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CELSO PINTO
As fichas de Lula na Previdência
O presidente eleito Lula se
deu bem nas conversas com o
FMI e George W. Bush, mas o balanço desta fase de transição não
é um sucesso sem ressalvas. O PT
deu todas as declarações possíveis de austeridade e conservadorismo em relação aos fundamentos econômicos. Mesmo assim, o dólar continua perto de
R$ 3,80 e o risco-país acima de
1.600 pontos.
É decepcionante. Vários bancos previam que a simples reafirmação de princípios austeros depois da eleição poderia derrubar
o câmbio para R$ 3,50 ou menos,
aliviando a pressão inflacionária e sobre os juros. Ao contrário,
a inflação ganhou fôlego dobrado e o aumento do juro é visto
como inevitável -dois problemas que o PT não esperava enfrentar logo no início de seu governo.
Talvez o maior sucesso do PT
nesta transição tenha sido transformar um político originário da
esquerda radical, muito ligado à
cúpula do partido e médico por
profissão, Antonio Palocci, no
preferido do mercado financeiro
para a Fazenda. Talvez seu
maior erro tenha sido insistir em
descartar a permanência de Armínio Fraga na presidência do
Banco Central, antes mesmo de
ter um bom nome para substitui-lo. Criou ruído inútil e gerou
insegurança desnecessária. A
persistente relutância de Pedro
Bodin em aceitar o cargo criou
um desgaste político que a simples hipótese alternativa de
manter Fraga alguns meses poderia ter evitado.
O argumento que o PT temia
que um eventual sucesso de Fraga dificultaria sua substituição
depois de alguns meses é pueril.
Como um BC sozinho não faz
milagres, seu presidente só poderia ter sucesso se sua política fosse inteiramente respaldada por
uma política fiscal coerente da
Fazenda. Ora, num cenário como esse, a credibilidade do governo Lula seria forte o bastante
para tornar quase rotina uma
substituição de Fraga.
Perdida a chance de conseguir
mais na fase das intenções, a virada terá que vir nos primeiros
seis meses de vida real do governo Lula. A inflação e os juros serão os primeiros testes, mas não
o mais importante. O lance decisivo foi escolhido pelo próprio
PT: será a reforma da Previdência. Foi Lula que levantou a
idéia, ainda na campanha, e foi
ele que transformou a Previdência na batalha central da credibilidade. É uma ousadia que pode render dividendos altos, mas
embute riscos.
O tamanho da aposta ficou
claro no almoço do diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, com
oito banqueiros e três empresários, sábado, em São Paulo. Köhler foi entusiástico nos elogios a
Lula. "Conheci mais de dez presidentes recém eleitos e muitos
outros presidentes no poder, mas
não sou capaz de citar outro nome tão capaz quanto Lula de resolver os problemas do país", disse, ao reclamar que os brasileiros
presentes estavam mais pessimistas do que ele. De fato, banqueiros reclamaram da falta de
um nome e de autonomia para o
BC, pediram aumento dos juros
e um superávit primário de até
4,5% a 5% do PIB.
Köhler lembrou que, mais importante do que o presidente do
BC é o ministro da Fazenda e
classificou Palocci de homem
"pragmático e de grande bom
senso". Disse que Lula pensa em
dar autonomia operacional para o BC e foi ao ponto do superávit. Observou que o principal
problema fiscal do país é a previdência, cujo déficit chega a 5%
do PIB. Ouviu de Lula que resolver esse problema rapidamente
será a prioridade número um de
seu governo e disse achar que ele
tem credenciais para cumprir a
promessa. "De que adianta discutir mais 0,1% do PIB de superávit primário, frente ao impacto que a Previdência pode ter?",
questionou.
Para atender tantas expectativas, provavelmente não bastará
apenas aprovar o PLC-9, projeto
que já tramita há tempos e que
foi bloqueado pelo PT. O PLC-9
foi feito por inspiração do economista Raul Velloso, depois de várias tentativas fracassadas de cobrar contribuições dos servidores
inativos (o Supremo derrubou),
criar um redutor gradual para os
ativos (morreu na tramitação),
eliminar paridade entre ativos e
inativos (exigiria mudança
constitucional) e aumentar a
contribuição dos servidores ativos (o Judiciário achou que era
confisco).
O PLC-9 tenta unificar os sistemas previdenciários, sem mudar
a Constituição. Cria um teto para o servidor, idêntico ao do
INSS, e determina que quem
quiser se aposentar com mais terá que contribuir para um fundo, onde haverá contrapartida
do empregador (União, Estados
ou municípios). Iguala os regimes, mas não coloca servidores
no INSS. Tem, contudo, uma fragilidade: só vale para os novos
contratados. Resolve o problema
na margem, para o futuro, mas
não reduz os 5% de déficit citados por Köhler.
Há espaço jurídico para mudar regras para servidores que
ainda não se aposentaram, pois
teriam "expectativa de direito" e
não direito adquirido, mas será
uma batalha política. Velloso
acha que a mudança deveria ser
focada nos 400 mil servidores
que, na Constituição de 88, saíram do regime restrito do INSS
para a aposentadoria integral,
mas que só contribuíram para
isso depois de 92. A noção de Justiça seria mais clara e fácil de ser
explicada. Quanto ao INSS, diz,
só falta regular a idade mínima
de aposentadoria.
As fichas do "choque de credibilidade" serão postas na reforma da Previdência. A reforma
tributária ajudaria a eficiência e
as exportações, não o equilíbrio
fiscal. Nesta área, há complicadores. José Roberto Afonso, do
BNDES, envolvido com o tema
há décadas, acha que o PT terá
três dificuldades adicionais em
relação ao atual governo. Os governadores serão de oposição e
isto pode custar caro. Muitos deputados e senadores envolvidos
na negociação não estão mais no
Congresso. O acordo político por
trás do relatório Mussa Demes
foi possível porque o Estado de
São Paulo aceitou perdas em troca do fim da guerra tributária.
Além de mudanças na equipe, a
guerra fiscal arrefeceu, o que pode mudar o ânimo negociador
paulista.
O Palocci de Serra
Se José Serra tivesse ganho a
eleição, já tinha escolhido seu
ministro da Fazenda. Seria
Amaury Bier, o segundo de Pedro Malan na Fazenda.
E-mail CelPinto@uol.com.br
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