo, sexta, 12 de junho de 1998

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SUCESSÃO
Economista diz que idéias são "ruins' e que provocam "terrorismo financeiro'
Proposta do PT é "populista' e "estúpida', diz Dornbusch

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local


Rudiger Dornbusch, economista alemão naturalizado norte-americano, que é professor do renomado MIT (Massachusetts Institute of Technology), dos EUA, disse que o esboço do programa de governo do candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, é "um exemplo de um velho populismo, que se esperava que fosse coisa do passado no Brasil".
Dornbusch qualificou de "ruim" a proposta preliminar de política econômica da aliança de esquerda, em entrevista, ontem, por telefone, à Folha.
Taxou a sugestão de "quarentena" para o capital especulativo de "terrorismo financeiro" e chamou a proposta para a taxação sobre os lucros extraordinários de empresas privatizadas de "uma idéia estúpida".
Dornbusch, que tem sido um crítico ferrenho da gestão econômica do atual governo, responsabilizou o estilo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, a seu ver, "não usou a popularidade do Real para forçar as reformas no Congresso", pela vulnerabilidade atual do Brasil.
Disse, porém, que, nos meios acadêmicos no exterior, assim como entre os investidores estrangeiros, o cenário mais provável é a vitória do tucano no segundo turno das eleições presidenciais deste ano.
A seguir, leia trechos da entrevista do economista à Folha:

Folha - Há alguns meses, o sr. dava como certa a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. A ascensão de Lula nas pesquisas mudou sua opinião?
Dornbusch -
Mais do que de Lula, a ameaça ao presidente Fernando Henrique Cardoso vem da Rússia.
Folha - Por quê?
Dornbusch -
Porque o déficit público e o déficit externo no Brasil tornam o país extremamente vulnerável a uma mudança de humor no mercado internacional. Os juros altos no Brasil continuam atraindo o capital de curto prazo. Mas o país corre o risco de sofrer um ataque especulativo se a economia russa, já fragilizada, sofrer um colapso.
Folha - Qual é a saída para o Brasil?
Dornbusch -
Ainda há os recursos das privatizações. E depois disso? Não há saída fácil.
Folha - Por quê?
Dornbusch -
Em parte por causa do calendário político, em parte por causa do estilo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que nunca usou seu mandato para forçar as reformas no Congresso e também por causa dos enormes déficits de curto prazo e da moeda sobrevalorizada.
Não há uma saída fácil. O presidente tem de rezar para que a situação na Rússia não se agrave ainda mais.
Folha - Qual é o cenário que o sr. traça para os meses que antecedem as eleições?
Dornbusch -
Ainda penso que é pouco provável que o presidente não vença as eleições. Mas se a Rússia quebrar, a taxa de juros vai atingir níveis estratosféricos no Brasil, provocando uma forte queda do nível de atividade econômica. E essa não é uma boa maneira de vencer uma eleição.
Folha - Mas mesmo assim o sr. acredita na vitória do presidente-candidato?
Dornbusch -
Acho que o presidente vai vencer, mas a idéia de que ele está fazendo um excelente governo e de que fará ainda melhor no próximo mandato é pura fantasia.
Folha - O sr. sempre sugeriu uma forte desvalorização do real. Isso seria viável neste ano eleitoral?
Dornbusch -
Não penso nem por um minuto que esse seja o momento para se brincar com a taxa de câmbio.
Isso seria uma loucura agora. Esse não é o momento para se pensar em máxis. Uma máxi seria traumática.
Folha - Os investidores internacionais estão mesmo preocupados com a possibilidade de uma vitória da oposição na eleições presidenciais?
Dornbusch -
No momento, ninguém pensa que isso seja possível. Mas, se as taxas de juros subirem, atingindo o crescimento econômico, teremos que avaliar mais seriamente essa hipótese.
Folha - E qual seria a reação dos investidores?
Dornbusch -
Uma tendência muito forte no sentido da venda de bônus brasileiros. Mas, no momento, pensamos que o presidente vai ganhar as eleições. Já houve mais certeza, mas esse continua sendo o cenário dominante.
Folha - Uma eventual vitória de Lula provocará uma fuga de capitais do país.
Dornbusch -
Acredito nisso. A única razão para a permanência do capital de curto prazo no Brasil é a certeza da vitória do presidente.
Folha - Quanto sairia do Brasil?
Dornbusch -
De onde saem 20, saem 80. É o caso da Rússia.
Folha - O que o sr. acha do esboço do programa de governo da aliança de esquerda? Por exemplo, a idéia de uma "quarentena" para o capital especulativo?
Dornbusch -
Um anúncio desses não é inteligente. Trata-se de terrorismo financeiro. Quem gostaria de estar num lugar onde pode se tornar refém? Mas, insisto, os mercados financeiros trabalham com a hipótese de uma vitória do presidente.
Folha - O que o sr. acha da sugestão para a taxação sobre os lucros extraordinários de empresas privatizadas?
Dornbusch -
Essa é uma idéia estúpida. Acho que sublinhar as empresas privatizadas para taxação extra é uma insensatez. Por que não instituir um sistema tributário eficiente e uniforme para todas as pessoas jurídicas? Por que punir as empresas que estão investindo para a essencial modernização da infra-estrutura do país, que é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira?
Acho que todas essas idéias são o exemplo de um velho populismo, que se esperava que fosse coisa do passado no Brasil.
Folha - E os impostos sobre grandes fortunas?
Dornbusch -
Se forem adotados com moderação, é uma medida inteligente. Mas, se houver excessos, é terrorismo. Se a alíquota for de 0,5%, a idéia não é má. Mas acima disso é fermento para corrupção e fuga de capitais.
Folha - E a proposta de introduzir taxas de juros que aumentem a produtividade?
Dornbusch -
Isso é impossível com o atual déficit público. O dinheiro que financia o buraco externo do Brasil irá embora se o país adotar taxas de juros de Nova York. A melhora da política econômica é a única saída para a redução gradual das taxas de juros.



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