São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2000


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COMENTÁRIO

Trama macabra ou malditas coincidências?

ANDRÉ SINGER
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

D epois de 34 dias de recolhimento, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, decidiu romper a muralha de silêncio. Foi na manhã de quarta-feira passada, quando concedeu, às 9h30 da manhã, no Palácio do Alvorada, uma longa entrevista para o canal de TV paga GloboNews.
Transmitida ao ar sem cortes na própria quarta à noite, converteu-se no primeiro pronunciamento político do presidente desde que começou o chamado caso EJ, a avalanche de notícias negativas sobre o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Abatido e circunspecto -o presidente não tem exibido nas últimas semanas o seu proverbial bom humor- Fernando Henrique disse que as apurações não podem ficar pela metade, sob risco de que a descrença geral mine a democracia.
Na quinta-feira, o Planalto comemorava, muito discretamente, o que poderia ser o começo de uma reação. Há preocupação, no palácio, sobre o que pode haver sido um dano irreparável para a imagem do Executivo. Por isso, a insistência na necessidade de, ao final, inocentar a Presidência da República perante o tribunal da opinião pública.
Na visão do Planalto, o affair EJ nasce como uma tentativa do ex-senador Luiz Estevão de afastar de si o foco das investigações a respeito do desvio de dinheiro do TRT, jogando os holofotes sobre a Presidência da República.
Para isso, teria usado um velho amigo, Eduardo Jorge, que trabalhou por mais de uma década ao lado de FHC. O raciocínio é simples. Com as atenções voltadas para um alvo muito maior, o presidente da República, a opinião pública esqueceria de Estevão.
De acordo com esse ponto de vista, a operação foi um sucesso, uma vez que o país passou mais de um mês preocupado com EJ, enquanto Luiz Estevão foi para a penumbra e, ao que tudo indica, agora descansa tranquilo em Paris.
Mas o alvo só teria sido atingido porque EJ deu uma declaração, considerada inábil, às vésperas da cassação de Estevão. Ao declarar à Folha, que a medida não era boa para a democracia, EJ recordou a todos que havia uma antiga amizade entre os dois, justo na hora em que ficava comprovada, ao menos aos olhos do Parlamento, a culpabilidade de Estevão.
Daí para que fossem lembrados os múltiplos telefonemas do ex-juiz Nicolau para EJ e aparecessem suspeitas de que o ex-auxiliar de FHC pudesse ter algum envolvimento com o desvio de verbas foi um passo. Não seriam necessárias nem sequer as fitas divulgadas pela revista "IstoÉ", e a entrevista de EJ ao jornal "Valor" -em que a menção aos telefonemas reaparece.
Desde abril de 1999, os parlamentares que participavam da CPI do Judiciário tinham conhecimento dessas ligações. Apenas decidiram que o alvo prioritário não era EJ, e sim Lalau e depois Luiz Estevão. Com a declaração à Folha, EJ teria se colocado, de maneira desastrada, na berlinda.
Sobre o que foi conversado naqueles telefonemas entre Nicolau e Eduardo Jorge há um mar de especulações e uma enorme confusão. No Planalto, afirma-se que a questão das verbas para a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo não era o tema das conversas, até porque Eduardo Jorge nada poderia fazer a respeito: o governo seria obrigado por lei a liberar o dinheiro.
Mas basta atravessar a rua e conversar no Congresso com parlamentares de oposição que entendem do assunto para que eles assegurem que isso é falso. O governo, dizem, ao receber o Orçamento aprovado pelo Congresso, fica autorizado a gastar aquele montante de recursos. Mas existe o "contingenciamento", ou seja, o condicionamento do gasto à disponibilidade efetiva do Tesouro.
O resultado é que gastos previstos ficam parados à espera de que o Executivo de fato libere o dinheiro. E, nessas horas, um pistolão situado em um lugar estratégico do Planalto pode ser decisivo. Terá EJ ajudado o juiz ou tudo não passa de uma maldita série de coincidências bem aproveitada por Luiz Estevão? Essa a pergunta que martela na cabeça dos cidadãos.
Não há evidência conclusiva a respeito. A oposição, que acredita na culpabilidade do antigo escudeiro de FHC, acha que não conseguirá provar nada sem os instrumentos investigatórios fornecidos por uma CPI.
Setores do governo reclamam, com indignação, do que seria o linchamento moral contra EJ e sua família, promovido pela imprensa a partir do que seriam meras suspeitas.
O núcleo do poder espera que as atenções agora se voltem para o ex-juiz Nicolau e outros membros do Judiciário implicados no desvio dos recursos.
A cidadania ainda sonha com um final feliz, em que tudo possa ser esclarecido e que a cada personagem da peça caiba o que lhe corresponda em matéria de punição ou desculpas. Quem viver, verá.



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