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CRÍTICA
O giro em falso do país e o peão que chegou lá
DA REDAÇÃO
"Entreatos", de João Moreira Salles, e "Peões", de
Eduardo Coutinho, são dois
grandes documentários,
muito diferentes entre si,
mas complementares quando vistos em conjunto -o
que justifica e recomenda a
sua exibição intercalada,
prevista pelos diretores. O
contraste entre os filmes é
cruel para Lula e para o PT.
"Peões" é uma espécie de
crônica da derrota histórica
de uma geração -a geração
de Lula, ou, sendo mais exato, a geração JK, aquela que
deixou sua terra e chegou a
São Paulo atraída pelo sonho
de prosperidade armado em
torno da indústria automobilística. São os cacos da utopia juscelinista que aparecem nos depoimentos de 35 ex-companheiros de Lula no
ABC paulista.
Eduardo Coutinho vai
buscá-los pelo país. Começa
a encontrá-los pelo interior
do Ceará, para onde voltaram alguns. Em Várzea Alegre, Joaquim chama Lula de
"segundo pai". Diz que sem
a aposentadoria da fábrica
estaria recebendo R$ 200 e
não teria seu jumento. Está
há quatro anos no lugar onde nasceu, mas conta ao entrevistador que está "passando uns dias" no interior
do Ceará. Sua cabeça e sua
história estão no ABC.
Os relatos se sucedem,
muito ricos nos detalhes e
em vários momentos comoventes. O quadro geral é melancólico, mas eles relutam
em se ver como fracassados.
E têm sua razão: o fracasso
não é deles, mas do país. Pode-se dizer que ali nenhum
dos personagens, a não ser
Lula, deu certo na vida.
Todos têm nas greves de
1979 e 1980 as grandes referências de suas existências.
Falam como se tivessem tido
o privilégio de participar de
uma batalha épica.
João Chapéu virou taxista.
Diz que sua vida "é uma novela" e que as coisas mais lindas do mundo são "dançar e
o sindicalismo". Sua mulher,
que reluta em ser filmada,
reprova o marido idealista.
Há outros personagens
fascinantes em "Peões". Luiza, responsável pela lanchonete do sindicato, lembra
que Lula bebia demais, ressalvando que precisa dizer
isso "em voz baixa".
Miguel virou cobrador de
ônibus depois fracassar como microempresário.
"Montei um salão de forró.
Queria o meu negócio. Não
deu certo", conta ele, que tinha um conjunto musical
chamado Os 7 Nordestinos e
diz ter sido elogiado um dia
pelo próprio Luiz Gonzaga.
Eduardo Coutinho intercala os depoimentos com cenas de filmes realizados sobre as greves e imagens do
próprio Lula em ação, despontando como grande liderança política, apesar do relativo fiasco da greve de
1979, que o filme registra.
É um choque de contraste
assistir "Entreatos" depois
de "Peões". Choque realçado pelo fato de que Lula pode ter mudado muito, mas é
fundamentalmente a mesma pessoa de 25 anos atrás.
Tem orgulho de ser um deles, de ser mais um "peão".
Não se trata, portanto, de
uma traição pessoal, mas de
algo muito mais profundo e
complexo. Sintomaticamente, ambos os filmes calam sobre os 25 anos que ligam o
ABC à vitória do PT em
2002. A última imagem de
"Entreatos" mostra Lula cercado por jornalistas no dia
da vitória. Ele sai de cena para entrar na história. Ou seria o contrário? (FBS)
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