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ANÁLISE
Plano inchado tem origem na ONU
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Se há um campo onde as
fronteiras entre a administração de Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva se esmaecem, é o dos direitos humanos. As pessoas que
militam nessa área, se não chegam a colocar as convicções humanitárias à frente das divisões
partidárias, cultivam o salutar
hábito de não transigir sobre o
que consideram ser princípios.
Não surpreendem, assim, as
fortes semelhanças entre os
planos de direitos humanos de
ambas as gestões.
Outro fator que ajuda a explicar as congruências diz respeito à gênese desses textos. Eles
existem por recomendação da
ONU. Como explica Guilherme
Assis de Almeida, professor de
filosofia do Direito da USP, os
programas nacionais de direitos humanos (PNDHs) nascem
da Declaração de Viena -o documento aprovado pelas 171
nações participantes da Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos de 1993. O Brasil foi o
terceiro país do mundo a criar
um desses planos, em 1996.
A grande novidade de Viena é
que ali se estabeleceu a interdependência entre democracia,
desenvolvimento econômico e
direitos humanos. Superando a
noção preponderante na Guerra Fria, determinou-se também a indivisibilidade desses
direitos -um país não pode escolher ficar só com os "direitos
econômicos", por exemplo.
O texto da declaração faz ainda referência específica aos direitos de mulheres, crianças e
populações indígenas, menciona a pobreza, o racismo, as perseguições a minorias e destaca
a gravidade da tortura.
Tudo isso contribuiu para
formar a pauta inchada dos
PNDHs que, à medida em que
eram tratados como projetos
de baixa prioridade dos governos, ganhavam ainda mais capítulos e acréscimos retóricos.
Quando se deram conta de que
os planos tinham mais o objetivo de dar um lustro humanitário à administração e satisfazer
a militância do que de converter-se em políticas de Estado,
seus formuladores sentiram-se
livres para avançar com propostas cada vez mais ousadas.
Se a meta era provocar o debate, acertaram na mosca ao
sugerir a criação da comissão
da verdade no exato momento
em que Lula e os militares se
preparavam para uma queda de
braço em torno da escolha dos
caças da Aeronáutica.
A celeuma em torno dessa
questão colocou todo o PNDH
sob uma lupa à qual ele até então não havia sido submetido.
É bom para a democracia e
para os direitos humanos que
esses temas sejam discutidos e
que as boas propostas do
PNDH sejam separadas dos
exageros e delírios. Não deixa
de ser inquietante, porém, a
constatação de que direitos tão
básicos como o de conhecer o
passado e esclarecer crimes cometidos sob a égide do Estado
ainda provoquem polêmica.
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