UOL

São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

A Infraero acha que é dona da silhueta do Rio

A Infraero entrou na reta final para fazer de bobo quem acreditou que ela poderia convocar um concurso público para escolher o projeto de arquitetura do novo terminal do aeroporto Santos Dumont, no Rio. Na cabeça da lista ficou quem acreditou no presidente da empresa, Carlos Wilson. Ele anunciou sua disposição de convocar o concurso, caso o Instituto dos Arquitetos do Brasil o solicitasse. O IAB fez a solicitação, e nada. Pior, já a tinha feito, e Carlos Wilson não sabia. Triste e estranha história de desinteresse pela beleza do Rio.
O novo terminal ficará num dos mais belos pedaços deste mundo, aquele que vai da enseada de Botafogo à ponta do Calabouço. O Padre Eterno colocou ali em frente a entrada da barra da baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar.
Esse percurso tornou-se um monumento à cultura nacional e à boa administração de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, que fizeram o Aterro. A Lota Macedo Soares, que o executou, blindando-o contra a picaretagem. A Roberto Burle Marx, que desenhou seus jardins. À arquitetura brasileira e Afonso Eduardo Reidy, que plantou ali o MAM e suas geniais passarelas. A maravilha termina no terminal do Santos Dumont, um dos mais bonitos aeroportos do mundo. Seu projeto é dos arquitetos Marcelo e Milton Roberto, resultado de um concurso público, de 1937.
A Infraero decidiu perfilhar o projeto de um arquiteto selecionado pela empreiteira Figueiredo Ferraz. Burocraticamente, os sábios da Infraero tomam decisões assim:
1) Autorizam o funcionamento de uma loja de relógios dentro da sala de embarque do Santos Dumont.
2) Dão a uma empresa o direito de alugar o espaço dos saguões centrais de Congonhas e do Santos Dumont.
3) Coordenavam de tal forma os serviços de ônibus da pista de Congonhas que a concessionária treinava no aeroporto os motoristas que contratava. Um deles, com um dia de serviço, deu uma ré, atropelou três passageiros e matou um deles. Caso único no mundo.
Em agosto passado, os sábios da Infraero anunciaram a abertura da licitação para as obras de construção do novo terminal. (Valendo R$ 150 milhões, era uma das maiores licitações do fim de governo de FFHH, mas deixa pra lá.) No dia 17 de setembro, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Haroldo Pinheiro, reuniu-se com o presidente da Infraero. O arquiteto defendeu a convocação de um concurso, coisa que faz há mais de três anos. Perdeu seu tempo. Se a diretoria da Infraero lesse os livros que patrocina, teria aprendido alguma coisa sobre os concursos no volume de "Aeroporto Santos Dumont 1936-1996".
Em junho, reapareceram as notícias segundo as quais a Infraero abriria a licitação para as obras de engenharia do terminal. O presidente da empresa, Carlos Wilson, assegurou que, se o IAB e o Ministério da Cultura se mexessem, ele abriria o concurso público. O presidente do IAB se mexeu. No dia 4 de junho, mandou a Carlos Wilson um ofício (IAB/DN-P nš 317-02/04) pedindo-lhe uma audiência. Mencionou a tradição do Instituto, a recomendação da Unesco para que se façam concursos e lembrou que a Lei de Licitações reconhece nesses certames um instrumento adequado de escolha. Num país em que a capital da República, o Maracanã e o próprio Santos Dumont foram selecionados por concurso, Haroldo Pinheiro não estava dizendo coisa nova.
No dia 27 de junho, diretores da Infraero reuniram-se com o presidente do IAB. Ele deu suas razões, mas não convenceu a ilustre platéia.
Posteriormente, a Infraero informou que o IAB pediu dois meses para organizar o concurso. Falso. O IAB não pediu esse prazo. O concurso pode ser convocado em duas semanas.
A Infraero diz que seriam necessários 18 meses para se julgar os trabalhos e preparar um novo edital. Argumenta que não se pode atrasar tanto a construção do terminal.
Falso quanto ao prazo: uma obra como a do novo terminal pode ser licitada em seis meses. Falso também quanto à pressa. O presidente do IAB tratou com a Infraero da necessidade de um concurso ainda em setembro de 2002. Se o problema fosse pressa, teriam tomado alguma providência. Nada fizeram porque não têm pressa. Têm é preferência pelo projeto que perfilham. Se o concurso tivesse sido convocado em outubro, o edital de licitação da obra teria ficado pronto, com folga, no fim de junho passado. Ou seja, os trabalhos estariam mais adiantados do que estão.
O projeto viário da Infraero prevê que o acesso ao novo terminal passará por dentro do terreno do MAM. Essa área é tombada pelo Patrimônio Histórico da União. Os aerotecas já foram advertidos para essa demasia há cerca de um ano. Fizeram de conta que não ouviram.
A Infraero também planeja reformar os aeroportos de Congonhas e da Pampulha, sempre com projetos arquitetônicos de sua preferência. Pena, mas vá lá. O que o doutor Carlos Wilson e seus sábios precisam perceber é que estão interferindo num dos mais belos pedaços do mundo. Num exercício de humildade, o presidente da Infraero poderia reunir a sua diretoria diante do medonho painel que a empresa colocou numa das paredes do Santos Dumont, retratando o infortunado Pai da Aviação. Vendo-o, poderão medir a qualidade de suas escolhas culturais arbitrárias.
A Infraero argumenta que o projeto de sua escolha é bom. Beleza, que o remeta a um concurso. Gastou quase um ano evitando fazê-lo.

Um bom negócio: põe na conta do Lula

A reação dos governadores Aécio Neves (MG) e Jarbas Vasconcelos (PE) diante do recuo do governo na reforma da Previdência teve pelo menos uma utilidade: mostrou que eles contavam com um reforço de caixa à custa da biografia de Lula e do PT. Os governadores ficariam com o respiro fiscal, e Lula ficaria como algoz do funcionalismo (que decidiu ser). Agora, seja qual for o desfecho da negociação, Aécio e Jarbas, bem como o tucano paulista Geraldo Alckmin vão para o pódio.
À custa da popularidade do presidente, o governo está uma beleza: folga fiscal para os governadores, juros para os banqueiros e esparadrapos para privatagens fracassadas. Tudo na conta do Lula.

Confira a sintonia entre o seu voto e seu bolso

Já são 15 os parlamentares que se recusaram a embolsar os R$ 25,4 mil que a Viúva pagará a cada deputado e senador pelo fato de eles terem sido chamados ao local de trabalho em julho. São 499 os deputados e 80 os senadores que ficaram com o mimo.
A senadora petista Serys Slhessarenko (SC) recusa-se a a tocar nesse dinheiro. Os deputados Jorge Boeira (PT-SC), Orlando Fantazzini, Vicentinho e Luciano Zica, do PT paulista, decidiram doar o que receberam.
Vale registrar que o PT-Federal não perdoa. Se um deputado quiser doar os seus R$ 25,4 mil para o Fome Zero, continuará obrigado a entregar ao setor de finanças os R$ 3,6 mil do duplo dízimo da estrela (20% sobre a receita líquida).
Para os eleitores interessados em saber se votaram em lebre e elegeram gato (ou vice-versa), aqui vai a lista completa dos 15 parlamentares que já devolveram publicamente o dinheiro:
Chico Alencar (PT-RJ)
Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ)
Jorge Boeira (PT-SC)
Orlando Desconsi (PT-RS)
Orlando Fantazzini (PT-SP)
Henrique Fontana (PT-RS)
Fernando Gabeira (PT-RJ)
Mauro Passos (PT-SC)
Walter Pinheiro (PT-BA)
Paulo Rubem (PT-PE)
Doutor Rosinha (PT-PR)
Serys Slhessarenko (PT-MT)
Claudio Vignatti (PT-SC)
Vicentinho (PT-SP)
Luciano Zica (PT-SP)
Em Minas Gerais, onde a Assembléia Legislativa também foi convocada extraordinariamente, os deputados petistas Marília Campos, Laudelino Augusto e Padre João já devolveram o dinheiro. A convocação mineira rende R$ 19 mil para cada deputado e custa R$ 1,5 milhão à escumalha.
A deputada Marília Campos talvez seja a parlamentar que mais devolveu dinheiro à Viúva desde 1822, quando foi instituído no Brasil o Poder Legislativo. Em dois anos de mandato como vereadora em Contagem, devolveu R$ 63 mil. Nesse total estavam R$ 12 mil de verba-paletó e R$ 9 mil de convocações extraordinárias. Em seis meses como deputada estadual, entregou ao Tesouro outros R$ 70 mil. Desse ervanário, R$ 21 mil referiam-se ao auxílio-moradia e à verba-paletó. Chama-se verba-paletó o dinheiro que os legisladores recebem para comprar roupa, consertar os óculos ou engraxar os sapatos.
Inúmeros parlamentares julgaram-se prejudicados pela publicação desta lista. Um deles chegou a dizer que ela o deixa mal junto à base. Problema de fácil solução: basta devolver o dinheiro, comprovar a doação e solicitar a publicação de seu nome na lista da semana que vem.

Cayman da Previ

Para o bem ou para o mal, o inquérito da Previ dará ao comissariado de finanças do PT as dores de cabeça que o Dossiê Cayman deu ao tucanato.

Alicate

Tramitava na ekipekonômica um projeto de empréstimo do Fundo de Amparo ao Trabalhador para o programa de Alfabetização de Adultos. O Ministério da Fazenda mandou congelar o pedido.
O ministro da Fazenda se chama Antonio Palocci Filho. Pedro Malan deixou o cargo em janeiro.

Aviso amigo

Embalado pelo ar de felicidade dos servidores e pela extensão da greve do funcionalismo público, o movimento sindical botou uma nova panela no fogo.
Estima-se que a um toque da liderança o funcionalismo do Banco Central possa paralisar, por um dia, sua mesa de câmbio e as mesas de operações do Rio e de São Paulo.

O olhar de baixo

Um veterano e qualificado analista de pesquisas de opinião do tucanato informa: não só Lula vai muito bem no andar de baixo, como são muitas as pessoas que passaram a assistir ao noticiário de televisão para ouvir o que ele tem a dizer.
No último fim de semana Lula deixou-se fotografar sem camisa, apitando uma pelada da Granja do Torto e muita gente torceu o nariz.
FFHH deixava-se fotografar passeando de lancha na Marambaia, onde se hospedava numa casa da Marinha que no século 19 era o viveiro de escravos contrabandeados pelo comendador Souza Breves.
O professor Kenneth Maxwell já ensinou: Lula é o primeiro governante brasileiro que olha a sociedade em que vive de baixo para cima. Olhando-o de cima para baixo, não se entende direito o que ele representa.

Realização

Um experimentado motorista de taxi de São Paulo assegura: aumentou o número pessoas que circulam pela cidade puxando carroças. São os velhos catadores de papel e de latas, somados aos que optaram recentemente por esse tipo de biscate. Há também os "morcegueiros", nome dado aos catadores de lixo sem diploma ou registro profissional.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: No planalto: Berzoini e Benedita trocam "fogo amigo"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.