São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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JANIO DE FREITAS

Sinal do futuro

Os dados mais interessantes para se pensar sobre a vida no Brasil de daqui a cinco ou dez anos, sobretudo nas cidades de médias para cima, são os liberados na quinta-feira pela Unicef, integrante da ONU, em seu relatório sobre a infância no mundo afora.
Brasil atual: 45%, ou quase a metade de todas as crianças e os adolescentes até 17 anos, vivem entre a linha de pobreza e a miséria. Para fazer uma idéia da quantidade dessas crianças e adolescentes da desgraça, imagine que a população inteira do município de São Paulo seja de crianças e adolescentes, junte mais uma cidade com igual população e ainda uma menor, esta uma cidade habitada por cerca de 700 mil crianças e adolescentes. Ou, se preferir, imagine a população de todo o Estado de São Paulo exceto apenas a da capital, e aí está um número de pessoas pouco maior que o de crianças e adolescentes oprimidos pela injustiça brasileira.
Essas quantidades gritantes resultam de uma quantidade ainda maior: a da infinita indiferença dos não-pobres brasileiros pela desgraça social e econômica que atinge a outra metade da população. A indiferença está tão entranhada no modo de vida brasileiro que nem nos apercebemos mais da sua natureza desumana. Protesta-se contra os incômodos projetados pela desordem social sobre as classes média e rica. "Basta", clamam sacadas de coberturas e janelas do luxo no Rio. Mas é um basta ao medo incômodo de ser assaltado, de perder o carro, de um tiro alucinado. Não é basta às raízes socioeconômicas do mal-estar coletivo e da insegurança pessoal que se disseminam por mais e mais cidades. Não é basta de nada fazer além de protestos sem compromisso. Não é basta de ser desumanamente co-responsável.
Hoje são 27,4 milhões de crianças e adolescentes vivendo entre a linha da pobreza e a indigência total, a da comida catada nas calçadas e dos molambos que mal disfarçam a nudez. Quantos serão amanhã? Médicos advertem para a ampliação crescente da gravidez precoce, já se vulgarizando, em determinados segmentos, na faixa dos 15 anos. Como antídoto a eventuais preocupações desse gênero, variadas estatísticas afirmam que o cenário da injustiça social tem melhorado. Mas estatísticas têm apreço especial pelo duplo sentido. A deterioração da vida nas cidades brasileiras não precisa de estatísticas para sua demonstração: está em todos nós, pobres, remediados e ricos.
Lula vem de infância e adolescência abaixo da linha de pobreza. Ao sair da sua adolescência sem sair da pobreza, Lula por certo cantava: "90 milhões em ação, pra frente Brasil...". Antes que Lula chegue à velhice, são 180 milhões, o dobro da população, em apenas 34 anos. E quase metade das crianças e dos adolescentes desse incessante gigantismo populacional sobrevivem entre a pobreza e a indigência. Mas não são prioridade para o governo Lula. O FMI, os cortes de gastos para fazer maior saldo destinado a pagar juros, os juros com a altitude bastante para conter o consumo e mais concentrar a renda -aí está a prioridade, sob o rótulo de política econômica que, avisa Lula, "ninguém muda".
É a maneira de Lula de também dizer, com o mesmo sentido e pelas mesmas razões dos outros que o fazem: "Basta".


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