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ENTREVISTA DE 2ª
MARCOS RODRIGUES DE MELLO
Para Rodrigues de Mello, da Receita, falta de justificativa para origem de patrimônio é indício de improbidade
Investigação sobre servidores será mais rígida, diz corregedor
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Marcos Rodrigues de Mello,
corregedor-geral da Receita Federal, diz que vai realizar sindicância
no patrimônio dos servidores para combater a corrupção de funcionários da instituição. Atualmente, 324 servidores estão sob
investigação da Corregedoria.
Caso o servidor não consiga demonstrar a origem lícita dos seus
recursos, segundo informa Mello,
poderá ser demitido por improbidade administrativa.
"É óbvio que teremos de enfrentar o problema da interposição de
pessoas [uso de "laranjas"], além
de estratégias de lavagem de dinheiro e remessa de recursos para
o exterior", afirma.
A Receita fazia o acompanhamento dos servidores dentro do
universo geral dos contribuintes.
"O que pretendemos -e já estamos fazendo- é restringir esse
contexto, estabelecendo critérios
mais rígidos de seleção para esse
acompanhamento", observa o
corregedor.
O secretário da Receita e seus
secretários-adjuntos estão excluídos da sindicância, como determina legislação de 2003.
Mello nega que tenha deixado
de encaminhar ao Ministério Público Federal relatórios que tratam de investigações sobre supostas irregularidades na importação
de máquinas de bingo.
No dia 12 de julho deste ano, o
juiz Cloves Barbosa de Siqueira,
da Justiça Federal de Brasília, determinou a busca e a apreensão de
documentos que estavam em poder do corregedor-geral e também requisitou a instauração de
inquérito policial para apurar sua
eventual responsabilidade criminal nesse caso.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo
corregedor-geral da Receita Federal à Folha:
Folha - A Corregedoria da Receita
Federal decidiu fazer a chamada
"sindicância patrimonial" dos seus
servidores. Por quê?
Mello - A Corregedoria tem a
missão de promover ações preventivas e repressivas sobre a ética
e a disciplina dos servidores da
Receita. Para isso, utiliza diversas
estratégias, entre elas o acompanhamento da compatibilidade do
patrimônio. Não
me parece possível que o órgão
que tem a responsabilidade de
acompanhar a variação patrimonial de todos os
contribuintes para
verificar sua regularidade fiscal
possa deixar de fazer isso com relação aos seus próprios servidores.
Folha - De onde
sairão as informações para fazer essa sindicância? A
corregedoria não
estaria quebrando
o sigilo bancário
das pessoas?
Mello - As informações vêm de diversas fontes internas e externas.
Não haverá quebra de sigilo bancário sem ordem
judicial. E o acesso
à movimentação
financeira se dará
dentro de procedimento de fiscalização, como já ocorre com qualquer contribuinte.
Folha - De que forma essa sindicância será feita?
Mello - A estratégia não será revelada em seus detalhes, pois isso
poderia possibilitar "montagem"
de defesas que poderiam impedir
o sucesso da operação.
Basicamente, vamos agregar
dados internos com investigações
externas e técnicas de combate à
interposição de pessoas, lavagem
de dinheiro e remessa ilegal de divisas ao exterior.
Folha - Ter patrimônio que não
condiz com o salário pode ser considerado forte sinal de corrupção?
Mello - Sim. Caso o servidor, durante processo sujeito ao contraditório e à ampla defesa, não consiga demonstrar que possui origem lícita para os recursos, pode
ser demitido por improbidade
administrativa, conforme a Lei
8.112, de 1990.
Folha - A Corregedoria não fazia
essa sindicância anteriormente?
Mello - A Receita fazia o acompanhamento dos servidores dentro de um contexto geral como
contribuintes.
O que pretendemos -e já estamos fazendo- é restringir esse
contexto, estabelecendo critérios
mais rígidos de seleção para esse
acompanhamento.
A Corregedoria fazia também
essa análise, quando havia um caso concreto, como uma denúncia
ou um processo
administrativo.
Folha - Qual a sua
opinião sobre os
poderes da Corregedoria para investigar a cúpula
da Receita?
Mello - A Corregedoria investiga
todo e qualquer
indício de [ato] ilícito praticado por
servidor da Receita Federal, excluindo apenas o
secretário e seus
adjuntos, por força do parecer
1.312, de 2003, que
cita que "o corregedor-geral não
possui poderes
para requisitar
qualquer tipo de
informação ou
prática de determinado ato, em
face de secretários-adjuntos da
Receita, o que seria em manifesto
detrimento da ordem hierárquica
existente no Ministério da Fazenda".
Folha - O sr. é a favor de que a
Corregedoria tenha acesso a dados
protegidos por sigilos fiscal e bancário?
Mello - Sim, quando esses dados
forem necessários para a investigação de servidores. Quanto ao sigilo bancário, a Coger [Corregedoria Geral da Receita Federal] se
submete às regras gerais, sendo
que, se for necessária a quebra do
sigilo, pedimos ao Poder Judiciário e, quando for o caso, poderá
haver o acesso previsto na Lei
Complementar 105 dentro de um
processo administrativo requisitado pela Corregedoria ao setor
competente da própria Receita.
Folha - Não existia nenhuma
"malha fina" para os servidores da
Receita, só para os contribuintes?
Mello - Todos os contribuintes,
inclusive os servidores, passam
pelas malhas da Receita. No entanto essas malhas não têm por finalidade investigar patrimônio.
Além das malhas, a Receita possui
as fiscalizações, para as quais os
contribuintes são selecionados
em uma análise muito mais complexa e completa.
Folha - Quantos processos e
quantos servidores estão sob investigação da Corregedoria?
Mello - São 323 processos em andamento e 324 servidores investigados. Mas esses números são
muito dinâmicos. Todos os dias
temos processos sendo encerrados ou iniciados.
Desde 1979, já foram demitidos
334 servidores. Só
no ano passado,
foram 32 demissões e uma aposentadoria cassada. No total, foram 233 servidores investigados
em 2004.
Folha - Qual a
principal irregularidade constatada?
Mello - A principal conduta que
leva à aplicação de
pena é o descumprimento de norma, seguido da
falta de zelo no
exercício da função pública.
Se levarmos em
conta a gravidade,
a principal conduta é o valimento
do cargo: "valer-se
do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem,
em detrimento da
dignidade da função pública", como define a Lei 8.112.
Nessa conduta, podemos enquadrar a emissão irregular de
CPFs, a baixa indevida de débitos,
a emissão irregular de certidões.
Folha - Só as pessoas que usaram
os próprios nomes para mandar dinheiro para o exterior serão objeto
de sindicância? Como será feita?
Mello - É óbvio que teremos de
enfrentar o problema da interposição de pessoas [utilização de
"laranjas"], além de estratégias de
lavagem de dinheiro e remessa de
recursos para o exterior.
As mesmas técnicas que utilizamos com os demais contribuintes
serão utilizadas para os servidores
da Receita. Nesse aspecto, aliás,
há de se lembrar que os atuais corregedores possuem experiência
de mais de dez anos em auditoria
e fiscalização.
Folha - O sr. segurou documentos
da comissão que investiga venda
de leis por funcionários da Receita
como informa o Ministério Público?
Mello - Não houve nenhuma
apreensão de documentos.
Os documentos em questão
[que tratam de investigação sobre
supostas irregularidades na importação de máquinas de bingo]
foram entregues no gabinete desta Corregedoria para serem enviados diretamente ao Ministério
Público Federal.
Como não constava do ofício de
encaminhamento se havia uma
requisição do Ministério Público
Federal ou que o
envio se enquadrava nas condições normais de
envio de informações, decidiu-se
verificar em que
condições os documentos estavam sendo enviados. Como a busca se deu no período de minhas
curtas férias e o
corregedor-adjunto, ao voltar de
Porto Alegre, teve
compromissos,
isso não foi possível.
Posteriormente,
ficamos sabendo
que a comissão
estava enviando
os documentos
não na qualidade
de membros de
comissão de inquérito, mas como peritos nomeados, sendo
que essa condição
de peritos não foi
informada a essa
corregedoria ou a
qualquer unidade da Receita, como comumente ocorre.
Repita-se que nenhum documento foi desviado ou acessado,
tendo ficado no envelope até sua
abertura pela Polícia Federal.
Folha - Como o sr. vê a decisão do
juiz de instaurar inquérito policial
contra o sr. por conta da apreensão
desses documentos?
Mello - Até o momento não tivemos conhecimento oficial de petição que originou a apreensão dos
documentos, embora a Folha tenha tido conhecimento de detalhes, apesar da ordem judicial expressa de evitar publicidade.
Folha - O sr. determinou às comissões de inquéritos que dirige para
que não repassem mais informações ao Ministério Público Federal?
Mello - Não determinei ou sugeri
às comissões que não repassem
informações ao Ministério Público Federal. Tendo em vista o caráter sigiloso, previsto em lei, para
os processos correicionais, o fornecimento de informações segue
regras expressas na legislação, nas
seguintes situações:
1) pela comissão de inquérito,
no início de processo administrativo, quando instaurado para
apurar improbidade administrativa;
2) pela autoridade instauradora,
ao final do processo, quando
ocorra indício de crime;
3) pela unidade da Receita,
quando houver requisição do Ministério Público
Federal, de acordo
com a lei orgânica
daquele órgão;
4) durante a etapa de apuração,
quando se constata a necessidade
de providências
judiciais que dependam do pronunciamento do
Ministério Público Federal (mandado de busca, interceptação telefônica etc.).
Folha - As comissões manterem o
Ministério Público
Federal informado
não seria uma forma de a Corregedoria e a instituição
trabalharem de
forma conjunta para avançar nas investigações?
Mello - Em minha história de
Receita, sempre
fui parceiro do
Ministério Público Federal em investigações, e isso
pode ser apurado em São Paulo,
em Bauru e em Marília, cidades
onde trabalhei e onde conseguimos êxito em diversas ocasiões
em trabalhos conjuntos.
Porém, se, de um lado, a parceria com o Ministério Público Federal permite otimizar os procedimentos, a inobservância dos requisitos legais no fornecimento
de informações pode suscitar alegações de ilegalidade, favorecendo os acusados.
Folha - Antes da instauração de
qualquer inquérito, a Corregedoria
fazia uma investigação preliminar
sobre possível fraude do servidor
para ver se de fato era necessário
abrir processo. Soubemos que o sr.
não pretende mais fazer a Corregedoria preliminar, deixando para as
próprias repartições da Receita essa tarefa. O sr. não considera que a
tendência dessas repartições é
abafar/dissimular possíveis fraudes na medida em que dificilmente
as chefias e os servidores das repartições gostariam de ver suas unidades em investigação?
Mello - Primeiro é preciso corrigir a informação contida na pergunta. Não é verdade que antes da
instauração de qualquer inquérito a divisão de auditoria fazia uma
investigação preliminar.
Menos de 5% dos inquéritos hoje em curso nesta Corregedoria
foram precedidos por investigações prévias daquela divisão, até
mesmo porque, somente em situações excepcionais, o órgão central deve conduzir
os trabalhos de
auditoria, sendo
essa função primordialmente
dos escritórios de
corregedoria localizados nas sedes
de região fiscal
-dez no total.
Quanto à informação de que não
pretendo fazer
"corregedoria
preliminar", também não é verdade. Estamos aprimorando a forma
de realização das
auditorias e introduzindo novos
elementos de investigação que visam identificar sinais de patrimônio incompatível
por parte de servidores da Receita.
Quanto à afirmação de que deixaríamos a tarefa
para as próprias
repartições, há
outro equívoco.
O regimento da Receita já determina que as auditorias de procedimentos devem ser realizadas
pelas divisões de auditoria de procedimentos das coordenações
técnicas. À Corregedoria cabe a
auditoria correicional.
Mesmo as auditorias procedimentais em que surjam indícios
de ilícitos disciplinares deverão
ser obrigatoriamente informadas
à Coger.
Folha - Existe alguma representação hoje contra o secretário da Receita, Jorge Rachid, ao ministro da
Fazenda? Por quê?
Mello - Desconheço se existe alguma representação ao ministro,
pois essa não é matéria de competência desta Corregedoria.
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