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CELSO PINTO
Heranças boas e ruins para o PIB
O Banco Central insiste que
o PIB deste ano vai crescer
2,8%. As projeções do mercado,
medidas pelo BC, apostam que a
economia não crescerá mais do
que 2%. Algumas consultorias e
bancos trabalham com um cenário que repetiria o do ano passado, com crescimento de 1,5%.
É difícil saber, a esta altura,
quem tem razão. Mas vale a pena
lembrar uma questão estatística
que fará alguma diferença no resultado final. No ano passado, a
economia brasileira começou o
ano correndo atrás de um prejuízo estatístico no PIB; neste ano,
dá a largada com um lucro.
O PIB do ano é o resultado da
comparação entre a média do
crescimento de um ano e a média
do crescimento do ano anterior.
Se a economia crescer de forma
regular, cada trimestre avançando em ritmo semelhante ao do
anterior, a média ficará abaixo
do final do ano. Isso quer dizer
que, se a economia no ano seguinte não crescer nada em relação ao último trimestre do ano
anterior, mesmo assim registrará
algum crescimento estatístico, resultado da comparação da média
em relação à média do ano anterior.
Em outros termos, haverá uma
herança estatística ("carry-over")
positiva. Se, ao contrário, a economia for caindo ao longo do
ano, a média ficará acima do número final. Portanto, parte do
crescimento do ano seguinte servirá apenas para alcançar o ponto médio do ano anterior. O
"carry-over" será negativo.
O ano passado foi um exemplo
de herança estatística negativa. O
ano de 2001 começou com forte
crescimento no primeiro trimestre, seguido de decréscimos nos
três trimestres seguintes, com as
crises do apagão, da Argentina e
do atentado em Nova York. Houve um "carry-over" negativo de
0,62%, no cálculo do Banco Boreal.
O impacto foi significativo. Ao
longo de 2002, o PIB cresceu, trimestre contra trimestre anterior:
0,8%, 0,8%, 0,9% e 0,7%. A soma
deste crescimento, na margem,
chega a 3,2%, um resultado expressivo para um ano com fortíssima desvalorização cambial, escassez de dólares e incertezas eleitorais. No entanto, o número oficial de crescimento do PIB foi de
1,5%, resultado da comparação
da média do crescimento de 2002
com a média do crescimento de
2001.
Neste ano, a situação é exatamente a inversa. Como no ano
passado o crescimento foi regular,
a herança estatística é positiva
em 1,2%, calcula Eduardo Marques, do Boreal. Isso quer dizer o
seguinte: se a economia, em 2003,
ficar absolutamente estagnada
em relação ao nível do último trimestre do ano passado, o resultado do PIB não será zero, e sim
uma expansão de 1,2%, quase tão
forte quanto a do ano passado.
Ou, colocando de outra forma,
para que o PIB crescesse zero neste ano, ele teria que cair, na margem, 1,9%, no cálculo de Marques.
É claro que o "carry-over" ajudará a evitar resultados estatísticos muito ruins para o PIB neste
ano, mas não garantirá, por si só,
um bom crescimento real. Nesse
sentido, é interessante olhar o que
explicou a expansão em 2002,
apesar da dramaticidade do ajuste feito pelo país.
Uma maneira interessante de
analisar, como sugere Andrei
Spacov, do Unibanco, é ver o que
ocorreu com o PIB pelo lado da
demanda. Os investimentos caíram 4,1%, o consumo caiu 0,7% e
os gastos do governo cresceram
apenas 1%. Quem sustentou, de
fato, a demanda foi o resultado líquido do comércio exterior: as exportações cresceram 7,8% e as importações caíram 12,8%. Enquanto consumo, investimento e gastos
do governo, em conjunto, puxaram o PIB para baixo em 1,3%, o
resultado líquido do comércio exterior puxou para cima em 2,8%,
garantindo a expansão de 1,5%
do PIB no ano.
Uma lição importante, lembra
Spacov, é que isso só foi possível
graças ao câmbio flutuante, que
permitiu que um ajuste brutal
das contas externas, como o ocorrido no ano passado, fosse feito
junto com algum crescimento gerado pelas exportações. Se o câmbio ainda fosse controlado, como
no primeiro mandato de FHC, a
crise externa teria que ser absorvida por uma fortíssima retração
na demanda, que reduzisse o déficit em conta corrente.
O problema, em relação a este
ano, é que a contribuição do comércio exterior não deve ser tão
forte. Menos pelo lado da expansão das exportações, que vai muito bem, do que pelo espaço que
ainda existe para redução nas
importações. Pelo lado do consumo, as perspectivas são muito
ruins, dado o alto desemprego e a
queda dos rendimentos reais, especialmente pelo impacto inflacionário. Os investimentos podem
melhorar um pouco, mas os gastos do governo estão contidos pelo
esforço fiscal. Em suma, afora a
ajuda da herança estatística, ainda sobram dúvidas sobre de onde
virá o crescimento real em 2003.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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