São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

As fichas de Lula na Previdência

O presidente eleito Lula se deu bem nas conversas com o FMI e George W. Bush, mas o balanço desta fase de transição não é um sucesso sem ressalvas. O PT deu todas as declarações possíveis de austeridade e conservadorismo em relação aos fundamentos econômicos. Mesmo assim, o dólar continua perto de R$ 3,80 e o risco-país acima de 1.600 pontos.
É decepcionante. Vários bancos previam que a simples reafirmação de princípios austeros depois da eleição poderia derrubar o câmbio para R$ 3,50 ou menos, aliviando a pressão inflacionária e sobre os juros. Ao contrário, a inflação ganhou fôlego dobrado e o aumento do juro é visto como inevitável -dois problemas que o PT não esperava enfrentar logo no início de seu governo.
Talvez o maior sucesso do PT nesta transição tenha sido transformar um político originário da esquerda radical, muito ligado à cúpula do partido e médico por profissão, Antonio Palocci, no preferido do mercado financeiro para a Fazenda. Talvez seu maior erro tenha sido insistir em descartar a permanência de Armínio Fraga na presidência do Banco Central, antes mesmo de ter um bom nome para substitui-lo. Criou ruído inútil e gerou insegurança desnecessária. A persistente relutância de Pedro Bodin em aceitar o cargo criou um desgaste político que a simples hipótese alternativa de manter Fraga alguns meses poderia ter evitado.
O argumento que o PT temia que um eventual sucesso de Fraga dificultaria sua substituição depois de alguns meses é pueril. Como um BC sozinho não faz milagres, seu presidente só poderia ter sucesso se sua política fosse inteiramente respaldada por uma política fiscal coerente da Fazenda. Ora, num cenário como esse, a credibilidade do governo Lula seria forte o bastante para tornar quase rotina uma substituição de Fraga.
Perdida a chance de conseguir mais na fase das intenções, a virada terá que vir nos primeiros seis meses de vida real do governo Lula. A inflação e os juros serão os primeiros testes, mas não o mais importante. O lance decisivo foi escolhido pelo próprio PT: será a reforma da Previdência. Foi Lula que levantou a idéia, ainda na campanha, e foi ele que transformou a Previdência na batalha central da credibilidade. É uma ousadia que pode render dividendos altos, mas embute riscos.
O tamanho da aposta ficou claro no almoço do diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, com oito banqueiros e três empresários, sábado, em São Paulo. Köhler foi entusiástico nos elogios a Lula. "Conheci mais de dez presidentes recém eleitos e muitos outros presidentes no poder, mas não sou capaz de citar outro nome tão capaz quanto Lula de resolver os problemas do país", disse, ao reclamar que os brasileiros presentes estavam mais pessimistas do que ele. De fato, banqueiros reclamaram da falta de um nome e de autonomia para o BC, pediram aumento dos juros e um superávit primário de até 4,5% a 5% do PIB.
Köhler lembrou que, mais importante do que o presidente do BC é o ministro da Fazenda e classificou Palocci de homem "pragmático e de grande bom senso". Disse que Lula pensa em dar autonomia operacional para o BC e foi ao ponto do superávit. Observou que o principal problema fiscal do país é a previdência, cujo déficit chega a 5% do PIB. Ouviu de Lula que resolver esse problema rapidamente será a prioridade número um de seu governo e disse achar que ele tem credenciais para cumprir a promessa. "De que adianta discutir mais 0,1% do PIB de superávit primário, frente ao impacto que a Previdência pode ter?", questionou.
Para atender tantas expectativas, provavelmente não bastará apenas aprovar o PLC-9, projeto que já tramita há tempos e que foi bloqueado pelo PT. O PLC-9 foi feito por inspiração do economista Raul Velloso, depois de várias tentativas fracassadas de cobrar contribuições dos servidores inativos (o Supremo derrubou), criar um redutor gradual para os ativos (morreu na tramitação), eliminar paridade entre ativos e inativos (exigiria mudança constitucional) e aumentar a contribuição dos servidores ativos (o Judiciário achou que era confisco).
O PLC-9 tenta unificar os sistemas previdenciários, sem mudar a Constituição. Cria um teto para o servidor, idêntico ao do INSS, e determina que quem quiser se aposentar com mais terá que contribuir para um fundo, onde haverá contrapartida do empregador (União, Estados ou municípios). Iguala os regimes, mas não coloca servidores no INSS. Tem, contudo, uma fragilidade: só vale para os novos contratados. Resolve o problema na margem, para o futuro, mas não reduz os 5% de déficit citados por Köhler.
Há espaço jurídico para mudar regras para servidores que ainda não se aposentaram, pois teriam "expectativa de direito" e não direito adquirido, mas será uma batalha política. Velloso acha que a mudança deveria ser focada nos 400 mil servidores que, na Constituição de 88, saíram do regime restrito do INSS para a aposentadoria integral, mas que só contribuíram para isso depois de 92. A noção de Justiça seria mais clara e fácil de ser explicada. Quanto ao INSS, diz, só falta regular a idade mínima de aposentadoria.
As fichas do "choque de credibilidade" serão postas na reforma da Previdência. A reforma tributária ajudaria a eficiência e as exportações, não o equilíbrio fiscal. Nesta área, há complicadores. José Roberto Afonso, do BNDES, envolvido com o tema há décadas, acha que o PT terá três dificuldades adicionais em relação ao atual governo. Os governadores serão de oposição e isto pode custar caro. Muitos deputados e senadores envolvidos na negociação não estão mais no Congresso. O acordo político por trás do relatório Mussa Demes foi possível porque o Estado de São Paulo aceitou perdas em troca do fim da guerra tributária. Além de mudanças na equipe, a guerra fiscal arrefeceu, o que pode mudar o ânimo negociador paulista.

O Palocci de Serra
Se José Serra tivesse ganho a eleição, já tinha escolhido seu ministro da Fazenda. Seria Amaury Bier, o segundo de Pedro Malan na Fazenda.

E-mail CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: São Paulo: Havanir não descarta "cheque" em sua conta
Próximo Texto: Justiça: PT retira assinaturas de recurso, e foro especial segue para o Senado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.