São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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CANDIDATOS NA FOLHA/ LULA

Evasivo, Lula poupa bancos, mídia e FHC

Juca Varella/Folha Imagem
Luiz Inácio Lula da Silva, ao centro, é sabatinado por jornalistas da Folha



Apresentando-se como avalista de um novo pacto social, candidato diz viver "fase positivista" ao evitar o confronto com adversários históricos do partido


DA REPORTAGEM LOCAL

O presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva, 56, empenhou-se em evitar qualquer espécie de confronto político, mesmo com setores historicamente combatidos pelo PT, na abertura da série "Candidatos na Folha", realizada ontem no Teatro Folha, em Higienópolis, zona central de São Paulo.
Evasivo diante de questões que poderiam atritar sua candidatura com grupos sociais ou econômicos, Lula poupou em diferentes momentos do debate o setor financeiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso, a mídia e o MST.
O petista foi sabatinado durante cerca de duas horas e 15 minutos por Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein e Luís Nassif, todos os três colunistas e membros do Conselho Editorial da Folha, além de leitores do jornal que, da platéia, participaram com perguntas. O teatro, com 312 lugares, estava lotado e o candidato foi aplaudido pela maior parte do público em diversos momentos de sua fala.
"Estou numa fase positivista", disse Lula, quando indagado sobre quais setores deveriam perder diante de sua proposta de reforma tributária. A seguir, evitou dizer claramente se os bancos, por exemplo, iriam pagar mais impostos em seu eventual governo. "Depende. Os bancos ganham muito porque o governo gosta que eles ganhem muito", disse.
Valendo-se frequentemente de exemplos familiares e domésticos para justificar suas opções políticas, Lula disse que "um avô é mais carinhoso com o neto do que o pai foi com o filho" ao se referir ao abrandamento de posições defendidas pelo PT.
Ao ser questionado por sua falta de experiência administrativa, o petista recorreu ao exemplo de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul. "Sabe qual era a experiência do Mandela? 27 anos de cadeia. Quando é eleito presidente, transforma-se no maior estadista da África do Sul. Sabe por quê? Porque o problema de governo não é administrativo. É político". Reiterando o que vem dizendo na campanha, Lula disse que pretende reeditar no país o Pacto de Moncloa [acordo político que viabilizou a transição para a democracia na Espanha em 1977].
Leia a seguir os principais trechos da abertura da série "Candidatos na Folha", que prossegue hoje com o presidenciável Ciro Gomes (PPS).

A participação de Lula começou com uma apresentação em que o candidato expôs as razões de tentar novamente a Presidência."Compreendemos que era preciso assumirmos um compromisso de resgatarmos as dívidas que o Estado brasileiro tem com uma parcela significativa da sociedade brasileira, principalmente os setores oprimidos da sociedade, aquela parte que não trabalha, aquela parte que ainda é vítima de preconceito e aqueles que desejam conquistar um pouco da sua cidadania", declarou.
"Um país do tamanho do Brasil com o potencial do Brasil, com vocação do Brasil não pode ficar à mercê da especulação, seja interna ou externa. Temos que acreditar que a produção é a única possibilidade que temos de gerar os empregos que o Brasil precisa, o crescimento da riqueza que o Brasil precisa e a distribuição de renda que o Brasil precisa."
"Poderiam perguntar para mim: bom, Lula, se é tão fácil assim, por que razão os outros não fizeram? Porque tem gente que acredita. Em política tem gente que acredita que esse rumo está certo e vai até cair no abismo."

ALIANÇAS
Em seguida, o jornalista Clóvis Rossi iniciou a série de perguntas, questionando a política de alianças adotada pelo PT nesta eleição. "Fizemos aliança política porque entendíamos que o PT não poderia sair numa eleição mais uma vez sozinho. O PL teve um comportamento exemplar nestes últimos seis anos, votando com a bancada da oposição no Congresso Nacional."
O colunista Gilberto Dimenstein questionou Lula sobre a hipótese, definida por ele como provável e possível, de, num segundo turno contra Ciro Gomes, ter o presidente Fernando Henrique Cardoso em seu palanque.
"Isso não depende da minha vontade. Isso depende da vontade do presidente da República enquanto eleitor." O jornalista perguntou se Lula poderia pedir esse apoio. "Não, não pediria. Por uma questão de respeito. Só quero conversar sobre o segundo turno no segundo turno. (...) Acho que o presidente Fernando Henrique Cardoso, nesse primeiro turno, deveria se colocar como uma espécie de magistrado."

TRAJETÓRIA DO PT
A editora-executiva Eleonora de Lucena perguntou se o PT em sua trajetória se aburguesou ou domesticou-se. "Você já se perguntou por que um avô é mais carinhoso com o neto do que foi com o seu próprio filho? Não é porque ele gostava menos do filho, é porque ele ficou mais maduro."
Rossi inquiriu se Lula estava errado antes. "Não, eu estava vivendo a experiência daquele momento. Eu me dei conta de que o PT que precisava construir era maior do que o PT de macacão que eu sonhava em construir."
Dimenstein perguntou se, em 1989, o brasileiro acertou em não votar em Lula, que admitiu ser menos experiente do que é hoje. "Não, porque votou em gente pior", disse sob aplausos.

ESTADO
O colunista Luís Nassif perguntou qual será o papel do Estado em um eventual governo Lula. "Sou defensor de um Estado forte, um Estado com autoridade, um Estado indutor do desenvolvimento, um Estado planejador. E isso não implica que o Estado tenha que fazer as coisas. O Estado pode ser forte, por exemplo, para não permitir que o preço do gás e da gasolina fique subordinado à política cambial."

REFORMA TRIBUTÁRIA
O petista defendeu a recuperação da "capacidade de interlocução entre o Estado e a sociedade brasileira". Foi questionado por Eleonora de Lucena sobre quem deve perder numa reforma tributária petista, já que há interesses contrariados quando ela é debatida. "Cabe ao presidente, como magistrado que deve ser, juntar todo o segmento da sociedade e construir uma proposta que não seja nem a minha e nem a sua, mas que seja a nossa. Em vez de falar quem vai perder, vamos falar em quem tem de ganhar. Estou numa campanha positivista. Quem tem que ganhar são os setores excluídos, porque política tributária pressupõe justiça social. Você cobra mais de quem tem mais para fazer políticas públicas para quem tem menos."
Nassif lembrou que uma das causas da crise brasileira é a alta carga tributária. "Se fôssemos trabalhar apenas com a contabilidade oficial, ninguém deveria ser candidato. Porque aí não tem jeito mesmo, deixa do jeito que está. Acontece que eu acredito [que possa mudar]. Quando casei com aquela galega ali [aponta para a mulher, Marisa], a gente foi pagar aluguel em São Bernardo do Campo e nós fizemos um juramento: vamos trabalhar 12 meses e vamos comprar uma casa. Quando chegou nos 12 meses não deu para comprar a casa. Aí fomos comprar uma casa, que não era a casa que eu queria", exemplificou sua política de fazer o possível.
O petista se disse convencido de que o governo está gastando mal.
"Por isso, estamos propondo que o governo pegue a proposta de política tributária que foi acordada no Congresso Nacional e coloque em votação. Ela tem três eixos: a desoneração da produção, das exportações e o fim do efeito cascata das contribuições. Isso para que a gente possa aumentar a nossa capacidade de exportação e ter um balanço comercial favorável. Vamos continuar amarrados, mas o que precisamos é pegar os recursos que há e gastar melhor. Vai ser um ano muito difícil, não estou aqui querendo vender que vai ser fácil não."

FMI E POBREZA
Eleonora de Lucena lembrou afirmação de Lula de que enquanto houver uma criança morrendo de fome no Brasil a dívida externa não deveria ser paga. A jornalista lembrou o acordo com o FMI, que exige metas a serem cumpridas pelo país. "Esqueça o FMI", disse Lula. "Não dá para abstrair uma realidade", rebateu a jornalista. "Uma coisa que quero assumir aqui é a seguinte: é plenamente possível garantir que, em quatro anos, neste país não haja uma criança fora da escola e que não haja uma criança que não vá dormir toda a noite comendo três refeições por dia. É plenamente possível", prometeu Lula.
Rossi questionou se isso seria factível cumprindo as metas de 3,75% de superávit primário e as metas de inflação definidas para o próximo governo, sob pena de o país não receber os US$ 34 bilhões do FMI, que parecem essenciais para fechar as contas externas.
"Esse é um problema do Brasil. O Brasil está sendo administrado do ponto de vista contábil. O Brasil não está sendo administrado do ponto de vista político ou do ponto de vista social. Um governo sério vai fazer com que as pessoas sintam o prazer de pagar os seus impostos. Porque um governo sério tem que devolver, em forma de benefício para a sociedade, o imposto arrecadado. Você pode arrecadar sem cobrar mais."

PACTO COM ELITES
Nassif e Eleonora perguntaram se Lula acha que a elite brasileiro mudou a ponto de aceitá-lo. "Todos nós avançamos, a elite brasileira avançou. Vou fazer uma coisa que o Fernando Henrique Cardoso falava muito em 1982, o famoso Pacto de Moncloa [acordo de transição na Espanha]. Aqui nunca foi executado porque não houve presidente que conversou menos com a sociedade do que Fernando Henrique Cardoso. Então queremos construir uma espécie de um novo contrato social. Juntar todos os setores organizados da sociedade e começar a estabelecer políticas públicas."
Rossi perguntou se um governo petista seria assembleísta, permanecendo em simpósios permanentes, sem tomar decisões. "Obviamente que vai decidir. O fato de um maquinista estar com o ajudante colocando lenha na máquina não significa que o trem esteja parado. Esse trem vai estar andando. Entretanto há coisas a serem feitas concomitantemente. Gostou do concomitantemente?", perguntou Lula, suscitando risos.
Eleonora questionou como será o diálogo com os sem-terra e Dimenstein perguntou o que acontecerá se invadirem a fazenda do presidente: "Bom, a minha não vão invadir porque eu não tenho fazenda. Somos a única chance e a mais importante possibilidade que o MST tem de ver acontecer no Brasil uma reforma agrária sem precisar ter uma ocupação de terra, sem nenhuma violência".

CRÍTICA DE CIRO
Dimenstein lembrou a afirmação de Ciro Gomes (PPS) de que é melhor candidato do que Lula porque o petista não tem experiência. "Olha, se for só por isso, é ruim o argumento dele. Não faço parte da turma do eu me amo, achando que sou o melhor do mundo. Eu não sou assim. Não sou melhor do que ninguém. Eu, no máximo, quero ser igual. Até porque tem uma coisa que eu digo todo dia: eu não sou resultado da minha inteligência, eu sou o resultado da evolução política da sociedade brasileira. Esse negócio de experiência me lembra o Mandela. Sabe qual era a experiência do Mandela? 27 anos de cadeia. Quando é eleito presidente, transforma-se no maior estadista da África do Sul. Sabe por quê? Porque o problema de governo não é administrativo. É político."

ARMÍNIO NO BC?
A leitora Luiza Rebouças perguntou se Lula manteria Armínio Fraga no Banco Central. "Só se o José Serra ganhar as eleições. Acho que o Armínio Fraga tem demonstrado ser uma pessoa tecnicamente preparada, mas temos muita gente no Brasil igual ao Armínio. Gente com um pensamentozinho mais próximo a nós."
Eleonora de Lucena perguntou se os bancos vão pagar mais impostos em um governo petista. "Depende. Acho que o mercado financeiro ganha muito hoje porque o governo gosta que eles ganhem muito, até porque o responsável pela política de juros é o governo."

RELAÇÃO COM A FOLHA
O leitor Márcio Alexandre Silva perguntou a Lula sobre a cobertura da Folha dos temas referentes ao PT e à sua candidatura. "O problema da Folha com o PT é um caso meio complicado, porque, quando a gente vem aqui reclamar, a Folha diz: todo mundo reclama. O problema da Folha é que acho que o cara melhor remunerado é o que bola a manchete. Às vezes a manchete é muito picante, você vai ler o texto e não há nenhuma razão para aquela manchete. A Folha tem uma coisa ruim na minha opinião que mexe muito com o PT. Uma notícia no Painel tem mais importância do que uma notícia no "Jornal Nacional". O pessoal lê muito o Painel da Folha de S.Paulo, pelo menos no PT. Como estamos naquela fase de que fale mal, mas fale de mim, pode falar do PT. Eu aprendi a não ficar bravo. Já briguei muito com a imprensa. Não estou mais a fim de brigar com a imprensa, não."

DE QUE VIVE LULA?
O leitor Anselmo Mantovani pediu a Lula que explicasse de que vive, já que não tem emprego privado nem cargo público. "Isso é coisa que mais me dá orgulho. Possivelmente eu seja o único dirigente partidário que não precisa arrumar um caixa dois para se sustentar. Eu recebo salário do meu glorioso Partido dos Trabalhadores. Registrado em carteira profissional com contribuição da Previdência Social, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Não sei até quando o José Dirceu vai querer que eu viva assim. Uma coisa que eu quero ajudar a sociedade brasileira a fazer é o seguinte: não temos que ter vergonha daquilo que a gente faz, se a gente faz corretamente. Estou no PT porque o PT está no meu sangue e, enquanto eu estiver fazendo política, vou ficar no PT. Enquanto o PT resolver que sou importante, o PT me paga. Eu sou, acho que tenho uma certa importância para o PT. Ganho menos do que qualquer jogador de bola de segunda divisão aí. O PT precisa aprender a valorizar mais seu passe, ô, José Dirceu", afirmou, em referência ao presidente nacional do partido, que estava sentado na primeira fila da platéia.



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