São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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PODER EM QUESTÃO

Normas do Ministério Público, ainda em análise, são tentativa de reverter provável decisão desfavorável do STF

Procuradoria quer disciplinar investigações

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Ministério Público Federal vai baixar um conjunto de normas com o objetivo de disciplinar investigações criminais conduzidas por procuradores da República. As regras constam de uma resolução interna.
A Folha obteve uma cópia do texto. Contém 19 artigos, expostos em cinco laudas. O documento encontra-se atualmente sob análise do Conselho do Ministério Público, a quem cabe aprová-lo. Esse conselho é integrado por dez procuradores, entre eles o procurador-geral da República, Claudio Fonteles.
Hoje, os procuradores da República promovem investigações penais em atmosfera de franca autonomia. São senhores da própria conduta. À falta de balizamentos, sujeitam-se à acusação de uso discricionário do poder que detêm.
Os delegados da Polícia Federal, no entanto, não levam a sério a intenção do Ministério Público de baixar norma para disciplinar o trabalho de investigação dos procuradores. Afirmam que isso não terá o devido peso legal.
O STF (Supremo Tribunal Federal) está acenando com a possibilidade de proibir o Ministério Público de realizar investigações penais. Relator de processo em vias de ser julgado pelo plenário do tribunal, o ministro Marco Aurélio de Mello concluiu que somente a polícia pode promover inquéritos criminais.
A resolução do Ministério Público é uma tentativa de reverter a tendência do STF, hoje desfavorável aos procuradores.
Planeja-se baixar as novas regras até agosto, antes que seja feito o pronunciamento definitivo do Supremo.

Eufemismo
Numa tentativa de distinguir o trabalho dos procuradores da atividade policial, o texto da resolução do Ministério Público evita o uso da expressão "inquérito criminal". Vale-se de um eufemismo: "procedimento investigatório criminal".
Eis as normas que constam da resolução:
1) o "procedimento investigatório" pode ser iniciado por provocação de alguém ou por iniciativa dos procuradores;
2) eventuais denunciantes devem ser "identificados e qualificados". Precisam fornecer inclusive o endereço;
3) a abertura da investigação deve ser formalizada em portaria. O documento deve conter uma "descrição dos fatos a serem investigados";
2) instaurada a apuração, o procurador responsável terá um prazo de dez dias para comunicar o fato à Justiça;
3) se deparar com fatos novos no decorrer da investigação, o procurador poderá abrir novos "procedimentos investigatórios". Tantos quantos ele julgar que sejam necessários;
4) o procurador poderá ouvir pessoas, requisitar informações e documentos de órgãos públicos, determinar a realização de perícias, vistorias e inspeções;
5) desde que munido de uma autorização judicial, ele poderá também monitorar escutas telefônicas e acompanhar operações de busca e apreensão;
6) intimações para depoimentos terão que ser expedidas com uma antecedência mínima de 48 horas, "respeitadas as prerrogativas" dos depoentes. Têm, por exemplo, o direito de levar advogados;
7) em caso de desatendimento injustificado à notificação, o procurador poderá determinar a condução coercitiva de testemunhas. Caso se faça necessário, ele poderá requisitar os serviços da polícia;
8) uma vez identificados eventuais responsáveis por infrações penais, o procurador será obrigado a tomar-lhes o depoimento;
9) os investigados terão amplo acesso ao processo. Se desejarem, poderão requerer a realização de diligências. O procurador dirá se devem ou não ser feitas. Terá de formalizar a decisão em despacho, de cujo teor o investigado será informado;
10) o prazo da investigação será de seis meses. Prorrogáveis pelo mesmo período. "Quantas vezes forem necessárias". O procurador terá de fundamentar à Justiça, por escrito, as razões de eventuais prorrogações;
11) as investigações serão públicas, "salvo disposição legal em contrário". O próprio procurador deve decretar o sigilo das apurações quando necessário;
12) em princípio, só terão acesso ao processo os investigados, seus procuradores ou terceiros mencionados nos autos. Mas, se julgar conveniente, o procurador poderá prestar informações "ao público em geral", respeitando "o princípio da não culpabilidade" e observando as "hipóteses legais de sigilo";
13) concluída a investigação, o procurador poderá formalizar ação penal. Porém, se ficar evidenciada a "inexistência de fundamento para a propositura de ação", será obrigado a arquivar o caso, dando ciência à Justiça em cinco dias;
14) os denunciantes também serão informados do arquivamento. Poderão recorrer da decisão. Em despacho, o procurador dirá se aceita ou não o recurso;
15) casos arquivados poderão ser reabertos se surgirem novas provas que justifiquem o gesto.
Além de disciplinar investigações criminais, o Conselho do Ministério Público vai editar uma segunda resolução disciplinando apurações de natureza cível. As normas das duas são, em essência, bastante semelhantes.
Ambas serão divulgadas simultaneamente. Espera-se que tenham o condão de passar à sociedade e sobretudo aos ministros do STF a impressão de que, doravante, investigações do Ministério Público não serão realizadas, em nenhuma hipótese, ao sabor do arbítrio.


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