São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 2002

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ANÁLISE

Governo e oposição alimentam confusão sobre dívida pública

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A campanha presidencial se tornou cenário de uma guerra de números, taxas e acusações em torno da dívida pública, tema que concentra as preocupações do mercado financeiro e as declarações dos candidatos.
A manipulação de estatísticas acontece tanto entre partidários do governo como no meio oposicionista, e a maioria prefere omitir os dados completos sobre a evolução da dívida no governo Fernando Henrique Cardoso, que são os seguintes:
1) quando FHC assumiu o governo, as dívidas interna e externa de União, Estados, municípios e estatais somavam, em números redondos, R$ 153 bilhões. Em maio deste ano, dado oficial mais recente, o valor havia saltado para R$ 708 bilhões. Houve, portanto, um crescimento de 363%;
2) descontada a inflação do período (104% pelo IGP da Fundação Getúlio Vargas), o crescimento é de 127%, ou seja, a dívida mais que dobrou;
3) em relação às dimensões da economia nacional, dado observado com muita atenção pelos investidores externos, a dívida passou de 30% para 56% do PIB nos anos FHC.
Por qualquer critério, trata-se de um crescimento explosivo e mais alarmante do que querem fazer parecer os governistas.
Mas fica longe de taxas citadas pela oposição, para os quais a dívida chegou a ser multiplicada por dez em menos de oito anos.

Artifício da oposição
Os números se prestam a distorções porque a maior parte do público ignora os vários componentes da dívida pública e sua forma de apuração. O cálculo, que é feito pelo Banco Central a partir de convenções internacionais, inclui os compromissos em moeda nacional e moeda estrangeira de todo o setor público e desconta os valores que União, Estados, municípios e estatais têm a receber.
Se, por exemplo, uma prefeitura toma um empréstimo de R$ 10 milhões e empresta essa quantia a uma empresa, ambas as operações constam das estatísticas, mas não alteram o valor final da dívida pública -por isso mesmo chamada, tecnicamente, de dívida líquida do setor público.
Na oposição, o artifício mais comum é deixar de lado os valores totais e destacar apenas o componente principal da dívida pública: a dívida do governo federal em forma de títulos negociados no mercado doméstico.
Esses papéis somavam R$ 60 bilhões no início de 95 e chegaram a R$ 617 bilhões em 2002 -aí está a multiplicação por dez tão mencionada nos discursos.
A confusão ganha força porque essa é, de fato, a parcela da dívida acompanhada mais de perto pelos especialistas e a que tem dados divulgados com mais frequência. Não se pode, no entanto, comparar o valor atual com o de 95 sem considerar episódios que ocorreram entre uma data e outra.
Um exemplo, de valores expressivos, é a renegociação das dívidas estaduais: o governo emitiu títulos novos, no valor atual de R$ 178 bilhões, e os entregou aos credores dos Estados. Estes, subsidiados, devem hoje R$ 157 bilhões à União. Ou seja, o aumento da dívida em títulos foi muito maior que o real aumento da dívida federal líquida. Devido a operações semelhantes, o crescimento da dívida em títulos foi acompanhada por uma expansão, ainda que em taxas menores, dos créditos federais (ver quadro nesta página).

Retórica do governo
Casos como esses são usados pelos governistas para desmoralizar os rivais e, especialmente, para minimizar o papel da política de juros na explosão da dívida.
A retórica oficial argumenta que boa parte do endividamento atual vem de desequilíbrios como os dos Estados e seus bancos, além do reconhecimento de passivos que antes não constavam das estatísticas -os chamados "esqueletos", que respondem por R$ 103 bilhões da dívida atual.
Essa tese omite, porém, que foram exatamente os juros astronômicos dos anos FHC os maiores responsáveis pela disparada das dívidas estaduais e municipais e do valor dos tais esqueletos.



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