São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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G-4 não é "nau dos insensatos", diz Amorim

DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirma que o Brasil deve aproveitar o atual momento para tentar ampliar o Conselho de Segurança da ONU. Para Amorim, a discussão não equivale a uma "Copa do Mundo" e o G-4 (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) tem sua força específica.
""É uma empreitada em que o Brasil está junto do segundo e do terceiro país mais rico do mundo e com outro que dentro de 20 anos será provavelmente o país mais populoso do planeta. Não se trata de uma nau dos insensatos, cegos seguindo cegos", diz.
Leia a seguir entrevista concedida à Folha em Brasília. (FCZ)

Folha - As posições demonstradas pelos EUA não correm o risco de transformar a Assembléia Geral em um grande fiasco?
Celso Amorim -
Espero que não e que haja uma compreensão da importância dessa assembléia e da importância que a própria ONU tem para todos, inclusive para os EUA. Como o presidente Lula já disse, fazer a guerra, você pode fazer unilateralmente. Mas para construir a paz, é preciso de todos e de instrumentos multilaterais. Essa visão minimalista das Nações Unidas e de encarar esse problema só do ponto de vista da reforma do secretariado não é correta. Não que o secretariado não precise ser reformado, mas não é preciso uma Assembléia Geral para isso.
Espero que o país (EUA) que é o principal contribuinte e que, no fundo, é o que mais se utiliza das Nações Unidas, ajude a melhorar os mecanismos que dêem maior legitimidade multilateral a essa organização.

Folha - Do ponto de vista prático, no entanto, a recomendação americana é fazer centenas de modificações no texto pré-acordado ou começar tudo do zero.
Amorim -
Creio que isso vai mudar. Creio que haverá uma acomodação (da parte dos EUA).

Folha - O fato de a ONU estar na berlinda, com corrupção comprovada no programa Petróleo por Alimentos, não reforça a tese americana de buscar uma racionalização da instituição?
Amorim -
Ninguém se opõe a isso. Aliás, muitos órgãos que existem hoje nas Nações Unidas, inclusive os que têm a ver com auditorias, foram criados por inspiração americana. Não sei se eles conseguiram fazer o trabalho deles direito ou não, mas essas coisas devem ser objeto de um trabalho de aprimoramento permanente. Há margem para mudanças, mas não podemos dizer: ""Ok, vamos fazer isso antes e depois tratar do resto". Não pode, pois a Assembléia Geral tem de continuar a tratar dos temas mundiais. Não dá para esperar que o secretariado seja reformado para depois tratar desses temas.

Folha - Dificilmente os quatro países aspirantes a ampliar o Conselho de Segurança (Brasil, Japão, Alemanha e Índia) vão ter essa oportunidade, também por causa de disputas históricas entre China e Japão, não?
Amorim -
Não acho que a China terá um papel decisivo nisso. Claro que se a China e os EUA são contra, dificulta. Não há a menor dúvida. Mas a questão tem de ser votada por dois terços da assembléia e não há poder de veto nessa decisão. Se o projeto de reforma tiver os 128 votos, a ONU será reformada. Esse é um trabalho que tem de ser feito. O crucial é um entendimento entre o G-4 e os países que o apóiam. Se tivermos uma aproximação maior do G-4 com os países da África, por exemplo, acho que é possível reformar.
Minha opinião franca é que é impossível não reformar. A reforma que vier talvez não seja idêntica à que o G-4 está propondo, mas ela será muito melhor do que seria sem a ação do G-4.
Costumo dizer que é uma empreitada em que o Brasil está junto do segundo e do terceiro país mais rico do mundo e com outro que dentro de 20 anos provavelmente será o país mais populoso do planeta. Não se trata de uma nau dos insensatos, cegos seguindo cegos. Há o apoio de países como a França e co-patrocinadores como a Dinamarca e Portugal. É uma reforma que terá de ocorrer. Senão, é como uma Copa do Mundo em que você diz que, nas finais, só podem participar times europeus. Por isso é que a gente quer jogar. É o mínimo.

Folha - Qual o prazo realista que o sr. vê para esta mudança?
Amorim -
O timing realista não é setembro, é dezembro. Mas, voltando à mesma imagem, isso não é a Copa do Mundo, onde se perder, acabou. O momentum existe agora e precisa ser aproveitado. Temos até o fim do ano, e precisamos aproveitar.

Folha - Na área comercial, se o Brasil mantiver a posição que está adotando na Alca (Área de Livre Comércio das Américas), poderá ficar em uma posição de isolamento, já que os EUA vêm fechando acordos bilaterais, não?
Amorim -
Todas as mudanças de posição têm de ser negociadas. Sem uma mudança de posição dos EUA, a Alca também não tem como avançar. Temos de negociar e discutir. Chegamos a um ponto onde as duas questões fundamentais, a agrícola (subsídios) e a de poder incluir problemas de propriedade intelectual com regras que vão além da OMC, estão colocadas de modo que não podemos aceitar.
Agora, se houver uma discussão pragmática, é possível chegar a um entendimento. Mas o que vejo em toda parte, mas certamente na burocracia americana, é uma visão muito fundamentalista. Mas a pergunta que faço é a seguinte: se os EUA negociam bilateralmente com os outros, por que não negociam bilateralmente como o Mercosul? As negociações com a União Européia, por exemplo, estão avançando pelo fato de o enfoque ser mais pragmático.

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