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JANIO DE FREITAS
Sinal do futuro
Os dados mais interessantes
para se pensar sobre a vida
no Brasil de daqui a cinco ou
dez anos, sobretudo nas cidades de médias para cima, são
os liberados na quinta-feira pela Unicef, integrante da ONU,
em seu relatório sobre a infância no mundo afora.
Brasil atual: 45%, ou quase a
metade de todas as crianças e
os adolescentes até 17 anos, vivem entre a linha de pobreza e
a miséria. Para fazer uma
idéia da quantidade dessas
crianças e adolescentes da desgraça, imagine que a população inteira do município de
São Paulo seja de crianças e
adolescentes, junte mais uma
cidade com igual população e
ainda uma menor, esta uma
cidade habitada por cerca de
700 mil crianças e adolescentes.
Ou, se preferir, imagine a população de todo o Estado de
São Paulo exceto apenas a da
capital, e aí está um número de
pessoas pouco maior que o de
crianças e adolescentes oprimidos pela injustiça brasileira.
Essas quantidades gritantes
resultam de uma quantidade
ainda maior: a da infinita indiferença dos não-pobres brasileiros pela desgraça social e
econômica que atinge a outra
metade da população. A indiferença está tão entranhada no
modo de vida brasileiro que
nem nos apercebemos mais da
sua natureza desumana. Protesta-se contra os incômodos
projetados pela desordem social sobre as classes média e rica. "Basta", clamam sacadas
de coberturas e janelas do luxo
no Rio. Mas é um basta ao medo incômodo de ser assaltado,
de perder o carro, de um tiro
alucinado. Não é basta às raízes socioeconômicas do mal-estar coletivo e da insegurança
pessoal que se disseminam por
mais e mais cidades. Não é basta de nada fazer além de protestos sem compromisso. Não é
basta de ser desumanamente
co-responsável.
Hoje são 27,4 milhões de
crianças e adolescentes vivendo entre a linha da pobreza e a
indigência total, a da comida
catada nas calçadas e dos molambos que mal disfarçam a
nudez. Quantos serão amanhã? Médicos advertem para a
ampliação crescente da gravidez precoce, já se vulgarizando,
em determinados segmentos,
na faixa dos 15 anos. Como antídoto a eventuais preocupações desse gênero, variadas estatísticas afirmam que o cenário da injustiça social tem melhorado. Mas estatísticas têm
apreço especial pelo duplo sentido. A deterioração da vida
nas cidades brasileiras não
precisa de estatísticas para sua
demonstração: está em todos
nós, pobres, remediados e ricos.
Lula vem de infância e adolescência abaixo da linha de
pobreza. Ao sair da sua adolescência sem sair da pobreza, Lula por certo cantava: "90 milhões em ação, pra frente Brasil...". Antes que Lula chegue à
velhice, são 180 milhões, o dobro da população, em apenas
34 anos. E quase metade das
crianças e dos adolescentes desse incessante gigantismo populacional sobrevivem entre a pobreza e a indigência. Mas não
são prioridade para o governo
Lula. O FMI, os cortes de gastos
para fazer maior saldo destinado a pagar juros, os juros
com a altitude bastante para
conter o consumo e mais concentrar a renda -aí está a
prioridade, sob o rótulo de política econômica que, avisa Lula, "ninguém muda".
É a maneira de Lula de também dizer, com o mesmo sentido e pelas mesmas razões dos
outros que o fazem: "Basta".
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