São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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SEGUNDO TURNO

Segundo interlocutores do presidente, ele considera escassas as chances de Serra reverter o favoritismo de Lula

FHC prevê cenário sombrio para sucessor

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Fernando Henrique Cardoso acha que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é franco favorito na disputa pela Presidência da República. O candidato governista José Serra (PSDB) pode reverter o quadro a seu favor. Mas são escassas, na opinião do presidente, as chances de êxito.
Na última semana, FHC abriu espaço na agenda para contatos políticos. Articulou abertamente em favor de Serra. Tenta sobretudo juntar em torno do tucano os cacos do consórcio político que deu suporte à gestão dele.
A Folha ouviu alguns dos interlocutores de FHC. Sob o compromisso do anonimato, revelaram as aflições do presidente com a perspectiva de êxito de Lula. Algumas delas:
1) FHC mostra-se convencido de que, confirmada a vitória do PT, o Brasil viverá uma fase de enorme privação financeira. Os investidores internacionais vão colocar o país "no freezer" por uns dois anos. O comportamento arredio do dinheiro estrangeiro nesta fase de campanha eleitoral seria um indicativo do que vem pela frente;
2) A retomada dos investimentos, vitais na opinião de FHC, dependeria do comportamento do PT na Presidência. O fluxo de dólares só se normalizará se a retórica moderada do Lula candidato se materializar no cotidiano administrativo do Lula presidente;
3) O presidente acha que não há ambiente para a implantação de um governo "ideológico", com viés esquerdista. Se ceder à tentação, Lula será tratado a pão e água pela banca internacional e pelos Estados Unidos, maior parceiro comercial do Brasil;
4) Sob George W. Bush, os EUA não têm experimentado uma gestão iluminada. Preferia o estilo de Bill Clinton, mais "sofisticado". A resistência do PT às negociações para a implantação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) provoca arrepios no Departamento de Estado americano;
5) Não custa, crê FHC, que o governo americano enxergue na América Latina o risco de uma aliança Brasil-Venezuela-Cuba, impulsionada pelas relações amistosas que Lula mantém com Hugo Chávez e Fidel Castro;
6) Em reação, Bush não hesitaria, afirma o presidente, em priorizar o soerguimento econômico da Argentina, hoje entregue à própria sorte. Empreenderia esforço para estabelecer um contraponto geopolítico à liderança hemisférica do Brasil;
7) A ação militar dos EUA contra o Iraque, que FHC julga irreversível, irá submeter um eventual governo petista a desafios ainda maiores. A cena econômica internacional, já conturbada, tende a se turvar de vez. A insegurança crescerá junto com as cotações do preço do petróleo;
8) Sob o comando de José Serra, embora submetido às mesmas adversidades, o Brasil atravessaria a turbulência com mais facilidade. A preferência da banca internacional pelo candidato do governo atenuaria as desconfianças quanto ao futuro da economia brasileira;
9) FHC distribui palpites sobre a condução da campanha de Serra. Na sua avaliação, o amigo não pode se deixar levar pela estratégia do PT, que tentará transformar o segundo turno das eleições numa disputa plebiscitária entre governo e oposição;
10) A seu juízo, o tucanato deve, em contraposição, expor as contradições ideológicas do PT. Algo que, de certo modo, o candidato tucano já vem fazendo ao declarar que, ao contrário do opositor, não tem "duas caras";
11) Embora disposto a ajudar no que for preciso, FHC cuida para preservar o que classifica de "comportamento de magistrado". Quer manter o comportamento que se espera de um presidente. O vocábulo que emprega é "compostura";
12) FHC manifesta o desejo de manter abertos os canais de interlocução com Lula. "Deixarei a Presidência da República, não a vida pública", afirma;
13) Considera-se detentor de um "prestígio internacional" que pode ser útil ao país no futuro, seja qual for o nome de seu sucessor. "Quero ajudar", adiciona. É essencial, acredita, que Lula guarde uma boa impressão de sua conduta, para que não recuse o auxílio caso venha a ser eleito;
Pelo menos um dos interlocutores ouvidos pela Folha notou uma ausência nos comentários de FHC: a autocrítica. Em nenhum momento o presidente incluiu entre os fatores que contribuem para a instabilidade do país a vulnerabilidade das contas nacionais. Nenhuma palavra, por exemplo, sobre a dívida pública de R$ 780 bilhões, em valores de agosto.
É como se, na sua opinião, toda volatilidade que se tem observado fosse decorrente exclusivamente da combinação do cenário internacional hostil com a percepção de que Lula está na bica de tornar-se presidente.


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