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ELIO GASPARI
FFHH acertou.
Culpa do Lula
As coisas boas também
acontecem. Pela primeira
vez em muitas décadas, um governo reagiu às consequências
da seca nordestina com audácia,
inteligência e criatividade. Se
ninguém atrapalhar, FFHH pode transformar a estiagem deste
ano numa jóia de sua Coroa. (A
do Pedro Banana, que em 1870
prometeu desmanchá-la para
ajudar o povo do sertão, está no
Museu Imperial com todos os
seus 639 brilhantes e suas 77 pérolas.)
Na segunda metade de maio,
numa conversa com o governador Tasso Jereissati, FFHH foi
alertado para a gravidade do
problema. Como governador
nordestino sempre carrega o fim
do mundo na pasta, seria razoável que ouvisse e arquivasse. (Foi
o que o doutor Malan fez quando o mesmo Jereissati o procurava para pedir investimentos em
termelétricas, mas a culpa é do
Lula.) No dia 21, FFHH deu um
dedo de prosa ao ministro do
Desenvolvimento Agrário, Raul
Jungmann. Conversa vai, conversa vem, Jungmann mostrou-lhe que o governo arriscava tomar uma bola nas costas com a
seca. Já a tomara em 1998, quando só acordou depois que famintos de oito Estados haviam
avançado sobre cargas de comida alheia.
A certa altura, FFHH disse
duas palavras: "Coordene isso".
Sem qualquer ato administrativo que o respaldasse, Jungmann foi à luta. Em menos de
dez dias, colecionou informações
e propostas. Fincou três estacas.
Não vai "combater" a seca.
"Combater" fenômeno da natureza é coisa de pajé. Também
não vai montar frentes de trabalho. Sempre que puder, sairá do
esquema de distribuição de comida. Não vai lançar iniciativas
de emergência.
Assim, sabe-se o que Jungmann não fará. Resta saber o
que pretende fazer. O seguinte:
1) Criará uma espécie de seguro para os pequenos lavradores
que perderam sua safra. Apenas
a título ilustrativo, pode-se estimar que cada pequeno proprietário vá receber R$ 500 até o fim
deste ano. (Menos de R$ 100 por
mês.)
2) Condicionará o pagamento
do seguro ao compromisso do
beneficiado de estudar. Se for
analfabeto, aprenderá a ler. (Em
1998, as frentes de trabalho receberam 1,2 milhão de pessoas. Delas, 81% eram analfabetas e
analfabetas continuaram.) Estará obrigado a manter os filhos
na escola e, se for o caso, fará algum curso de capacitação profissional.
Tem três problemas pela frente. O primeiro é o cadastramento
dos beneficiados pelo seguro.
Pretende organizar comissões
em que a sociedade tenha metade dos assentos. Dispõe da rede
capilar da igreja, dos sindicatos
de trabalhadores rurais e das associações comunitárias. Parada
dura. A clientela semi-árida já
mastigou inúmeras iniciativas
desse tipo.
O segundo é a busca de um
mecanismo que permita amparar o bóia-fria que vive em torno
das propriedades rurais. Se ele ficar de fora, babau.
O terceiro será conseguir dinheiro. O desastroso "combate"
à seca de 1998 custou R$ 2,2 bilhões. Se a ekipekonômica lhe
der um pouco menos que isso, de
nada poderá reclamar. (Desde
que reclame do Lula, culpado
pela seca, pelo apagão e pela irresponsabilidade fiscal.) O ministro Pedro Malan bem que poderia dizer o seguinte:
"Não existe mais governo no
mundo moderno que faça um
discurso que permita dar a entender que a seca será o que tiver
que ser porque existem outras
prioridades".
Pela primeira vez desde que
Celso Furtado estudou a seca
nordestina, alguém se mete no
assunto virando-o pelo avesso.
Na verdade, virando-o para o lado certo, pois o avesso está nas
noções de "combate", de emergência e de esmola.
Vale lembrar que a Viúva ainda sustenta um Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas, nascido em 1909. O que um
departamento pode fazer "contra" uma seca, ninguém explica.
Também se deve levar em conta
que o estilo "vidas secas" de solidariedade aos nordestinos é
uma piedosa fantasia. Hoje, a
história de Fabiano está naquilo
que foi o sonho da cidade grande, onde Graciliano Ramos parou em 1938. Em números absolutos, a miséria nacional não está mais em cima do cristalino do
Nordeste indiano, mais nas fímbrias das metrópoles que se julgam belgas. A cadela Baleia e o
papagaio talvez morressem de
novo, mas as crianças teriam escola e merenda. O velho Tomás
da Bolandeira poderia perder
tudo, mas teria o dinheiro da
aposentadoria rural. A caminhada de Fabiano também seria
mais curta, pois conseguiria carona em algum caminhão.
Jungmann ainda não completou um mês na sua função. Já jogou no lixo quase dois séculos de
mistificações. Na pior das hipóteses, se der tudo errado, terá fracassado uma idéia nova, boa e
certa. Culpa do Lula.
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