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ANÁLISE
Governo e oposição alimentam confusão sobre dívida pública
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A campanha presidencial se tornou cenário de uma guerra de números, taxas e acusações em torno da dívida pública, tema que
concentra as preocupações do
mercado financeiro e as declarações dos candidatos.
A manipulação de estatísticas
acontece tanto entre partidários
do governo como no meio oposicionista, e a maioria prefere omitir os dados completos sobre a
evolução da dívida no governo
Fernando Henrique Cardoso, que
são os seguintes:
1) quando FHC assumiu o governo, as dívidas interna e externa
de União, Estados, municípios e
estatais somavam, em números
redondos, R$ 153 bilhões. Em
maio deste ano, dado oficial mais
recente, o valor havia saltado para
R$ 708 bilhões. Houve, portanto,
um crescimento de 363%;
2) descontada a inflação do período (104% pelo IGP da Fundação Getúlio Vargas), o crescimento é de 127%, ou seja, a dívida
mais que dobrou;
3) em relação às dimensões da
economia nacional, dado observado com muita atenção pelos investidores externos, a dívida passou de 30% para 56% do PIB nos
anos FHC.
Por qualquer critério, trata-se
de um crescimento explosivo e
mais alarmante do que querem
fazer parecer os governistas.
Mas fica longe de taxas citadas
pela oposição, para os quais a dívida chegou a ser multiplicada
por dez em menos de oito anos.
Artifício da oposição
Os números se prestam a distorções porque a maior parte do público ignora os vários componentes da dívida pública e sua forma
de apuração. O cálculo, que é feito
pelo Banco Central a partir de
convenções internacionais, inclui
os compromissos em moeda nacional e moeda estrangeira de todo o setor público e desconta os
valores que União, Estados, municípios e estatais têm a receber.
Se, por exemplo, uma prefeitura
toma um empréstimo de R$ 10
milhões e empresta essa quantia a
uma empresa, ambas as operações constam das estatísticas, mas
não alteram o valor final da dívida
pública -por isso mesmo chamada, tecnicamente, de dívida líquida do setor público.
Na oposição, o artifício mais comum é deixar de lado os valores
totais e destacar apenas o componente principal da dívida pública:
a dívida do governo federal em
forma de títulos negociados no
mercado doméstico.
Esses papéis somavam R$ 60 bilhões no início de 95 e chegaram a
R$ 617 bilhões em 2002 -aí está a
multiplicação por dez tão mencionada nos discursos.
A confusão ganha força porque
essa é, de fato, a parcela da dívida
acompanhada mais de perto pelos especialistas e a que tem dados
divulgados com mais frequência.
Não se pode, no entanto, comparar o valor atual com o de 95 sem
considerar episódios que ocorreram entre uma data e outra.
Um exemplo, de valores expressivos, é a renegociação das dívidas
estaduais: o governo emitiu títulos novos, no valor atual de R$ 178
bilhões, e os entregou aos credores dos Estados. Estes, subsidiados, devem hoje R$ 157 bilhões à
União. Ou seja, o aumento da dívida em títulos foi muito maior
que o real aumento da dívida federal líquida. Devido a operações
semelhantes, o crescimento da dívida em títulos foi acompanhada
por uma expansão, ainda que em
taxas menores, dos créditos federais (ver quadro nesta página).
Retórica do governo
Casos como esses são usados
pelos governistas para desmoralizar os rivais e, especialmente, para
minimizar o papel da política de
juros na explosão da dívida.
A retórica oficial argumenta que
boa parte do endividamento atual
vem de desequilíbrios como os
dos Estados e seus bancos, além
do reconhecimento de passivos
que antes não constavam das estatísticas -os chamados "esqueletos", que respondem por R$ 103
bilhões da dívida atual.
Essa tese omite, porém, que foram exatamente os juros astronômicos dos anos FHC os maiores
responsáveis pela disparada das
dívidas estaduais e municipais e
do valor dos tais esqueletos.
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