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São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003

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CELSO PINTO

Heranças boas e ruins para o PIB

O Banco Central insiste que o PIB deste ano vai crescer 2,8%. As projeções do mercado, medidas pelo BC, apostam que a economia não crescerá mais do que 2%. Algumas consultorias e bancos trabalham com um cenário que repetiria o do ano passado, com crescimento de 1,5%.
É difícil saber, a esta altura, quem tem razão. Mas vale a pena lembrar uma questão estatística que fará alguma diferença no resultado final. No ano passado, a economia brasileira começou o ano correndo atrás de um prejuízo estatístico no PIB; neste ano, dá a largada com um lucro.
O PIB do ano é o resultado da comparação entre a média do crescimento de um ano e a média do crescimento do ano anterior. Se a economia crescer de forma regular, cada trimestre avançando em ritmo semelhante ao do anterior, a média ficará abaixo do final do ano. Isso quer dizer que, se a economia no ano seguinte não crescer nada em relação ao último trimestre do ano anterior, mesmo assim registrará algum crescimento estatístico, resultado da comparação da média em relação à média do ano anterior.
Em outros termos, haverá uma herança estatística ("carry-over") positiva. Se, ao contrário, a economia for caindo ao longo do ano, a média ficará acima do número final. Portanto, parte do crescimento do ano seguinte servirá apenas para alcançar o ponto médio do ano anterior. O "carry-over" será negativo.
O ano passado foi um exemplo de herança estatística negativa. O ano de 2001 começou com forte crescimento no primeiro trimestre, seguido de decréscimos nos três trimestres seguintes, com as crises do apagão, da Argentina e do atentado em Nova York. Houve um "carry-over" negativo de 0,62%, no cálculo do Banco Boreal.
O impacto foi significativo. Ao longo de 2002, o PIB cresceu, trimestre contra trimestre anterior: 0,8%, 0,8%, 0,9% e 0,7%. A soma deste crescimento, na margem, chega a 3,2%, um resultado expressivo para um ano com fortíssima desvalorização cambial, escassez de dólares e incertezas eleitorais. No entanto, o número oficial de crescimento do PIB foi de 1,5%, resultado da comparação da média do crescimento de 2002 com a média do crescimento de 2001.
Neste ano, a situação é exatamente a inversa. Como no ano passado o crescimento foi regular, a herança estatística é positiva em 1,2%, calcula Eduardo Marques, do Boreal. Isso quer dizer o seguinte: se a economia, em 2003, ficar absolutamente estagnada em relação ao nível do último trimestre do ano passado, o resultado do PIB não será zero, e sim uma expansão de 1,2%, quase tão forte quanto a do ano passado. Ou, colocando de outra forma, para que o PIB crescesse zero neste ano, ele teria que cair, na margem, 1,9%, no cálculo de Marques.
É claro que o "carry-over" ajudará a evitar resultados estatísticos muito ruins para o PIB neste ano, mas não garantirá, por si só, um bom crescimento real. Nesse sentido, é interessante olhar o que explicou a expansão em 2002, apesar da dramaticidade do ajuste feito pelo país.
Uma maneira interessante de analisar, como sugere Andrei Spacov, do Unibanco, é ver o que ocorreu com o PIB pelo lado da demanda. Os investimentos caíram 4,1%, o consumo caiu 0,7% e os gastos do governo cresceram apenas 1%. Quem sustentou, de fato, a demanda foi o resultado líquido do comércio exterior: as exportações cresceram 7,8% e as importações caíram 12,8%. Enquanto consumo, investimento e gastos do governo, em conjunto, puxaram o PIB para baixo em 1,3%, o resultado líquido do comércio exterior puxou para cima em 2,8%, garantindo a expansão de 1,5% do PIB no ano.
Uma lição importante, lembra Spacov, é que isso só foi possível graças ao câmbio flutuante, que permitiu que um ajuste brutal das contas externas, como o ocorrido no ano passado, fosse feito junto com algum crescimento gerado pelas exportações. Se o câmbio ainda fosse controlado, como no primeiro mandato de FHC, a crise externa teria que ser absorvida por uma fortíssima retração na demanda, que reduzisse o déficit em conta corrente.
O problema, em relação a este ano, é que a contribuição do comércio exterior não deve ser tão forte. Menos pelo lado da expansão das exportações, que vai muito bem, do que pelo espaço que ainda existe para redução nas importações. Pelo lado do consumo, as perspectivas são muito ruins, dado o alto desemprego e a queda dos rendimentos reais, especialmente pelo impacto inflacionário. Os investimentos podem melhorar um pouco, mas os gastos do governo estão contidos pelo esforço fiscal. Em suma, afora a ajuda da herança estatística, ainda sobram dúvidas sobre de onde virá o crescimento real em 2003.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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