São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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NO PLANALTO

Justiça do Maranhão paga R$ 3.300 a uma doméstica

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

E la se chama Alberlila Pereira Silva. Seis meses atrás, ao fazer faxina para a patroa, deu de cara com contracheques e papéis que traziam o seu nome e o de seu companheiro, Antonilson Castro Moreira, também empregado da casa.
Mulher de primeiras letras, Alberlila levou os documentos para Antonilson -singelo como ela, mas mais versado no abecedário. Descobriram que haviam sido contratados em 15 de janeiro de 2002 pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Sem saber, tornaram-se agentes judiciários administrativos.
Alberlila com remuneração bruta de R$ 3.340 por mês (R$ 2.832,83 depois dos descontos). Antonilson, com R$ 3.117,40 (R$ 2.676,93 líquidos). Vencimentos de sonho para quem estava habituado ao salário mínimo.
Como não vira a cor do dinheiro nem dera expediente no tribunal, Alberlila foi ao escritório do Ministério do Trabalho em São Luís. Aconselharam-na a procurar o Ministério Público Estadual. A promotoria tomou-lhe o depoimento. Ela disse:
1) o nome da patroa era Giselita Gonçalves Ribeiro. Uma assessora da desembargadora Etelvina Ribeiro Gonçalves, que, além de sua tia, é presidente do TJ-Maranhão;
2) junto com os contracheques, Alberlila recolheu na faxina talões de cheque em seu nome e no de seu marido, declaração que a patroa lhe pedira para assinar sem explicar que se tratava de procuração para movimentar conta bancária e cópias dos contratos de trabalho com o tribunal;
3) contou que a patroa havia prometido a ela e ao companheiro empregos no Judiciário. Chegaram a assinar contratos. Previam remuneração mensal de escassos R$ 180. Mas o assunto morreu;
4) de fato, o valor anotado nos contratos entregues à Promotoria era de R$ 180. Dois detalhes intrigaram os promotores: os contratos traziam a assinatura de Etelvina Ribeiro Gonçalves, a presidente do TJ-Maranhão. E os contracheques incluíam generosas gratificações. Daí os vencimentos acima de R$ 3.000.
Os promotores foram ao banco com Alberlila e Antonilson. As contas funcionais dela e do marido vinham sendo mesmo movimentadas, mediante procuração, pela patroa Giselita, a sobrinha da presidente do tribunal. Convocaram-na para depor.
Ao perceber-se pilhada, Giselita assumiu toda a culpa pela malfeitoria. Reconheceu que sacava mensalmente os salários de seus empregados;
Os promotores não puderam, no entanto, ignorar as assinaturas de Etelvina, a presidente do tribunal, nos contratos. E como não têm legitimidade para investigá-la, remeteram os autos para cima.
Ao receber o processo, o procurador-geral do Ministério Público Estadual do Maranhão, Raimundo Nonato de Carvalho Filho, também arremessou o caso para o alto. Guiando-se pela Constituição e pela lei que rege a magistratura, enviou o processo para Brasília, em 27 de setembro. Só o STJ (Superior Tribunal de Justiça) pode questionar atos de desembargadores.
O caso repousava nos escaninhos do STJ até a última quarta-feira. Reagindo a um telefonema do repórter à sua assessoria, o presidente do tribunal, ministro Nilson Vital Naves, determinou o recebimento da notícia-crime. Na quinta-feira, o ministro Peçanha Martins foi sorteado para relatar o caso.
O processo será enviado ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, "el engavetador". Se julgar que há indícios de ilicitude, o caso seguirá adiante.
O repórter tentou, de quarta a sexta, conversar com a desembargadora Etelvina. Ela preferiu delegar os esclarecimentos ao secretário de Comunicação, Félix Alberto Lima, e ao diretor-geral do tribunal, Francisco de Assis Coelho.
Informaram basicamente o seguinte:
1) Etelvina foi "induzida a erro" pela sobrinha Giselita, sua assessora desde 1999. Assumira a presidência do TJ-Maranhão em 28 de dezembro de 2001. Duas semanas depois, os contratos micados aportaram em sua mesa. Assinou-os "inadvertidamente";
2) invocando o nome da tia, Giselita ludibriou outros funcionários do tribunal. Injetou nos contracheques dos empregados domésticos gratificações irregulares;
3) arrependida, Giselita "tentou reverter as contratações" em março. Como não conseguiu, confessou o malfeito à tia-presidente;
4) a desembargadora Etelvina "ficou indignada". Mandou à rua, em abril, Alberlila e Antonilson. Podia exonerar a sobrinha de bate-pronto. Preferiu suspendê-la, sem prejuízo dos vencimentos, por 60 dias. Abriu uma sindicância;
5) embora datado de 26 de março, o ofício com as providências de Etelvina só chegou ao "Diário de Justiça" em 23 de maio, dois dias depois do depoimento da doméstica Alberlila aos promotores;
6) ouvida pelos sindicantes do tribunal, Giselita confessou o estelionato. Teve a suspensão prorrogada por mais 30 dias, com vencimentos preservados. Só foi exonerada em 2 de julho. Antes, restituiu ao tribunal R$ 19.531,80. A soma do logro exclui gastos como o Imposto de Renda recolhido na fonte;
7) as conclusões da sindicância foram entregues ao Ministério Público.
O contribuinte brasileiro descobre que, não fosse a faxina de uma doméstica atenta, talvez ainda estivesse ajudando a fornir os bolsos de uma sobrinha esperta o bastante para ludibriar uma tia distraída.
A despeito das reiteradas confissões, não há notícia de processo aberto contra Giselita. Por ora, puniram-se apenas as vítimas. Alberlila e Antonilson perderam empregos que não chegaram a exercer. E já não recolhem impurezas na casa de Giselita.


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