São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2005

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ENTREVISTA DE 2ª

MARCOS RODRIGUES DE MELLO

Para Rodrigues de Mello, da Receita, falta de justificativa para origem de patrimônio é indício de improbidade

Investigação sobre servidores será mais rígida, diz corregedor

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Marcos Rodrigues de Mello, corregedor-geral da Receita Federal, diz que vai realizar sindicância no patrimônio dos servidores para combater a corrupção de funcionários da instituição. Atualmente, 324 servidores estão sob investigação da Corregedoria.
Caso o servidor não consiga demonstrar a origem lícita dos seus recursos, segundo informa Mello, poderá ser demitido por improbidade administrativa.
"É óbvio que teremos de enfrentar o problema da interposição de pessoas [uso de "laranjas"], além de estratégias de lavagem de dinheiro e remessa de recursos para o exterior", afirma.
A Receita fazia o acompanhamento dos servidores dentro do universo geral dos contribuintes. "O que pretendemos -e já estamos fazendo- é restringir esse contexto, estabelecendo critérios mais rígidos de seleção para esse acompanhamento", observa o corregedor.
O secretário da Receita e seus secretários-adjuntos estão excluídos da sindicância, como determina legislação de 2003.
Mello nega que tenha deixado de encaminhar ao Ministério Público Federal relatórios que tratam de investigações sobre supostas irregularidades na importação de máquinas de bingo.
No dia 12 de julho deste ano, o juiz Cloves Barbosa de Siqueira, da Justiça Federal de Brasília, determinou a busca e a apreensão de documentos que estavam em poder do corregedor-geral e também requisitou a instauração de inquérito policial para apurar sua eventual responsabilidade criminal nesse caso.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo corregedor-geral da Receita Federal à Folha:

Folha - A Corregedoria da Receita Federal decidiu fazer a chamada "sindicância patrimonial" dos seus servidores. Por quê?
Mello -
A Corregedoria tem a missão de promover ações preventivas e repressivas sobre a ética e a disciplina dos servidores da Receita. Para isso, utiliza diversas estratégias, entre elas o acompanhamento da compatibilidade do patrimônio. Não me parece possível que o órgão que tem a responsabilidade de acompanhar a variação patrimonial de todos os contribuintes para verificar sua regularidade fiscal possa deixar de fazer isso com relação aos seus próprios servidores.

Folha - De onde sairão as informações para fazer essa sindicância? A corregedoria não estaria quebrando o sigilo bancário das pessoas?
Mello -
As informações vêm de diversas fontes internas e externas. Não haverá quebra de sigilo bancário sem ordem judicial. E o acesso à movimentação financeira se dará dentro de procedimento de fiscalização, como já ocorre com qualquer contribuinte.

Folha - De que forma essa sindicância será feita?
Mello -
A estratégia não será revelada em seus detalhes, pois isso poderia possibilitar "montagem" de defesas que poderiam impedir o sucesso da operação.
Basicamente, vamos agregar dados internos com investigações externas e técnicas de combate à interposição de pessoas, lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas ao exterior.

Folha - Ter patrimônio que não condiz com o salário pode ser considerado forte sinal de corrupção?
Mello -
Sim. Caso o servidor, durante processo sujeito ao contraditório e à ampla defesa, não consiga demonstrar que possui origem lícita para os recursos, pode ser demitido por improbidade administrativa, conforme a Lei 8.112, de 1990.

Folha - A Corregedoria não fazia essa sindicância anteriormente?
Mello -
A Receita fazia o acompanhamento dos servidores dentro de um contexto geral como contribuintes.
O que pretendemos -e já estamos fazendo- é restringir esse contexto, estabelecendo critérios mais rígidos de seleção para esse acompanhamento.
A Corregedoria fazia também essa análise, quando havia um caso concreto, como uma denúncia ou um processo administrativo.

Folha - Qual a sua opinião sobre os poderes da Corregedoria para investigar a cúpula da Receita?
Mello -
A Corregedoria investiga todo e qualquer indício de [ato] ilícito praticado por servidor da Receita Federal, excluindo apenas o secretário e seus adjuntos, por força do parecer 1.312, de 2003, que cita que "o corregedor-geral não possui poderes para requisitar qualquer tipo de informação ou prática de determinado ato, em face de secretários-adjuntos da Receita, o que seria em manifesto detrimento da ordem hierárquica existente no Ministério da Fazenda".

Folha - O sr. é a favor de que a Corregedoria tenha acesso a dados protegidos por sigilos fiscal e bancário?
Mello -
Sim, quando esses dados forem necessários para a investigação de servidores. Quanto ao sigilo bancário, a Coger [Corregedoria Geral da Receita Federal] se submete às regras gerais, sendo que, se for necessária a quebra do sigilo, pedimos ao Poder Judiciário e, quando for o caso, poderá haver o acesso previsto na Lei Complementar 105 dentro de um processo administrativo requisitado pela Corregedoria ao setor competente da própria Receita.

Folha - Não existia nenhuma "malha fina" para os servidores da Receita, só para os contribuintes?
Mello -
Todos os contribuintes, inclusive os servidores, passam pelas malhas da Receita. No entanto essas malhas não têm por finalidade investigar patrimônio. Além das malhas, a Receita possui as fiscalizações, para as quais os contribuintes são selecionados em uma análise muito mais complexa e completa.

Folha - Quantos processos e quantos servidores estão sob investigação da Corregedoria?
Mello -
São 323 processos em andamento e 324 servidores investigados. Mas esses números são muito dinâmicos. Todos os dias temos processos sendo encerrados ou iniciados. Desde 1979, já foram demitidos 334 servidores. Só no ano passado, foram 32 demissões e uma aposentadoria cassada. No total, foram 233 servidores investigados em 2004.

Folha - Qual a principal irregularidade constatada?
Mello -
A principal conduta que leva à aplicação de pena é o descumprimento de norma, seguido da falta de zelo no exercício da função pública.
Se levarmos em conta a gravidade, a principal conduta é o valimento do cargo: "valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública", como define a Lei 8.112.
Nessa conduta, podemos enquadrar a emissão irregular de CPFs, a baixa indevida de débitos, a emissão irregular de certidões.

Folha - Só as pessoas que usaram os próprios nomes para mandar dinheiro para o exterior serão objeto de sindicância? Como será feita?
Mello -
É óbvio que teremos de enfrentar o problema da interposição de pessoas [utilização de "laranjas"], além de estratégias de lavagem de dinheiro e remessa de recursos para o exterior.
As mesmas técnicas que utilizamos com os demais contribuintes serão utilizadas para os servidores da Receita. Nesse aspecto, aliás, há de se lembrar que os atuais corregedores possuem experiência de mais de dez anos em auditoria e fiscalização.

Folha - O sr. segurou documentos da comissão que investiga venda de leis por funcionários da Receita como informa o Ministério Público?
Mello -
Não houve nenhuma apreensão de documentos.
Os documentos em questão [que tratam de investigação sobre supostas irregularidades na importação de máquinas de bingo] foram entregues no gabinete desta Corregedoria para serem enviados diretamente ao Ministério Público Federal.
Como não constava do ofício de encaminhamento se havia uma requisição do Ministério Público Federal ou que o envio se enquadrava nas condições normais de envio de informações, decidiu-se verificar em que condições os documentos estavam sendo enviados. Como a busca se deu no período de minhas curtas férias e o corregedor-adjunto, ao voltar de Porto Alegre, teve compromissos, isso não foi possível.
Posteriormente, ficamos sabendo que a comissão estava enviando os documentos não na qualidade de membros de comissão de inquérito, mas como peritos nomeados, sendo que essa condição de peritos não foi informada a essa corregedoria ou a qualquer unidade da Receita, como comumente ocorre.
Repita-se que nenhum documento foi desviado ou acessado, tendo ficado no envelope até sua abertura pela Polícia Federal.

Folha - Como o sr. vê a decisão do juiz de instaurar inquérito policial contra o sr. por conta da apreensão desses documentos?
Mello -
Até o momento não tivemos conhecimento oficial de petição que originou a apreensão dos documentos, embora a Folha tenha tido conhecimento de detalhes, apesar da ordem judicial expressa de evitar publicidade.

Folha - O sr. determinou às comissões de inquéritos que dirige para que não repassem mais informações ao Ministério Público Federal?
Mello -
Não determinei ou sugeri às comissões que não repassem informações ao Ministério Público Federal. Tendo em vista o caráter sigiloso, previsto em lei, para os processos correicionais, o fornecimento de informações segue regras expressas na legislação, nas seguintes situações:
1) pela comissão de inquérito, no início de processo administrativo, quando instaurado para apurar improbidade administrativa;
2) pela autoridade instauradora, ao final do processo, quando ocorra indício de crime;
3) pela unidade da Receita, quando houver requisição do Ministério Público Federal, de acordo com a lei orgânica daquele órgão;
4) durante a etapa de apuração, quando se constata a necessidade de providências judiciais que dependam do pronunciamento do Ministério Público Federal (mandado de busca, interceptação telefônica etc.).

Folha - As comissões manterem o Ministério Público Federal informado não seria uma forma de a Corregedoria e a instituição trabalharem de forma conjunta para avançar nas investigações?
Mello -
Em minha história de Receita, sempre fui parceiro do Ministério Público Federal em investigações, e isso pode ser apurado em São Paulo, em Bauru e em Marília, cidades onde trabalhei e onde conseguimos êxito em diversas ocasiões em trabalhos conjuntos.
Porém, se, de um lado, a parceria com o Ministério Público Federal permite otimizar os procedimentos, a inobservância dos requisitos legais no fornecimento de informações pode suscitar alegações de ilegalidade, favorecendo os acusados.

Folha - Antes da instauração de qualquer inquérito, a Corregedoria fazia uma investigação preliminar sobre possível fraude do servidor para ver se de fato era necessário abrir processo. Soubemos que o sr. não pretende mais fazer a Corregedoria preliminar, deixando para as próprias repartições da Receita essa tarefa. O sr. não considera que a tendência dessas repartições é abafar/dissimular possíveis fraudes na medida em que dificilmente as chefias e os servidores das repartições gostariam de ver suas unidades em investigação?
Mello -
Primeiro é preciso corrigir a informação contida na pergunta. Não é verdade que antes da instauração de qualquer inquérito a divisão de auditoria fazia uma investigação preliminar.
Menos de 5% dos inquéritos hoje em curso nesta Corregedoria foram precedidos por investigações prévias daquela divisão, até mesmo porque, somente em situações excepcionais, o órgão central deve conduzir os trabalhos de auditoria, sendo essa função primordialmente dos escritórios de corregedoria localizados nas sedes de região fiscal -dez no total.
Quanto à informação de que não pretendo fazer "corregedoria preliminar", também não é verdade. Estamos aprimorando a forma de realização das auditorias e introduzindo novos elementos de investigação que visam identificar sinais de patrimônio incompatível por parte de servidores da Receita.
Quanto à afirmação de que deixaríamos a tarefa para as próprias repartições, há outro equívoco.
O regimento da Receita já determina que as auditorias de procedimentos devem ser realizadas pelas divisões de auditoria de procedimentos das coordenações técnicas. À Corregedoria cabe a auditoria correicional.
Mesmo as auditorias procedimentais em que surjam indícios de ilícitos disciplinares deverão ser obrigatoriamente informadas à Coger.

Folha - Existe alguma representação hoje contra o secretário da Receita, Jorge Rachid, ao ministro da Fazenda? Por quê?
Mello -
Desconheço se existe alguma representação ao ministro, pois essa não é matéria de competência desta Corregedoria.

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