São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO /A HORA DO "MENSALINHO"

Para deputado, acusações são "visceralmente mentirosas" e baseadas em documento fraudado

Severino acredita em apoio de Lula e avisa que fica no cargo

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

SILVIO NAVARRO
DA AGÊNCIA FOLHA,EM BRASÍLIA

Pressionado por uma forte articulação política que busca destitui-lo do cargo, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), 74, reafirmou ontem que não renunciará nem se afastará da função e classificou as acusações que pesam contra ele de "visceralmente mentirosas" e baseadas em documentação "fraudada" ou inexistente.
Dizendo que o preconceito é seu "maior inimigo" -já que seria "um nordestino simples"-, Severino disse, em entrevista ontem concedida no auditório da TV Câmara, em Brasília, ainda acreditar que possui o apoio do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O deputado se encontrou com o coordenador político do governo, ministro Jaques Wagner, momentos antes de conceder uma entrevista coletiva de pouco mais de uma hora. "Claro que eu tenho apoio do governo, o meu partido dá apoio ao governo. Eu tenho certeza de que ele vai me dar toda a cobertura porque ele está ao lado da verdade", disse.
Severino vem sendo bombardeado nos últimos dez dias devido a acusações do empresário Sebastião Augusto Buani, dono da rede de restaurantes Fiorella. Buani afirma ter pago "mensalinho" a Severino em 2002 e 2003 em troca de privilégios na renovação do contrato de sua empresa com a Câmara. Foram R$ 40 mil em 2002 e cerca de R$ 70 mil em 2003, essa última quantia dividida em parcelas mensais.
Ao fazer uma exposição inicial intitulada "a mentira não pode prevalecer" (leia a íntegra da fala na pág. A6), Severino foi taxativo: "Os fatos que me imputam são inverídicos e inconsistentes. (...) A versão apresentada é visceralmente mentirosa."
Sua linha defesa consiste basicamente em refutar as duas possíveis provas que o ligariam ao esquema -um documento supostamente assinado por ele em 2002 concedendo prorrogação irregular ao contrato da Câmara com Buani e um cheque pelo qual o empresário teria pago uma das prestações do "mensalinho".
Sobre o documento, ele apresentou laudo de um perito do Instituto de Criminalística de Pernambuco dizendo que "se trata de uma falsificação". O deputado não foi claro sobre se a assinatura no documento é sua ou não.
A oposição disse que mantém a estratégia de pedir amanhã a abertura de cassação do seu mandato no Conselho de Ética.
 

CONTRADIÇÕES DE BUANI - Severino chamou Buani de "maldoso acusador" e buscou qualificar o empresário como farsante. "A acusação a cada hora apresenta uma versão desse pagamento. Ora foi dividido com o deputado Gonzaga Patriota [PSB-PE], ora não", diz em relação à propina de R$ 40 mil paga em 2002.
Severino explora a afirmação inicial de Buani -feita no relato escrito "a história de um mensalinho"- de que pagou em cheque a fatura de um cartão de crédito de Severino. Depois, Buani negou a versão. "Antes já se falou de pagamento de cartão de crédito, de entrega de vários cheques. Mentiras, mentiras, mentiras", disse.
Por fim, ele afirmou que a renovação excepcional do contrato do Fiorella em 2003 ocorreu em 3 de janeiro, e não em 31 daquele mês, dia em que Buani diz ter sofrido a cobrança de "mensalinho".

DOCUMENTO DE PRORROGAÇÃO - Sobre a suposta prorrogação de contrato que teria concedido ilegalmente a Buani em 2002, Severino disse ter certeza de que sua falsidade. "Afirmo, com absoluta convicção, que o documento é fraudulento. Não assinei, nem assinaria, de forma consciente, documento de tal conteúdo."
Sobre a assinatura que consta no documento -cuja cópia foi divulgada pela revista "Veja"-, Severino ora diz: "Eu não assinei. (...) A assinatura que me apresentaram é falsa, não é minha a assinatura". Em outro momento, admite a possibilidade. "Tenho certeza absoluta que não tem nenhum funcionário do meu gabinete que possa fazer um ato como esse [induzi-lo a assinar um documento sem que ele soubesse o teor]. Se isso tiver acontecido, seria uma grande decepção."
Auxiliares de Severino dizem acreditar que o documento é uma montagem eletrônica que teria usado uma assinatura do deputado de 2005, que seria diferente da de 2002, anos antes de ele sofrer um derrame que lhe afetou a coordenação motora.

PERÍCIA - Para sustentar sua versão, Severino apresentou um laudo feito pelo perito Adamastor Nunes de Oliveira, de Pernambuco, sua terra natal, que aponta para uma "montagem eletrônica". O advogado do deputado, José Eduardo Alckmin, disse, entretanto, que desconhecia a perícia e que ela é meramente "indicativa". "A perícia definitiva tem que ser feita pela Polícia Federal." Ele afirmou ainda que o laudo foi encomendado por outro advogado de Pernambuco que auxiliaria Severino, Mário Gil Rodrigues.

CHEQUE DO MENSALINHO - O presidente da Câmara disse também estar convicto de que não há cheque de Buani que tenha sido descontado por um de seus motoristas, como acusa o empresário.
"Afirmo peremptoriamente que não existe esse saque [cheque]. Essa é mais uma mentira do senhor empresário", afirmou. "É uma mentira, é uma falsidade, senão ele já teria apresentado."

CHANTAGEM - Severino afirma que foi chantageado por Buani em visita que o empresário fez ao seu gabinete no dia 1º, mas que não cedeu. Ele diz ainda que os funcionários de Buani confirmam o "mensalinho" porque temem perder o emprego. "Um inescrupuloso empresário de Brasília (...) procurou esquivar-se de obrigações ajustadas e manter seu contrato por meio de chantagem".

RENÚNCIA - "Eu não abdicarei das minhas prerrogativas, sou presidente da Casa e irei presidir todas as sessões. Portanto esses líderes que estão fazendo conto de carochinha vão me encontrar à frente da presidência da Casa."
Questionado sobre a possibilidade de renúncia, afastamento ou mesmo licença médica, disse: "Resistirei. Como presidente da Câmara, não posso me curvar à pressão dos poderosos, estejam eles onde estiverem. O meu Pernambuco me conhece. Sabe que não irei decepcioná-lo".

ATAQUE À OPOSIÇÃO - Acuado pela posição, Severino partiu para o ataque. "Muitos desses líderes que se candidatem à presidência da Câmara daqui a um ano e meio, porque agora não vai ter vaga para eles não", afirmou.
O pepista também negou uma tentativa de acordo com a oposição. "Eu não sou homem de fazer cambalacho nem de fazer acordo para me beneficiar", afirmou, arrematando: "Eu sou o presidente da Câmara dos Deputados, eleito com 300 votos. Eles não podem tripudiar sobre aqueles 300 votos, eu exercerei o meu mandato em toda a sua plenitude".

ESTÁTUA PARA ELE MESMO Severino pontuou sua entrevista de ironias e auto-elogios. Em um deles, sugeriu uma estátua para si próprio. " Um homem que tem 74 anos, 42 de vida pública, sem uma mácula sequer. Eu poderia sugerir aqui erguer uma estátua para um parlamentar que nunca cometeu um desatino em sua vida."
Em outro ponto, ironizou o fato de que poucos parlamentares hoje assumem ter votado nele. "Hipnotizei todos eles."

APOIO DO GOVERNO - "O governo tem certeza absoluta de que não estou dentro desse enlameado que tentaram lançar em meu nome", disse. Ele afirmou, entretanto, que nada faz para atrair Lula. "Eu não vou fazer nenhum ato para sensibilizar o presidente. Ele que cumpra com o dever dele, que eu cumprirei com o meu." Sobre os governistas no Congresso, que vacilam entre ele e a oposição, Severino disse ter certeza de que os conquistou após a entrevista de ontem. "Eles viram a minha posição, a minha correção, não titubeei em momento algum."

AÇÕES NA JUSTIÇA - Severino disse ter orientado seu advogado a entrar com processos judiciais por calúnia contra os acusadores.

PRECONCEITO - "Sei que o preconceito é meu maior inimigo. Por isso não me surpreendem manifestações histéricas de uma minoria que não admite que um nordestino simples possa estar à frente de uma das Casas do Poder Legislativo."

CAIXA DOIS-Sobre a pergunta se ele havia usado caixa dois nas eleições de 2002, Severino negou e justificou sua declaração de gastos baixa. "A família Cavalcanti consegue arrumar voto bem baratinho", declarou.

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