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CELSO PINTO
De Londres a Marbella
A vitória dos trabalhistas
no Reino Unido tem tudo para se transformar num marco
de referência. Os ecos podem
não ter chegado a Marbella,
no Chile, onde a esquerda latino-americana esteve discutindo, nos últimos dias, um
caminho para voltar ao poder, mas imagino que isso
acabará acontecendo.
É grande a tentação de interpretar a vitória trabalhista como fruto de seu transformismo neoliberal. Na própria
Inglaterra, onde estive na semana passada, alguns analistas entenderam o triunfo
de Tony Blair como uma espécie de tributo tardio ao
"thatcherismo", com a conversão trabalhista à privatização, ao enxugamento do
Estado e ao mercado. O eleitorado estaria cansado dos 18
anos de conservadores no poder, mas não, no fundo, de
suas idéias centrais.
A primeira medida anunciada por Blair, que pegou
todo mundo, inclusive seu
partido, de surpresa, seria
uma confirmação da tese. Ao
conceder ao Banco da Inglaterra (banco central) independência para fixação da
taxa de juros, os trabalhistas
fizeram o que muitos conservadores defendiam, mas jamais tiveram coragem de
aprovar.
Abrir mão da fixação dos
juros, em favor de um conselho onde o governo é minoritário, significa separar o controle da inflação da política.
Ao governo cabe fixar a meta
inflacionária (provavelmente
2,5% ao ano), mas ao Banco
da Inglaterra e ao novo conselho caberá determinarem
quão rápido o país deverá
chegar lá.
Se uma imperícia na administração da economia ou
uma crise externa fizerem
com que o ciclo inflacionário
não coincida com o ciclo político, os trabalhistas correm
o risco de virem a enfrentar
eleições gerais, no futuro,
com juros em alta e economia
em desaceleração. E se quiserem acelerar os gastos para
ganhar popularidade, poderão trombar com um aumento dos juros atuando no sentido oposto.
Não deixa de ser uma ironia ler o artigo do último ministro da economia conservador, Kenneth Clark, criticando a decisão dos trabalhistas
com o argumento que o Banco da Inglaterra tenderá a
exagerar na cautela e obrigar
o país a enfrentar juros mais
altos do que o necessário.
Exatamente a crítica que a
esquerda costuma fazer aos
bancos centrais independentes criados pela direita.
Os trabalhistas optaram pela independência do Banco
da Inglaterra exatamente por
isso. Com a reputação histórica de irresponsáveis no
combate à inflação, os trabalhistas preferiram contar com
a reputação alheia. Deu certo: os mercados reagiram de
imediato baixando os juros
de longo prazo dos títulos
britânicos, numa prova de
confiança de que a inflação
não vai subir.
Outra razão para a independência do banco central é
que ela é um requisito para o
país aderir (se o fizer) à
união monetária européia.
Na verdade, seria preciso
avançar um pouco mais, mas
o grande passo já foi dado.
O que realmente permitiu
aos trabalhistas adotar uma
medida como esta, contudo, é
a cristalização da noção de
que é importante assegurar
uma inflação baixa. Em outras palavras, é a ampla percepção de que trocar mais inflação por mais emprego não
é algo sustentável, nem duradouro, como mostrou a longa
convivência entre inflação
alta e desemprego alto.
Essa noção está por trás dos
princípios da união monetária européia, que reúne (e separa) socialistas e conservadores de diversos países. Certa ou errada, ela passou a ser
um ponto de partida importante para qualquer partido
com um projeto de ficar no
poder muito tempo, como os
trabalhistas.
Pode ser que a direita tenha
ganho esta batalha, mas os
trabalhistas, ao mesmo tempo, feriram o coração do
"thatcherismo" ao anunciar
a adesão ao "capítulo social" da União Européia,
que assegura um conjunto de
direitos aos trabalhadores, e
a criação do salário-mínimo.
A tese do desmonte dos direitos sociais e do Estado social
sofreu uma acachapante derrota política no país onde
nasceu o novo liberalismo
-e isso explica a enorme repercussão da vitória trabalhista entre os partidos de esquerda europeus.
Só o tempo dirá se a nova
química vai funcionar. O
Brasil, que levou dez anos para descobrir o liberalismo,
pode levar outra década para
perceber onde ele está sendo
desafiado.
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