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NO PLANALTO
Usina de açúcar paga R$ 800 mil por atestados de filantropia
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Promotoria de Justiça
paulista recebeu na quinta-feira gravação cujo conteúdo
é intrigante. Escutando-a descobre-se o seguinte: sob fachada de
fundação social, uma usina de
açúcar cinquentenária de São
Paulo pagou R$ 800 mil a um
advogado de Brasília para obter
dois certificados: o de utilidade
pública, do Ministério da Justiça,
e o de filantropia, emitido pelo
CNAS (Conselho Nacional de
Assistência Social), da pasta da
Previdência.
Os papéis mantiveram a usina
no adocicado mundo da isenção
de tributos, que frequenta desde
a década de 60. Hoje, estima-se
que quantias superiores a R$ 2,5
milhões deixem de cruzar anualmente os guichês de Everardo
Maciel e da própria Previdência.
Pela lei, é filantrópica a entidade que aplica 20% de sua receita
em caridade. Um troféu que a
contabilidade da usina não conseguia exibir. Contratado, o advogado brasiliense ajeitou números, manuseou rubricas. Súbito, balanços já publicados ressurgiram com dispêndios "sociais" turbinados. Embora exibisse a transparência de uma poça barrenta, a escrituração foi
engolida por Brasília.
Chama-se Fundação de Assistência Social Sinhá Junqueira a
beneficiária da manobra. Está
sediada no número 2.883 da rua
Augusta. Controla usina e fazendas no interior de São Paulo. Sua
receita anual roça os R$ 70 milhões. Dava emprego a 1.200 pessoas. No ano passado, pôs na rua
249.
A usina se meteu numa briga
com o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias do Açúcar de Igarapava,
Mário Sérgio Ferreira. É graças à
contenda que o caso, trançado à
sombra, começa a tomar banho
de luz.
Mário Sérgio obteve cópia de
uma pauta de reunião realizada
pela diretoria da fundação. Está
datada de 7 de julho de 2000. E
anota os entendimentos mantidos com o escritório de advocacia Thompson Flores, Rader e
Nazário.
O certificado da Justiça foi orçado em R$ 250 mil. O da Previdência, em R$ 550 mil. O texto
da pauta obtida pelo sindicalista
estabelece relação direta entre a
grana e o objeto de desejo da usina: "O certificado relativo ao
triênio 94/97 já foi obtido. E o do
triênio 97/2000 aguarda publicação, que foi adiada face à falta
de recursos para o pagamento do
saldo devedor do nosso contrato
com o doutor [Thompson" Flores
[..."". O certificado filantrópico
saiu. Melhor: há dois meses, o
CNAS renovou-o até 2003.
Como a pauta não estivesse assinada, o sindicalista Mário Sérgio foi à cata de prova mais robusta. Munido de minigravador,
esteve no final do ano com o advogado Josué Henrique Castro,
funcionário da fundação que
conduziu o acerto com a banca
de Brasília.
Sem saber do minigravador,
oculto sob a roupa do interlocutor, Josué se deixou levar pelo
diálogo. Em dado instante, exibindo a pauta, Mário Sérgio convidou-o a ler um trecho. Depois,
pespegou: "O que é que você entendeu? R$ 800 mil".
E Josué: "Uai, que o certificado
saiu".
Mário Sérgio: "Não foi isso que
eu perguntei para você".
Josué: "Por conta da atuação
desse Thompson Flores aqui".
Mário Sérgio: "Foi R$ 800 mil".
Josué: "Foi R$ 800 mil".
Mário Sérgio: "Você acha que,
se a usina estivesse normal, tranquilo, certinho, precisaria gastar
esses R$ 800 mil para esse lobista
conseguir isso aí [..."?".
Josué: "Só que teve um trabalho aqui. E é feito um contrato.
Tem uns técnicos lá em Brasília
que acertaram a contabilidade
para poder obter o certificado".
Mário Sérgio: "Fizeram uma
maquiagem".
Josué: "É... uma coisa assim".
[..."
Mário Sérgio: "[..." Eu não sei
usar o termo técnico. Vai me desculpar. O linguajar meu é linguajar de sindicalista. Mas é verdade que esses R$ 800 mil foram
passados para técnico vir aqui
fazer uma meleca toda..."
Josué: "Foi, foi".
No papel, a fundação tirou de
letra os tais 20% de caridade. Fora deles... Ouça-se o que disse Josué no diálogo com Mário Sérgio, aqui reproduzido sem correções: "Agora, pra eu te dizer que
ela aplica ou não aplica, realmente eu não consigo dizer".
No curso do colóquio, como
que desconfiado, Josué tentou
amenizar as inconfidências. Disse que a mexida nos livros da
fundação resultou em mera readequação de rubricas. "Não estava irregular."
Josué deixou a Fundação Sinhá Junqueira em agosto, rompendo relação trabalhista de 12
anos. Mora agora em Uberaba
(MG). Ouvido, reconheceu o envolvimento nas tratativas. Segundo ele, fez-se mera "adequação das contas da fundação, um
trabalho técnico". Não houve
"criação de números nem politicagem".
Por que Thompson Flores? "Já
tinha feito trabalhos dessa natureza. Teve resultados em outras
entidades. Não sei se tem contatos no conselho [CNAS". Sei dizer
que o trabalho é eminentemente
técnico."
Alojado num escritório situado em fino shopping center de
Brasília, o advogado Francisco
Thompson Flores nada declarou.
Segundo ele, só o pai, Paulo
Thompson Flores, em viagem de
férias, poderia comentar. Prometeu contactá-lo. Anotou o telefone do signatário. Mas não ligou de volta. Procurado nove vezes, não atendeu.
A fita com o registro da voz de
Josué integra uma representação
feita por Mário Sérgio na Promotoria de Justiça de Fundações
do Ministério Público do Estado
de São Paulo. Em resposta, advogados da Sinhá Junqueira redigiram ofício em que insinuam
que o acusador estaria a serviço
da concorrência. "[..." Homens
de negócio instrumentalizam
sindicalistas de negócio [..."."
Procurada 11 vezes entre terça
e sexta-feira, a presidente da
Fundação Sinhá Junqueira, Maria Luíza Scarano Rocco, optou
pelo silêncio. Informado, o ministro Roberto Brant (Previdência) determinou a revisão dos
processos que resultaram na
emissão do certificado sob suspeita.
Depois de desqualificar fiscais
sob seu comando e de propor ao
Planalto trégua a universidades
e hospitais filantrópicos com números fora de esquadro, Brant se
mexe. Alvíssaras.
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