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ELIO GASPARI
Mensagem de jk@peixevivo.gov para FFHH
O Sérgio Motta acabou de
me contar que você reclamou do FMI tratar as nossas
autoridades "como se alguns de
nós fôssemos analfabetos". Alguns não, caro amigo: nós todos.
Aqui onde estamos, o cavaleiro de Villegagnon só me distingue porque o Di Cavalcanti disse a ele que eu pretendo comê-lo
grelhado, à moda dos nossos patrícios aí das cercanias do Palácio do Catete, que almoçaram
alguns franceses de seu grupo. O
Sérgio Motta deu para elogiar
as pernas do bispo Sardinha e
ele sumiu por uns tempos. Ficou
com medo de que as coma de
novo.
Fernando, acredite, a única
coisa que nos faz respeitáveis
por aqui é o fato de já termos comido algumas centenas deles.
Quando eu briguei com o
FMI, você tinha 28 anos e aplaudiu. Depois, mudou de turma.
Essa boa alma que é o Vilmar
Faria me contou que um menino da tua assessoria econômica
ficou encantado com a geladeirinha onde o Alexandre Kafka
(aquele sujeito que eu nomeei
para uma diretoria do Fundo)
guardava seus vinhos. Uma geladeirinha que você compra em
qualquer supermercado de Belo
Horizonte e uns vinhos de segunda, porque nem o Kafka podia gastar, nem gosta de fazê-lo.
Adorável Fernando, ou somos
antropófagos, ou gostamos de
miçangas. Quando eles descobrem que a gente gosta de gravata Ferragamo ou de sapatos
Church (duros como as botas da
PM mineira), ferramo-nos.
Ferraste o Brasil durante sete
anos. Como me disse o Camões,
que nunca deixou de acompanhar as coisas d'além mar, serviste a Labão, de olho em Rachel, serrana bela. Ele te deu Lia,
déficit comercial, dívida, desemprego e um crescimento de menos de 1% na renda dos brasileiros. Isso eu fazia em três meses.
Outro dia encontrei o general
Médici (creia, ele voltou a fumar). Continua reclamando
porque construí Brasília, mas eu
lhe respondo que minhas comissões contratuais eram inferiores
à da ponte Rio-Niterói.
Como aqui não se briga, nos
colocamos de acordo numa coisa. Eu fiz tudo errado, mas você
pega um avião e desce em Brasília. Aliás, você adora morar lá
(porque não paga aluguel, eu
sei). Da mesma forma, diz o Médici, você embica o carro na
ponta do Caju e sai em Niterói.
O Sérgio Motta me fez a lista do
pessoal do papelório que comprou apartamento em Nova
York e do roubalhório, que comprou em Miami. (Por falar em
Sérgio Motta, que grande ministro ele teria sido no meu governo.)
Brigue com o Fundo, Fernando. Conte para todo mundo que
no dia 16 de janeiro de 1999,
quando o Brasil estava indo à
breca, o Michel Camdessus propôs ao Malan um sistema de dolarização semelhante ao da Argentina. Conte mais: que o Stanley Fischer te propôs a mesma
coisa no Planalto, no dia 3 de fevereiro. Saia por aí gritando que
você não deixou eles desgraçarem a nossa terra. Depois de ter
ajudado a derrubar o Chico Lopes, filho do meu querido Lucas,
o Fischer achava que podia fazer o que quisesse. Aliás, não
saia do Planalto sem homenagear o Chico. Esse rapaz teve a
coragem de dizer ao Fischer que
podia falar com ele diariamente
ao telefone, mas que aquela moça italiana que cuida do Brasil
teria que falar com seus assessores. Como disse o Sarney, é o que
se chama de liturgia do cargo.
Coitado do Sarney. Eu sei como
vai acabar esse instante de dor
que a vida lhe trapaceou, mas
não posso contar. É proibido.
Voltando aos guarda-livros
do FMI. Conte aos brasileiros
porque nos tratam como analfabetos. Pelas contas deles, se
um governo privatiza um sistema de saneamento urbano, consegue R$ 100 milhões e os aplica
na construção de uma rede de
esgotos num bairro pobre, isso
conta como despesa e aumenta
a dívida, enquanto os R$ 100
milhões não contam como receita. Isso nas contas que eles fazem para nós. Nas que fazem
para eles, com o nosso dinheiro,
sustentam a indústria da Califórnia arrumando brigas nas
montanhas do fim do mundo.
Quando a siderurgia deles vai
mal, taxam o nosso aço. Eles
não nos acham analfabetos. Estão convencidos de que somos
bobos.
Vou me despedindo porque o
meu querido Geraldo (aquele
motorista que morreu comigo e
por quem tenho uma amizade
que você mostrou-se raso para
entender) arrumou uma serenata na casa da Chiquinha
Gonzaga.
Não me queira mal. É possível
que eu venha a recomendar aos
meus amigos que votem no teu
candidato, desde que ele diga o
que vai fazer para tirar 9 milhões de trabalhadores do limbo, levando os patrões a assinarem suas carteiras. O Getúlio,
que tem horror a você, disse que
sem isso ele nem conversa. Ele
anda com uma cópia daquela
Carta e diz que você levou para
o governo "a campanha subterrânea dos grupos internacionais" aliada "à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho".
Sucesso e recomende-me à dona Ruth, a Beatriz, Luciana,
Paulo Henrique e aos netos.
(Mantenha reserva, porque já
tive dissabores suficientes em vida, mas dona Ruth é a maior
primeira-dama que o Brasil já
teve.)
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