|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA JOSÉ AUGUSTO PÁDUA
PV sozinho não será capaz de bancar governo Marina
Historiador diz que senadora terá de buscar mais apoio para implementar suas ideias
Roberto Price/Folha Imagem
|
|
Historiador José Augusto Pádua, coordenador do Laboratório de História e Ecologia da UFRJ, em sua residência no Rio de Janeiro
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Ex-coordenador da área de
florestas do Greenpeace na
América Latina, o historiador
José Augusto Pádua, da UFRJ,
acha que a senadora Marina
Silva (AC) tentará depurar o PV
dos oportunistas "sem qualquer ligação programática com
o ambientalismo", mas mesmo
assim o partido não é suficiente
para implementar suas ideias.
Autor de "Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e
Crítica Ambiental no Brasil Escravista", ele diz que o "ambientalismo não pertence mais
aos ambientalistas" porque se
disseminou por diversas correntes e está no "coração do debate político contemporâneo".
FOLHA - O primeiro PV surgiu em
1972. O movimento se disseminou
pelo mundo inteiro, mas até hoje
não conseguiu se tornar o principal
partido em nenhum país. Por quê?
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA - Não se pode medir o crescimento político da temática ambiental pelo
crescimento dos chamados
Partidos Verdes, que são apenas um dos componentes de
um processo histórico maior. O
ambientalismo não pertence
mais aos ambientalistas e aos
verdes. A questão ambiental
tornou-se um fenômeno multissetorial, que está presente na
cultura, na mídia, nas negociações internacionais, nas instituições estatais, nas organizações empresariais e sindicais.
Ela está mais próxima do que
nunca do coração do debate político contemporâneo. É claro
que a existência dos PVs ajudou
a organizar o debate ambiental,
influenciando a visão dos diferentes partidos. E os verdes
têm sido capazes de manter
parte considerável do eleitorado, participando de coligações
de governo em vários países. É
a mais recente corrente política
internacional em processo de
consolidação, sendo portadora
de muitas das novas questões
da contemporaneidade.
FOLHA - O sr. diz que para criar um
modelo sustentável de desenvolvimento é preciso ter um bloco político forte, que seja capaz de transformar a economia. O PV brasileiro
vem crescendo, mas, como dizem
seus dirigentes, não tem a bancada
dos sonhos: só metade é de ambientalistas. Quais são as dificuldades
para transformar um movimento
ambiental em um grande partido?
PÁDUA - O PV brasileiro nasceu
nos anos 1980, no mesmo caldo
de cultura do movimento verde
internacional. De início era um
típico partido de ideias. Mais
tarde, em muitos casos, por
oportunismo ou instinto de sobrevivência, sucumbiu à tentação de tornar-se legenda de aluguel para políticos locais sem
qualquer ligação programática
com o ambientalismo. Apesar
de conseguir crescer, tornou-se
um corpo estranho e híbrido,
onde convivem lideranças realmente verdes com políticos
alheios, ou até antagônicos, aos
valores ecologistas.
Uma das apostas explícitas
de Marina Silva é a de participar de uma espécie de refundação da política verde no Brasil,
envolvendo necessariamente
uma depuração do partido e
uma retomada da proposta inicial. Mas é evidente que o ambientalismo possui um campo
de atuação política muito mais
amplo, não podendo confundir-se com um partido. Um novo modelo de desenvolvimento
só será possível com a formação de um bloco maior: na melhor das hipóteses, o PV poderá
vir a ser um dos catalisadores
ideológicos dessa nova política.
FOLHA - Mas o que o sr. quer dizer?
Que o PV sozinho não tem força para eleger Marina? Ou que Marina
não poderá governar só com o PV?
PÁDUA - As duas coisas são verdadeiras, mas pensei especialmente em um terceiro aspecto.
É provável que o PV, mesmo
unido com outros pequenos
partidos, não tenha força para
eleger Marina. Mas não podemos esquecer que a história recente apresenta o exemplo de
Fernando Collor, que cresceu
eleitoralmente sem possuir de
início uma base partidária relevante. É claro que se trata de
um caso bem diferente do de
Marina, até mesmo considerando o grande volume de recursos que alguns esquemas
empresariais forneceram à
campanha. Na eventualidade
de uma vitória da candidata,
por outro lado, é óbvio que ela
não poderá governar apenas
com o PV, sendo forçada a fazer
alianças. Em um sentido mais
amplo, porém, a construção da
capacidade política necessária
para uma transição ao desenvolvimento sustentável não poderá ser obra apenas do PV. Ele
poderia ser um dos catalisadores desse processo: precisaria
agregar os setores mais modernos e esclarecidos da política
brasileira. Ele requereria uma
verdadeira mudança de cultura
política e de visão de país. Apesar de não ser uma tarefa fácil,
não considero que tal proposta
seja utópica. Ela pode ser realizada através de políticas de curto, médio e longo prazo.
FOLHA - O sr. diz que o ambientalismo possui duas bases: há um
"ambientalismo da classe média urbana", incomodada com a especulação imobiliária e a descaracterização
das cidades, e um "ambientalismo
dos pobres", de seringueiros, catadores de babaçu, pequenos agricultores. O sr. acha que, com a ida de
Marina ao PV, os dois grupos acharam um representante comum?
PÁDUA - Quando se analisa a
história do ambientalismo brasileiro, a partir da década de
1970, é possível observar essas
duas vertentes. O avanço das
fronteiras capitalistas no mundo rural associou o desmatamento com a desarticulação
agressiva e autoritária de comunidades locais. Nas periferias urbanas do crescimento industrial, a poluição e a degradação das condições de vida se
tornou insuportável. Em ambos os contextos grupos locais
começaram a buscar alternativas ambientais, apesar de não
conhecerem o vocabulário do
ambientalismo internacional.
Os movimentos de classe
média também reagiram aos
problemas mencionados na
pergunta, mas estavam mais
antenados com a difusão internacional das ideias ambientalistas. Mais tarde, na década de
1980, aconteceu um encontro
entre essas duas vertentes, um
processo rico e natural de
aprendizado mútuo e abertura
de horizontes. A aproximação,
na época, entre Chico Mendes e
os criadores do PV é um exemplo concreto dessa convergência. Marina é hoje a mais perfeita tradução desse processo. De
suas raízes populares, incluindo uma alfabetização muito
tardia, ela se transformou em
uma das personalidades políticas mais antenadas com as discussões internacionais de ponta sobre o futuro da humanidade. Mais do que absorver, ela se
tornou de fato uma formuladora de ideias e valores ambientalistas em escala internacional.
É verdade que não se trata de
uma fundamentalista: sabe negociar e ser pragmática. Mas raros políticos brasileiros se
guiam tão fortemente por
ideias e valores. Ainda é cedo
para avaliar quais serão as consequências concretas de sua
entrada no jogo eleitoral. Mas
não é difícil observar que a política brasileira está profundamente carente de líderes que
sejam guiados por valores.
FOLHA - Hoje o debate político brasileiro está centrado no pré-sal. O sr.
acha que esse petróleo pode atrapalhar a consolidação de um modelo
de desenvolvimento sustentável?
PÁDUA - As descobertas do pré-sal chegaram em um momento
histórico complexo e bastante
ambíguo. Os combustíveis fósseis ainda dominarão o consumo energético global por um
período considerável, mas existe um consenso crescente sobre a necessidade crucial de se
fazer a transição mais rápida
possível para uma economia de
baixo carbono. Só que essa
transição não se dará de uma
hora para outra, apesar de não
poder mais ser adiada. Ou seja,
ela precisará envolver um processo claro e acumulativo de
mudança nos padrões dominantes de produção e consumo.
Não se trata, como se imaginava nos anos 1970, de um esgotamento das reservas de combustível fóssil, mas da impossibilidade de continuar utilizando-as no longo prazo. As reservas
de carvão mineral, bem mais
que as de petróleo, ainda são
muito grandes. Só que uma regressão do petróleo ao carvão
seria uma verdadeira tragédia
climática. O petróleo do pré-sal, portanto, será um empecilho ao desenvolvimento sustentável se servir para reforçar
o conservadorismo político e
econômico, estimulando a pertinência no erro da economia
de alto carbono. Mas é possível,
além de politicamente realista,
imaginar uma utilização que
seja cuidadosa, precavida e
conscientemente situada em
um contexto de transição ecológica. A ênfase estaria em utilizar esses recursos para promover os avanços educacionais,
tecnológicos e sociais necessários para a economia limpa do
futuro, para a construção de
um modelo sustentável de país.
A proposta do governo, em seus
traços gerais, não se choca com
essa visão. Mas é preciso que a
sociedade esteja atenta, pois
entre a retórica e a prática pode
existir um verdadeiro abismo.
Texto Anterior: Concorrência se acirra após declarações pró-Rafale Próximo Texto: Frases Índice
|