São Paulo, segunda, 13 de abril de 1998

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QUESTÃO AGRÁRIA
Igreja contabiliza 225 mortos nos últimos 12 anos; no país todo, são 976 assassinatos, segundo a CPT
Pará vira foco de impunidade no campo

ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília

O maior foco de impunidade no campo está concentrado no Pará. De 1985 até hoje, 225 pessoas foram mortas em disputas de terra no Estado. Até o ano passado, a Justiça havia decretado a prisão de apenas um mandante, que está foragido até hoje.
Nos últimos anos 13 anos, apenas cinco casos resultaram em julgamentos, com a condenação de dois intermediários na encomenda das mortes e de três assassinos, entre eles um ex-policial militar, que também está foragido.
A impunidade em torno dos conflitos fundiários no Pará e no país foi medida por meio de um levantamento preparado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), entidade ligada à Igreja Católica.
O levantamento vai municiar os protestos programados para esta semana, em várias cidades, para cobrar a punição dos 153 policiais envolvidos na morte de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (sudeste do Pará).
A chacina completa dois anos na próxima sexta-feira. Nenhum dos acusados está preso, e o julgamento não tem data marcada.
Além disso, dez PMs acusados da chacina participaram ilegalmente do despejo que culminou na morte de dois líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Parauapebas (PA), no último dia 26.
No caso de Parauapebas, a Justiça decretou a prisão de 11 fazendeiros e funcionários acusados do crime. Todos estão foragidos.
No aniversário da chacina de Eldorado do Carajás, as embaixadas sediadas em Brasília irão receber um dossiê sobre a impunidade do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo.
O Fórum reúne as principais entidades não-governamentais ligadas à reforma agrária, como o MST, a CPT e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Caso crônico
A CPT considera a impunidade no campo um caso crônico no Pará e no país, desde que a entidade começou a monitorar a violência rural em 1964, início do período de 21 anos de regime militar.
O documento que será entregue às embaixadas pelo Fórum indica que, desde a restauração do regime democrático, em 85, houve 4.866 conflitos de terra e 976 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, religiosos e profissionais ligados à luta pela terra.
De 64 até hoje, a CPT afirma que pelo menos 673 pessoas foram mortas por conflitos de terra no Pará, principalmente no sudeste do Estado. A primeira condenação na Justiça ocorreu em 93.
Para o padre Ricardo Rezende, da CPT, um dos religiosos ameaçados de morte no sul do Pará, a impunidade no campo é diferente da impunidade relativa a crimes praticados em áreas urbanas.
"A grande diferença é que os assassinatos no campo são políticos e apresentam indícios claros de seus autores, mas raramente são investigados", diz o padre, cuja ordenação em 1980 reflete a trajetória da violência no sul do Pará.
Cinco líderes rurais e dois advogados que participaram da sua missa de ordenação, em Conceição do Araguaia (PA), foram executados por pistoleiros.
O governo do Pará confere a lista da CPT desde agosto. O trabalho é feito pelo Getac (Grupo Especial de Trabalho sobre Assassinatos no Campo), criado pelo governador Almir Gabriel (PSDB).
A presidente do grupo, Onéia Dourado, disse que o resultado deve "desmistificar" a lista da CPT. Segundo ela, o Getac já excluiu 209 dos 673 casos porque não apresentavam identificação dos assassinados.
A CPT afirma que o número de casos irá dobrar com o levantamento dos casos nos municípios. Onéia Dourado diz que a lista vai aumentar porque serão incluídos PMs e fazendeiros mortos em conflitos com posseiros. "É preciso mostrar também os mortos do outro lado e buscar a punição para todos os assassinos", disse.



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