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G-4 não é "nau dos insensatos", diz Amorim
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirma que
o Brasil deve aproveitar o atual
momento para tentar ampliar o
Conselho de Segurança da ONU.
Para Amorim, a discussão não
equivale a uma "Copa do Mundo"
e o G-4 (Brasil, Alemanha, Japão e
Índia) tem sua força específica.
""É uma empreitada em que o
Brasil está junto do segundo e do
terceiro país mais rico do mundo
e com outro que dentro de 20
anos será provavelmente o país
mais populoso do planeta. Não se
trata de uma nau dos insensatos,
cegos seguindo cegos", diz.
Leia a seguir entrevista concedida à Folha em Brasília. (FCZ)
Folha - As posições demonstradas
pelos EUA não correm o risco de
transformar a Assembléia Geral em
um grande fiasco?
Celso Amorim - Espero que não e
que haja uma compreensão da
importância dessa assembléia e
da importância que a própria
ONU tem para todos, inclusive
para os EUA. Como o presidente
Lula já disse, fazer a guerra, você
pode fazer unilateralmente. Mas
para construir a paz, é preciso de
todos e de instrumentos multilaterais. Essa visão minimalista das
Nações Unidas e de encarar esse
problema só do ponto de vista da
reforma do secretariado não é
correta. Não que o secretariado
não precise ser reformado, mas
não é preciso uma Assembléia
Geral para isso.
Espero que o país (EUA) que é o
principal contribuinte e que, no
fundo, é o que mais se utiliza das
Nações Unidas, ajude a melhorar
os mecanismos que dêem maior
legitimidade multilateral a essa
organização.
Folha - Do ponto de vista prático,
no entanto, a recomendação americana é fazer centenas de modificações no texto pré-acordado ou
começar tudo do zero.
Amorim - Creio que isso vai mudar. Creio que haverá uma acomodação (da parte dos EUA).
Folha - O fato de a ONU estar na
berlinda, com corrupção comprovada no programa Petróleo por Alimentos, não reforça a tese americana de buscar uma racionalização
da instituição?
Amorim - Ninguém se opõe a isso. Aliás, muitos órgãos que existem hoje nas Nações Unidas, inclusive os que têm a ver com auditorias, foram criados por inspiração americana. Não sei se eles
conseguiram fazer o trabalho deles direito ou não, mas essas coisas devem ser objeto de um trabalho de aprimoramento permanente. Há margem para mudanças, mas não podemos dizer: ""Ok,
vamos fazer isso antes e depois
tratar do resto". Não pode, pois a
Assembléia Geral tem de continuar a tratar dos temas mundiais.
Não dá para esperar que o secretariado seja reformado para depois tratar desses temas.
Folha - Dificilmente os quatro
países aspirantes a ampliar o Conselho de Segurança (Brasil, Japão,
Alemanha e Índia) vão ter essa
oportunidade, também por causa
de disputas históricas entre China
e Japão, não?
Amorim - Não acho que a China
terá um papel decisivo nisso. Claro que se a China e os EUA são
contra, dificulta. Não há a menor
dúvida. Mas a questão tem de ser
votada por dois terços da assembléia e não há poder de veto nessa
decisão. Se o projeto de reforma
tiver os 128 votos, a ONU será reformada. Esse é um trabalho que
tem de ser feito. O crucial é um
entendimento entre o G-4 e os
países que o apóiam. Se tivermos
uma aproximação maior do G-4
com os países da África, por
exemplo, acho que é possível reformar.
Minha opinião franca é que é
impossível não reformar. A reforma que vier talvez não seja idêntica à que o G-4 está propondo, mas
ela será muito melhor do que seria sem a ação do G-4.
Costumo dizer que é uma empreitada em que o Brasil está junto do segundo e do terceiro país
mais rico do mundo e com outro
que dentro de 20 anos provavelmente será o país mais populoso
do planeta. Não se trata de uma
nau dos insensatos, cegos seguindo cegos. Há o apoio de países como a França e co-patrocinadores
como a Dinamarca e Portugal. É
uma reforma que terá de ocorrer.
Senão, é como uma Copa do
Mundo em que você diz que, nas
finais, só podem participar times
europeus. Por isso é que a gente
quer jogar. É o mínimo.
Folha - Qual o prazo realista que o
sr. vê para esta mudança?
Amorim - O timing realista não é
setembro, é dezembro. Mas, voltando à mesma imagem, isso não
é a Copa do Mundo, onde se perder, acabou. O momentum existe
agora e precisa ser aproveitado.
Temos até o fim do ano, e precisamos aproveitar.
Folha - Na área comercial, se o
Brasil mantiver a posição que está
adotando na Alca (Área de Livre Comércio das Américas), poderá ficar
em uma posição de isolamento, já
que os EUA vêm fechando acordos
bilaterais, não?
Amorim - Todas as mudanças de
posição têm de ser negociadas.
Sem uma mudança de posição
dos EUA, a Alca também não tem
como avançar. Temos de negociar e discutir. Chegamos a um
ponto onde as duas questões fundamentais, a agrícola (subsídios)
e a de poder incluir problemas de
propriedade intelectual com regras que vão além da OMC, estão
colocadas de modo que não podemos aceitar.
Agora, se houver uma discussão
pragmática, é possível chegar a
um entendimento. Mas o que vejo
em toda parte, mas certamente na
burocracia americana, é uma visão muito fundamentalista. Mas a
pergunta que faço é a seguinte: se
os EUA negociam bilateralmente
com os outros, por que não negociam bilateralmente como o Mercosul? As negociações com a
União Européia, por exemplo, estão avançando pelo fato de o enfoque ser mais pragmático.
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