São Paulo, segunda, 13 de outubro de 1997.



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ENTREVISTA DA 2ª
Barreiras dos EUA só caem em acordos com o Nafta


Raio x

Nome: Paul Daniel Miller
Idade: 49
Estado civil: casado há 30 anos
Filhos: Scott, 29, e Elayne, 23
Formação: administração de empresas na Universidade de Evansville (Indiana) e pós-graduação em administração em Harvard
Cargo: vice-presidente-executivo da Whirlpool Corporation para a América Latina




ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

As barreiras colocadas pelos Estados Unidos à entrada de produtos brasileiros no mercado norte-americano só cairão no contexto das negociações para um acordo bilateral entre o Brasil e o Nafta (o acordo de livre comércio entre os EUA, o Canadá e o México), que seria o primeiro passo para a formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
É o que disse Daniel Miller, 49, presidente da Câmara de Comércio Americana de São Paulo em entrevista à Folha.
Miller terá uma reunião com Bill Clinton amanhã em São Paulo, mas acha que a ocasião não é apropriada para pedir ao presidente norte-americano a retirada dos obstáculos que dificultam as exportações brasileiras para os EUA.
Para ele, essa é uma questão para ser resolvida gradualmente, dentro do processo de aproximação do Mercosul com o Nafta. Os EUA deverão ter saldo recorde de US$ 5 bilhões no comércio com o Brasil este ano, segundo a AEB (Associação Brasileira de Comércio Exterior).
A curto prazo, o presidente da Câmara Americana de Comércio de São Paulo prevê mais investimentos norte-americanos no país.
Miller, que está há cinco anos no Brasil, é vice-presidente executivo para a América Latina da Whirlpool, empresa norte-americana que tem o controle acionário (66%) do grupo Brasmotor (geladeiras Brastemp). A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual é a importância da visita do presidente Bill Clinton ao Brasil?
Daniel Miller -
Acho que é muito importante porque reforça a importância das relações entre os dois países. A visita dá aos nossos presidentes a oportunidade de conversar frente a frente e não por meio de outras pessoas. Poder conversar olho no olho é muito importante.
Folha - Frequentemente se diz que visitas desse tipo são mais um exercício de relações públicas do que qualquer outra coisa. O sr. espera resultados práticos?
Miller -
Espero que seja uma visita positiva para acelerar as negociações para a formação da Alca. Gostaria de ver mais progresso nessas negociações antes da segunda cúpula das Américas, em Santiago, no ano que vem.
Em termos de acordos específicos de comércio, acho que alguns podem ser assinados, mas não serão tão significativos quanto se espera para a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias que dificultam as exportações brasileiras para os EUA.
Folha - Qual é a posição da Câmara Americana de Comércio com relação à Alca?
Miller -
Queremos ver a Alca tornar-se uma realidade. Apoiamos o início da Alca em 2005, mas o Brasil e outros países da América do Sul precisam de mais tempo para tornarem suas indústrias mais competitivas, por meio de investimentos em modernização tecnológica e treinamento de pessoal, e concluírem as reformas estruturais e o programa de privatização.
Folha - Mas os EUA estão colocando o Brasil e demais países latino-americanos sob pressão para antecipar a formação da Alca?
Miller -
Na minha opinião, essa pressão é necessária para que as negociações para a Alca estejam concluídas por volta da data alvo de 2005.
Folha - Quais os objetivos dessas negociações?
Miller -
No caso do Brasil, o objetivo deveria ser o estabelecimento de acordos bilaterais para redução de tarifas aduaneiras e eliminação de bitributação entre o país e o Nafta. Defendemos um acordo de livre comércio entre o Mercosul e o Nafta. É um passo importante para a formação de uma zona de comércio livre nas Américas.
Folha - A chamada "agenda positiva" do encontro entre os presidentes Clinton e Fernando Henrique Cardoso inclui a assinatura de convênios, mas deixa de fora as divergências sobre comércio. Em particular, a Câmara vai pressionar o presidente Clinton para remover as barreiras comerciais?
Miller -
Acreditamos que a remoção de barreiras deve acontecer no contexto das negociações para a Alca. As pressões para a remoção de tarifas e barreiras devem ser feitas pela Organização Mundial de Comércio. Não acredito que pressionar o presidente Clinton seja a melhor forma de resolver as divergências comerciais entre os EUA e o Brasil.
A melhor oportunidade para isso ocorrerá na reunião entre o secretário de Estado de Comércio, William Daley, e o ministro Francisco Dornelles (Indústria e Comércio), da qual participarei, que acontecerá terça-feira (amanhã), na sede da Câmara Americana, em São Paulo.
Vamos expor a Daley nossos pontos de vista sobre as barreiras comerciais. Esperamos que sejam levados em consideração pelo governo norte-americano.
Folha - Qual é a sua mensagem ao presidente Clinton?
Miller -
Em geral, muito positiva. Vou agradecer a visita e dar apoio à transformação da idéia da Alca em realidade.
Na minha saudação ao presidente na quarta-feira, quando ele fará uma palestra a nosso convite no Memorial da América Latina, vou incentivá-lo a prosseguir com a Alca e agradecê-lo pelo apoio a projetos de educação no Brasil.
Folha - O que o empresariado norte-americano e brasileiro ligado à Câmara de Comércio gostaria de ouvir do presidente Clinton?
Miller -
Que os EUA vão ser abertos a produtos e serviços brasileiros. Que os EUA pretendem fazer mais investimentos no Brasil e participar das privatizações.
É isso que o empresariado quer ouvir: iniciativas para o fortalecimento e a abertura do comércio entre os dois países.
Folha - O lobby do capital americano no Brasil conseguiu alcançar várias metas que defendia, tais como a eliminação da discriminação constitucional contra o capital estrangeiro e a a Lei de Patentes. E agora, quais são as preocupações dos investidores dos EUA?
Miller -
Muito progresso foi feito desde a introdução do Plano Real. Esse é para valer. Não vai fracassar como os planos baseados no congelamento de preços. O que é necessário agora é uma ampla reforma tributária e o ajuste fiscal.
São passos importantes para a redução do custo Brasil. O país também precisa investir mais em educação, concluir a reforma da Previdência Social e manter o atual ritmo da privatização.
Folha - A reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso é vital para a continuação das reformas ou não importa?
Miller -
Espero ele seja reeleito. Mas, se não for, não tem importância, porque a continuação das reformas é hoje um desejo da sociedade brasileira. O Plano Real deixou claro aos brasileiros que o país pode melhorar o seu padrão de vida. A população não apoiaria uma brusca mudança de rumo.



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