São Paulo, sábado, 13 de julho de 2002

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CAMPANHA NA TV/ANÁLISE

A nova Globo, ou 30 anos em 4 noites

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

As entrevistas que o "Jornal Nacional" levou ao ar ao vivo com os presidenciáveis lançam muito mais luz sobre a Rede Globo do que sobre o futuro do país.
Para os candidatos, a oportunidade representou uma das últimas chances de aparecer diante de milhões de pessoas antes do horário eleitoral gratuito, no qual a disputa será decidida. Para a Globo, a bateria de entrevistas significou o primeiro grande teste para reparar atentados históricos da emissora contra a democracia.
Enquanto os primeiros se esforçaram para atingir as massas, a Globo se empenhou sobretudo para dizer aos formadores de opinião que agora ali se pratica jornalismo, sim senhor.
A prova dos nove da emissora, por razões óbvias, foi a terceira entrevista da série, com o candidato oficial. E o casal 20 do telejornalismo o tratou como gente grande. Não se furtou de fazer o roteiro da pauta de perguntas embaraçosas -de Ricardo Sérgio à dengue, da fama de desagregador que Serra carrega às acusações de arapongagem contra adversários.
A lição de casa foi feita. A pretensão maior da Globo talvez fosse a de dissolver 30 anos de escuridão em quatro noites luminosas. Não dá. É breu demais para pouca luz. Mas o saldo da série, ainda assim, foi positivo.
William Bonner afastou a impressão de que é uma versão atualizada de Cid Moreira. Se Fátima Bernardes voltou consagrada da cobertura da Copa, foi sobretudo Bonner quem conduziu as entrevistas, em geral bem feitas, críticas e equilibradas.
O aspecto por assim dizer frustrante desse esforço de jornalismo é o resultado algo empostado do conjunto, como a denunciar que o debate democrático está a cargo do show midiático, e não o contrário. Do cenário futurista e hospitalar do estúdio, que lembra filmes de ficção científica, ao comportamento ensaiado dos personagens, toda a mis en scène reforça a sensação de que o teatro prevalece sobre a política. No fundo, ele é°°a política. A performance de cada um importa mais que o enredo -e é da primeira que estamos falando quando comentamos quase automaticamente que "fulano se saiu bem". Se é verdade que este é um traço definidor da TV, no horário nobre da Globo ele é quase sufocante.
A crítica que se deve fazer desse jornalismo que se descobre à medida que tenta expiar fantasmas do passado tem de ser a um só tempo mais profunda e mais matizada, mais estrutural e mais cirúrgica. Quem quis encontrar grandes manipulações, favorecimentos, omissões ou compromissos na série de entrevistas do "JN" saiu com as mãos vazias.
Em 98, a Globo já havia dado ampla visibilidade a uma campanha que na prática não existiu. O que a emissora então camuflava do público não era Lula, quase decorativo, mas a bola de neve que se formava sobre o país do câmbio artificialmente apreciado, presa fácil da crise internacional.
Hoje, até mais do que antes, o noticiário econômico volta a ocupar o centro do debate. Há um clima de terror no ar. Já será um avanço se a emissora que detém o monopólio branco da audiência não transformar a eleição numa espécie de trem fantasma.



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