|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Trama macabra ou malditas coincidências?
ANDRÉ SINGER
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
D epois de 34 dias de recolhimento, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, decidiu romper a muralha
de silêncio. Foi na manhã de
quarta-feira passada, quando
concedeu, às 9h30 da manhã, no
Palácio do Alvorada, uma longa
entrevista para o canal de TV paga GloboNews.
Transmitida ao ar sem cortes
na própria quarta à noite, converteu-se no primeiro pronunciamento político do presidente desde que começou o chamado caso
EJ, a avalanche de notícias negativas sobre o ex-secretário-geral
da Presidência Eduardo Jorge
Caldas Pereira.
Abatido e circunspecto -o presidente não tem exibido nas últimas semanas o seu proverbial
bom humor- Fernando Henrique disse que as apurações não
podem ficar pela metade, sob risco de que a descrença geral mine
a democracia.
Na quinta-feira, o Planalto comemorava, muito discretamente,
o que poderia ser o começo de
uma reação. Há preocupação, no
palácio, sobre o que pode haver
sido um dano irreparável para a
imagem do Executivo. Por isso, a
insistência na necessidade de, ao
final, inocentar a Presidência da
República perante o tribunal da
opinião pública.
Na visão do Planalto, o affair
EJ nasce como uma tentativa do
ex-senador Luiz Estevão de afastar de si o foco das investigações a
respeito do desvio de dinheiro do
TRT, jogando os holofotes sobre a
Presidência da República.
Para isso, teria usado um velho
amigo, Eduardo Jorge, que trabalhou por mais de uma década ao
lado de FHC. O raciocínio é simples. Com as atenções voltadas
para um alvo muito maior, o presidente da República, a opinião
pública esqueceria de Estevão.
De acordo com esse ponto de
vista, a operação foi um sucesso,
uma vez que o país passou mais
de um mês preocupado com EJ,
enquanto Luiz Estevão foi para a
penumbra e, ao que tudo indica,
agora descansa tranquilo em Paris.
Mas o alvo só teria sido atingido porque EJ deu uma declaração, considerada inábil, às vésperas da cassação de Estevão. Ao
declarar à Folha, que a medida
não era boa para a democracia,
EJ recordou a todos que havia
uma antiga amizade entre os
dois, justo na hora em que ficava
comprovada, ao menos aos olhos
do Parlamento, a culpabilidade
de Estevão.
Daí para que fossem lembrados
os múltiplos telefonemas do ex-juiz Nicolau para EJ e aparecessem suspeitas de que o ex-auxiliar de FHC pudesse ter algum
envolvimento com o desvio de
verbas foi um passo. Não seriam
necessárias nem sequer as fitas
divulgadas pela revista "IstoÉ", e
a entrevista de EJ ao jornal "Valor" -em que a menção aos telefonemas reaparece.
Desde abril de 1999, os parlamentares que participavam da
CPI do Judiciário tinham conhecimento dessas ligações. Apenas
decidiram que o alvo prioritário
não era EJ, e sim Lalau e depois
Luiz Estevão. Com a declaração
à Folha, EJ teria se colocado, de
maneira desastrada, na berlinda.
Sobre o que foi conversado naqueles telefonemas entre Nicolau
e Eduardo Jorge há um mar de
especulações e uma enorme confusão. No Planalto, afirma-se que
a questão das verbas para a construção do Fórum Trabalhista de
São Paulo não era o tema das
conversas, até porque Eduardo
Jorge nada poderia fazer a respeito: o governo seria obrigado por
lei a liberar o dinheiro.
Mas basta atravessar a rua e
conversar no Congresso com parlamentares de oposição que entendem do assunto para que eles
assegurem que isso é falso. O governo, dizem, ao receber o Orçamento aprovado pelo Congresso,
fica autorizado a gastar aquele
montante de recursos. Mas existe
o "contingenciamento", ou seja,
o condicionamento do gasto à
disponibilidade efetiva do Tesouro.
O resultado é que gastos previstos ficam parados à espera de que
o Executivo de fato libere o dinheiro. E, nessas horas, um pistolão situado em um lugar estratégico do Planalto pode ser decisivo. Terá EJ ajudado o juiz ou tudo não passa de uma maldita série de coincidências bem aproveitada por Luiz Estevão? Essa a
pergunta que martela na cabeça
dos cidadãos.
Não há evidência conclusiva a
respeito. A oposição, que acredita
na culpabilidade do antigo escudeiro de FHC, acha que não conseguirá provar nada sem os instrumentos investigatórios fornecidos por uma CPI.
Setores do governo reclamam,
com indignação, do que seria o
linchamento moral contra EJ e
sua família, promovido pela imprensa a partir do que seriam
meras suspeitas.
O núcleo do poder espera que
as atenções agora se voltem para
o ex-juiz Nicolau e outros membros do Judiciário implicados no
desvio dos recursos.
A cidadania ainda sonha com
um final feliz, em que tudo possa
ser esclarecido e que a cada personagem da peça caiba o que lhe
corresponda em matéria de punição ou desculpas. Quem viver, verá.
Texto Anterior: BC afirma que está dentro do prazo da Justiça Próximo Texto: TRT-SP: Irmão de EJ admite que atuou para a Incal Índice
|