São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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PODER PARALELO
Diretor de órgão que fornece autorizações diz que há "bagunça", mas antes era um "prostíbulo"
Parlamentares fazem lobby para bingos

LUCIO VAZ
da Sucursal de Brasília

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

Deputados e senadores estão exercendo sua influência política para agilizar a autorização para funcionamento de bingos, uma atividade controlada pelo Indesp (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto), do Ministério do Esporte e do Turismo.
O lobby dos parlamentares ocorre em meio ao absoluto descontrole da atividade. O ministério não sabe quantos bingos funcionam no país (estima em cerca de 4.000), onde estão instalados e como dividem seus lucros. Só oito funcionários autorizam e fiscalizam a atividade dessas casas.
Duas funcionárias e um ex-funcionário do Indesp prestaram depoimento ao Ministério Público e denunciaram a existência de atendimento privilegiado a clientes especiais no órgão e o favorecimento de parlamentares da base de apoio do governo.
O procurador da República Luiz Francisco de Souza afirma que há "um total descontrole" na concessão de bingos. "Não há critério objetivo. Está tudo ligado a favores políticos." Acrescentou que o setor "caminha ao lado da sonegação de impostos, da lavagem de dinheiro, do contrabando e da prostituição".
Souza também criticou o fato de o Indesp ter delegado a 12 Estados, em 1998, a tarefa de autorizar o funcionamento dos bingos. A medida aumentou o descontrole do órgão sobre a atividade.
O diretor de Administração e Finanças do Indesp, Luiz Antônio Buffara, reconhece que o órgão vive um caos administrativo. "Realmente está uma bagunça. Mas antes (no ano passado) era um prostíbulo."
A funcionária Vera Vater disse ao procurador ter questionado Buffara sobre o favorecimento a políticos. "Mencionei que ele estava atendendo somente a quem pertencia à base de apoio ao governo", afirmou Vera.
"Ele alegou que em toda a Esplanada dos Ministérios era assim e que estava ali para cumprir as ordens do sr. ministro (Rafael Greca)", acrescentou a funcionária. Buffara é o homem de confiança de Greca no Indesp.
O diretor do órgão confirmou à Folha que os políticos têm atendimento prioritário. "É uma cultura de Brasília. O deputado tem preferência em qualquer matéria. Eles passam na frente. Eles querem saber de um processo. A gente dá satisfação."
O presidente do Indesp, Manoel Tubino, disse que recebe políticos, mas fez uma ressalva. "Isso não quer dizer que o que pedem é atendido. Quem tem prioridade aqui são as confederações, porque têm abrangência nacional."

Irregularidades
Uma auditoria realizada no Indesp pela Secretaria de Controle Interno da Presidência da República no ano passado investigou dez de um grupo de 147 processos. Os dez estavam irregulares.
O Esporte Clube São José, de Porto Alegre (RS), encaminhou dois pedidos de autorização. O primeiro entrou no Indesp no dia 28 de setembro e foi autorizado no dia seguinte, para ser realizado seis dias mais tarde.
Pela legislação, o pedido deve ser feito um mês antes do evento. Para viabilizar o bingo, o Indesp concedeu ao São José um certificado de autorização especial a título precário.
Um segundo pedido foi feito em 20 de outubro e autorizado no dia 23, para realização no dia 26. O deputado Augusto Nardes (PPB-RS) disse à Folha que encaminhou pedidos de autorização para o São José no ano passado.
"Pedi autorização para dois bingos eventuais. A burocracia é pesada e havia atraso na liberação. Mas não sei detalhes, porque foi o meu assessor que encaminhou os pedidos", afirmou o deputado.
O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) disse que encaminhou pedidos de autorização para dois bingos permanentes, um em Mogi Guaçu e outro em Araras. O bingo do Clube Atlético Guaçuano foi aprovado em 24 de agosto.
Será administrado pela empresa Amaral Moreira & Associados Promoções e Eventos. "Foi um pedido de um pessoal que me ajudou na campanha. Uma assessora minha foi ao Indesp e tocou tudo. Pediram uma série de documentos", relatou Marquezelli.
O deputado Pedro Canedo (PSDB-GO) foi ao Indesp pedir a agilização na autorização do bingo do D. Pedro, clube de futebol de Brasília. "A autorização vencia em julho. Foi o que pedi. Sou amigo do Tubino de longa data. Quando surge problema, ele toma providência na hora", disse.
Canedo disse que "alertou" Tubino sobre a necessidade de ampliar o número de entidades credenciadas para fazer os laudos técnicos das máquinas de bingo. Hoje, só três entidades (USP, Unicamp e PUC-RJ) fazem os laudos.
O deputado Arnaldo Faria de Sá (PPB-SP), ex-presidente da Lusa, contatou Buffara e pediu a renovação do bingo eventual do clube. "Foi um pedido para agilizar, o processo estava demorado."
O senador Ernandes Amorim (PFL-RO) afirmou que foi ao Indesp defender a regulamentação e a moralização no funcionamento dos bingos. "Sou defensor do jogo legalizado. Hoje existe uma máfia no setor do jogo. Tem bingos funcionando ilegalmente", disse.
Ele disse que recebeu denúncias de empresários do setor que atuam legalmente em São Paulo. "Quem está ilegal deve ser fechado. Quem estiver de acordo com a lei deve funcionar. Os bingos têm de ser controlados pelo governo."


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