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ENTREVISTA DA 2ª
Gilberto Saboia representa o Brasil em reunião sobre racismo
Escravidão foi crime contra humanidade, diz diplomata
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
A reparação pela escravidão e as
políticas de Israel em relação aos
palestinos devem ser os temas
mais polêmicos a serem discutidos durante a Conferência da
ONU contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a
Intolerância Correlata, que será
realizada em Durban, na África
do Sul, entre os dias 31 de agosto e
7 de setembro.
Essa é a avaliação do embaixador Gilberto Vergne Saboia, 59,
subsecretário de Estado de Direitos Humanos e presidente do comitê brasileiro preparatório para
a conferência.
Na semana passada, Saboia esteve em Genebra, na Suíça, para o
encontro preliminar da cúpula
sobre racismo, encerrado na última sexta-feira, e presidiu o grupo
encarregado de elaborar propostas de ação contra o racismo.
Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista, concedida,
por telefone, de Genebra.
Folha - Que balanço o sr. faz das
negociações em Genebra?
Gilberto Vergne Saboia - O resultado foi mais positivo que a expectativa. Nós iniciamos a reunião com a idéia de que havia impasses muito graves, que pareciam barreiras quase intransponíveis. A situação ainda é difícil em
alguns aspectos.
Folha - Quais?
Saboia - A primeira área de negociação difícil é a questão da reparação, sobre que tipo de referência a conferência deveria fazer
aos fatos do passado, às causas e
às origens históricas da discriminação racial e do racismo -a escravidão, o tráfico de escravos, o
colonialismo. Há um debate sobre que tipo de reconhecimento
deve ser feito em relação a esses
fatos, até mesmo sobre como incluir uma referência de que esses
fatos, se ocorressem hoje, seriam
equivalentes a crimes contra a humanidade. Discute-se como a comunidade internacional ou os
países afetados deveriam se comportar em relação a esses fatos, se
deveriam expressar uma desculpa
ou fazer um mea culpa. Estariam
vinculadas a isso reivindicações
específicas da África em relação à
reparação.
Folha - Serão aprovadas reparações contra a escravidão?
Saboia - Isso está sendo negociado. Têm havido consultas às partes interessadas, basicamente à
União Européia e aos Estados
Unidos. Existe uma manifestação
ou uma disposição dos países ocidentais de contemplar uma linguagem que expresse desculpas
ou lamente esses fatos sem envolver obrigação de reparação.
Do lado dos africanos, além da
questão da linguagem, existe uma
lista de reivindicações, de questões mais voltadas para aspectos
de desenvolvimento econômico e
social. Eles querem o perdão das
dívidas, falam de comércio, de assuntos que não necessariamente
estão relacionados aos direitos
humanos, tema da conferência.
Folha - Qual a posição do Brasil
sobre as reparações?
Saboia - Não chegamos a detalhes. Consideramos que deve haver um reconhecimento dos fatos
do passado como fatores históricos e causas principais do racismo
e que esse reconhecimento gera
uma obrigação moral dos países
em relação às populações afetadas. É preciso contribuir para que
as consequências ainda existentes
desses fatos do passado, as que
persistem no presente, sejam corrigidas, sem que isso necessariamente envolva pagamentos e reparações pecuniárias. No nosso
caso, pensamos em políticas públicas e em ações afirmativas.
Folha - Que grupos são apontados como vítimas do racismo?
Saboia - Esse é outro debate, sobre como listar as vítimas e as bases de discriminação. Quais são as
vítimas? Os africanos, os afro-descendentes, os povos indígenas, as
minorias, os refugiados. Há uma
discussão sobre essas listas. Um
grupo de países quer limitar as vítimas àquelas listas já reconhecidas pelas convenções existentes,
porque há as vítimas propriamente ditas e as vítimas das chamadas múltiplas causas, ou causas agravadas ou conexas, que incluiriam mulheres, pessoas com
deficiência, homossexuais.
Folha - Será possível incluir esses
grupos?
Saboia - Vai ser muito difícil,
porque as decisões são tomadas
por consenso. Estamos procurando ajudar a fazer essa inclusão,
mas países islâmicos e países muito ligados ao catolicismo mais
conservador têm restrições à inclusão da orientação sexual.
Quando houve a votação do credenciamento de uma organização
de lésbicas, nós votamos a favor.
O credenciamento foi recusado
por um voto, mas outras organizações estão credenciadas.
Folha - Os países árabes querem
que o sionismo (movimento político e religioso judaico iniciado no
séc. 19 com o objetivo de criar um
Estado judaico) seja igualado ao
racismo. Como ficou esse ponto?
Saboia - Essa é a questão mais
difícil. Os Estados Unidos diziam
que não admitiam nenhuma referência sobre isso, agora já estão
dizendo que podem considerar
essa possibilidade, desde que seja
utilizada uma linguagem genérica, que se não mencione Israel explicitamente e que se baseie em
textos aceitos anteriormente.
Havia uma proposta de fazer
uma equiparação entre sionismo
e racismo, mas hoje há uma concordância de que isso não deve ser
feito. Os árabes continuam insistindo, mas o debate está evoluindo para se redigir algo aceitável
por todos. Isso está um pouco
longe de ser conseguido, vai ficar
para Durban.
Folha - Houve um rumor de que
os EUA boicotariam a conferência
de Durban por isso.
Saboia - Talvez os EUA tenham
acenado com essa possibilidade,
mas eles estão se esforçando para
ir a Durban. A conferência é importante para os EUA, eles são um
país multirracial. Os EUA não estão sozinhos em certas questões.
Nós também não aceitamos a
equiparação do sionismo ao racismo ou a relativização do Holocausto. Os países árabes mais radicais introduziram, acho que para efeito de barganha, sugestões
muito controvertidas sobre o Holocausto, dizendo que houve holocausto também dos palestinos.
Com isso o Brasil também não
concorda.
Não temos participado diretamente desse debate, mas queremos que a conferência se concentre nos temas centrais. Preferiríamos que questões regionais não
interferissem tanto. Se tiver de ser
feita uma referência, que seja uma
referência neutra, que diga respeito aos direitos humanos.
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