São Paulo, quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Plano inchado tem origem na ONU

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Se há um campo onde as fronteiras entre a administração de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se esmaecem, é o dos direitos humanos. As pessoas que militam nessa área, se não chegam a colocar as convicções humanitárias à frente das divisões partidárias, cultivam o salutar hábito de não transigir sobre o que consideram ser princípios.
Não surpreendem, assim, as fortes semelhanças entre os planos de direitos humanos de ambas as gestões.
Outro fator que ajuda a explicar as congruências diz respeito à gênese desses textos. Eles existem por recomendação da ONU. Como explica Guilherme Assis de Almeida, professor de filosofia do Direito da USP, os programas nacionais de direitos humanos (PNDHs) nascem da Declaração de Viena -o documento aprovado pelas 171 nações participantes da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de 1993. O Brasil foi o terceiro país do mundo a criar um desses planos, em 1996.
A grande novidade de Viena é que ali se estabeleceu a interdependência entre democracia, desenvolvimento econômico e direitos humanos. Superando a noção preponderante na Guerra Fria, determinou-se também a indivisibilidade desses direitos -um país não pode escolher ficar só com os "direitos econômicos", por exemplo.
O texto da declaração faz ainda referência específica aos direitos de mulheres, crianças e populações indígenas, menciona a pobreza, o racismo, as perseguições a minorias e destaca a gravidade da tortura.
Tudo isso contribuiu para formar a pauta inchada dos PNDHs que, à medida em que eram tratados como projetos de baixa prioridade dos governos, ganhavam ainda mais capítulos e acréscimos retóricos. Quando se deram conta de que os planos tinham mais o objetivo de dar um lustro humanitário à administração e satisfazer a militância do que de converter-se em políticas de Estado, seus formuladores sentiram-se livres para avançar com propostas cada vez mais ousadas.
Se a meta era provocar o debate, acertaram na mosca ao sugerir a criação da comissão da verdade no exato momento em que Lula e os militares se preparavam para uma queda de braço em torno da escolha dos caças da Aeronáutica.
A celeuma em torno dessa questão colocou todo o PNDH sob uma lupa à qual ele até então não havia sido submetido.
É bom para a democracia e para os direitos humanos que esses temas sejam discutidos e que as boas propostas do PNDH sejam separadas dos exageros e delírios. Não deixa de ser inquietante, porém, a constatação de que direitos tão básicos como o de conhecer o passado e esclarecer crimes cometidos sob a égide do Estado ainda provoquem polêmica.


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