São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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ELIO GASPARI

Alguém está mandando sinais para FFHH

No final de sua vida, o escritor inglês Arthur Koestler deu-se à superstição. Uma das suas histórias favoritas era a seguinte:
A secretária de Abraham Lincoln chamava-se Kennedy.
A secretária de John Kennedy chamava-se Lincoln.
Lincoln estava no camarote número 7 de um teatro.
Kennedy estava no carro número 7 de uma caravana.
Ambos morreram numa sexta-feira, com uma bala na cabeça, na presença das mulheres.
John Wilkes Booth atirou em Lincoln num teatro e escondeu-se num depósito.
Lee Oswald atirou em Kennedy de um depósito e escondeu-se num teatro.
"Alguém estava querendo nos avisar de alguma coisa", dizia Koestler.
Quando o senador Jader Barbalho suspende uma sessão do Congresso em homenagem a Mário Covas para atrapalhar a tramitação de um pedido de CPI destinada a investigar a corrupção, alguém está mandando um aviso. Santas palavras as de Lila Covas: "Isso é molecagem".
Quando, nesse mesmo dia, FFHH reúne dez ministros para segurar a CPI das maracutaias, e os seus colaboradores não conseguem dizer coisa com coisa a respeito do racionamento de energia, alguém está mandando outro aviso. Enquanto isso, depois de ter liberado mais de R$ 80 milhões para prefeituras antes de deixar o cargo, o ex-ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra deixou-se fotografar na churrascaria Porcão com um belo charuto entre os dedos.
Um dia antes, FFHH apareceu na televisão com um gráfico da Aneel que mostrava a curva dos investimentos em energia feitos durante o seu governo. Orgulhava-se de ter adicionado 15,5 mil megawatts à capacidade geradora. Se fosse verdade, entre 1996 e 2000 teria ocorrido um aumento da oferta equivalente ao da operação de uma nova Itaipu. Entre 1995 e 1999, o governo FFHH investiu uma média de US$ 3,7 bilhões anuais em geração e transmissão de energia. Ficou abaixo de Collor (US$ 4,2 bilhões) e pouco acima de Itamar Franco (US$ 3,4 bilhões). O problema não está no fato de o presidente da República ter mostrado números errados ao país. Está no fato de o presidente da República achar natural que sua ekipeletrônica o leve a um constrangimento desse tipo.
FFHH gosta de repetir que, graças ao seu governo, o Brasil tem rumo. Quando se vê que ele passa a maior parte do expediente segurando uma CPI, dá informações erradas ao público e acredita que resolve o problema nomeando o ministro Pedro Parente Príncipe das Luzes (ou Czar das Trevas), rumo há, mas será percorrido no escuro.
Chegou-se aonde se chegou porque o governo praticou uma política irresponsável de privatização da energia. Feito isso, iludiu a boa-fé do público sugerindo que viriam investimentos privados para o setor. Desde 1998 está nas livrarias o trabalho "A Reforma do Setor Elétrico", dos professores Luiz Pinguelli Rosa, Maurício Tolmasquim e José Cláudio Linhares Pires, no qual advertiam: "O governo federal, mesmo diante de um contexto de aumento do risco de déficit de energia e da necessidade de um aporte de US$ 6,5 bilhões de recursos anuais, está preocupado basicamente em vender ativos estatais para abater a dívida pública".
Isso acontece porque o governo gosta de apostar. De 1997 ao final de 1998, apostou que a crise financeira não afetaria o Brasil do populismo cambial. Derrubados os investimentos no setor elétrico, drenaram-se os reservatórios apostando-se que viria a chuva. Desde 1997 o sistema elétrico trabalhava no osso, desafiando as condições climáticas. Nesse ano o engenheiro Eliezer Batista advertia para a possibilidade de um racionamento em 2000. Em 1998, o então ministro de Minas e Energia (Raimundo de Brito) disse que as conversas de apagão eram "discursos ideológicos com objetivos eleitoreiros". Seu sucessor (Rodolpho Tourinho) previu, em maio de 2000, o apagão de 2001. Finda a sorte, perdeu-se a aposta. A conta vai para a patuléia sob a forma de queda da produção, desemprego e escuridão.
Quando perde, ou quando está sem cartas, o governo joga a responsabilidade para cima. Em 1996 faltou energia no Rio e FFHH informou: "O problema é pedir a Deus para que o verão seja menos forte". Além de injusto, é ingrato. Quando a estiagem ameaçou a safra, disse que "esse problema é com o ministro, é com Deus". Meses depois, choveu. Em vez de agradecer, FFHH arrastou as fichas: "É verdade que Deus ajudou, mas quem organizou a agricultura fomos nós".
A falta de energia é um sinal: o governo precisa sair do mundo da fantasia, abandonar a opção pela empulhação e, se lhe sobrar eletricidade, começar a trabalhar.
Nota final: As coincidências entre as mortes de Lincoln e Kennedy vão além das que Koestler mencionava. Em inglês, estão no seguinte endereço:
http://www.autotechweb.com/triviaone/AP0701.htm
É um pouco prolixo, mas lista 104 coincidências. Nele aprende-se que Lincoln tinha dois secretários e nenhum deles se chamava Kennedy. (Havia um chefe de polícia em Nova York preocupado com sua segurança. Seu nome: John Kennedy.)
Também é falsa uma coincidência divulgada recentemente, segundo a qual uma semana antes de morrer, Lincoln estava na cidade de Monroe, e Kennedy, em Marilyn Monroe. A moça morreu um ano antes.

Não é comigo

Na terça-feira, durante a reunião do Conselho Nacional de Política Energética, o ministro de Minas e Energia, José Jorge, informou que, em vez de cobrar multa a quem consumisse muita energia, seria pago um bônus a quem a poupasse.
Presente à reunião, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, perguntou: "Quem pagará esse bônus?". Em nome da ekipeletrônica, José Jorge respondeu: "Bom, presumivelmente, o Tesouro Nacional". Ou seja, o prédio ao lado.
Malan informou que não há dinheiro para financiar a festa.
A onipotente ekipekonômica do professor Pedro Malan passou seis anos drenando os investimentos públicos. Graças a isso, fechou o ano 2000 com R$ 21,15 bilhões de superávit primário. Tornou-se o quindim do FMI e, enquanto foi possível, não deu importância à falta de investimentos em geração e transmissão de energia. Era problema do prédio ao lado.

Erro

A leitora Ida Moritz Cavalcanti corrige, e o leitor Haroldo Netto ensina: "A arrogância é má conselheira". Ambos com toda razão. Não havia erro de ortografia no texto em inglês do ministro Pedro Malan no FMI. A palavra "unsustainably" existe, é um advérbio, está no dicionário da Random House e significa "insustentavelmente".
Malan usou-a para dizer que a economia americana vinha crescendo "a uma taxa insustentavelmente alta".
A eles, ao ministro, aos leitores e ao idioma inglês, vai aqui o necessário pedido de desculpas.

ENTREVISTA

Itamar Franco

(69 anos, ex-presidente da República, governador de Minas Gerais, candidato a presidente da República)

A que o sr. atribui o fato de FFHH lhe repassar a responsabilidade pela falta de investimentos na geração de energia, que resultou na necessidade de um racionamento?
À falta de caráter.
O sr. não está pegando pesado?
Não. Ele ocupou dois ministérios no meu governo. Gostava de ser chamado de superministro e gosta de ser considerado o autor e responsável exclusivo pelo Plano Real. Se o meu governo estava fazendo tanta coisa errada e ele não percebeu, então falta-lhe a inteligência que diz ter. Se percebeu, mas esqueceu, é caso inédito de amnésia. Dito isto, resta o caráter. Posso estar pegando pesado, mas não é justo, nem decente, que ele queira me transformar em saco de pancada. Se não me respeita, respeito não lhe dou. Ele se elegeu em 1994 à custa do meu governo e da minha vida limpa. Reelegeu-se comprando o mandato e condenou-se a ficar cerceando a atividade do Congresso para impedir que se instale uma CPI para investigar a corrupção.
Mas no seu governo investiu-se pouco em geração de energia.
Meu governo durou dois anos e meio. O dele já durou seis. Se tivesse trabalhado, os investimentos já teriam amadurecido e não haveria racionamento. Quem firmou o acordo que permite a chegada do gás boliviano ao Brasil fui eu. Essa negociação se arrastava desde os anos 70. No governo de Minas Gerais, eu investi na construção de nove usinas geradoras de energia. Nenhuma delas será inaugurada no meu governo, mas, graças a elas, a capacidade geradora do Estado aumentará entre 25% e 30%. O presidente Fernando Henrique Cardoso privatizou os quilowatts existentes. Eu defendo a privatização dos quilowatts a serem gerados. Agora mesmo a Cesp será privatizada, obrigando o comprador a expandir a geração em 16% em oito anos. Isso significa que o concessionário aumentará a oferta de energia em menos de 2% a cada ano. Se a região crescer a 3%, faltará energia. Trata-se de uma questão ampla, e o melhor a fazer é debatê-la. Eu já convidei o presidente para um debate. Vamos expor nossos pontos de vista à opinião pública e ela julga.
O sr. acha que poderá vir a sucedê-lo?
A próxima sucessão presidencial será decidida pela maneira como se olhará para o país. Em 1974, quando se falava em Brasil do "milagre", Franco Montoro me disse: "Tudo dependerá da profundidade com que se olhar para o país. Se olharem com um metro de profundidade, o MDB ganha". Ganhou. Uma coisa eu sei: o trabalho de desqualificação que o governo faz contra mim é inútil. Se eu fosse o desqualificado que os áulicos de Brasília gostariam que fosse, só poderia ter chamado Fernando Henrique Cardoso para meu ministério por falta de qualificação. Chamei-o porque achei que estava fazendo o certo e, nas condições da época, voltaria a fazê-lo. Hoje não o faria. Na época eu acreditava em Fernando Henrique Cardoso. Hoje eu não acredito. Não acredito no que ele diz e não confio no que ele faz. Para lhe dizer a verdade, acho que ele não é o sabichão que pretende parecer. Para lhe dizer outra verdade, acho que ele está se mostrando um despreparado.

O Congresso não é problema, é solução

Como sempre, depois que o governo se encrenca, aparecem sábios, sobretudo no meio empresarial, dizendo que o país corre riscos porque o Parlamento não aprova as reformas necessárias ao progresso.
É lorota. O Congresso votou tudo o que o governo pediu, inclusive a emenda constitucional da reeleição. A reforma tributária nunca foi votada porque o governo jamais levou ao Legislativo um projeto com início, meio e fim.
Quando um empresário reclama do Congresso, frequentemente quer bajular o governo para alavancar otras cositas. Quando a reclamação vem de sábios de empresas de consultoria, é falta de assunto.
É comum ouvir que a ação do Congresso derrubou a Bolsa. Também é lorota. É coisa da turma que finge acompanhar o pregão da Nasdaq enquanto especula com a economia do país do apagão.

Linha direta

O ministro da Justiça, José Gregori, garantiu aos secretários da Segurança de todo o país que os apagões só ocorrerão em horas em que "o sol esteja dominando a natureza".
Só uma entidade pode ter dado essa garantia a Gregori: o Padre Eterno. Até hoje, Deus só precisou mexer com o sol quando Josué combateu os cinco reis amorreus. A pedido do guerreiro, o sol ficou parado sobre Gabaon. Javé teria dito ao doutor Gregori que, durante o período de sua conveniência, cuidaria para que o sol dominasse a natureza nas regiões submetidas a apagões em Pindorama.
Um corte de 20% da energia consumida pela região Sudeste das 12h às 16h de um dia útil significa uma economia de 6.000 megawatts e bate em cheio na atividade econômica. O mesmo corte, entre 20h e 22h, economiza perto de 7.000 megawatts, afetando sobretudo o consumo doméstico. Se a teoria gregoriana do apagão fosse aplicada, economizaria menos energia e agravaria o impacto sobre a produção.

Apagão

Antecipando-se ao programa de cortes de energia e beneficiando-se dos abusos adquiridos pelas pessoas que vivem do seu trabalho, o signatário ficará fora do ar nos próximo quatro domingos.


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