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ELIO GASPARI
Ao andar de cima, anistia. Ao de baixo, camisinha
O prefeito Cesar Maia
conseguiu duas manchetes sucessivas de "O Globo". Na
primeira, revelou que as comunidades pobres da cidade continuariam se expandindo:
"O grande problema do crescimento das favelas, a partir
dos anos 80, é a taxa de fertilidade da favela, superior à da
não-favela".
No dia seguinte, informou
que encaminhará aos vereadores um projeto de lei que regularizará as expansões feitas nas
coberturas dos edifícios da cidade.
O grande problema do crescimento das favelas não são as
crianças pobres. São os prefeitos, ministros e presidentes de
Pindorama. Quando Cesar
Maia diz que o aumento do número de crianças nascidas em
favelas gera mais comunidades
pobres, enuncia uma verdade
estatística e um engano histórico. De fato, o crescimento demográfico das favelas é quatro
vezes superior ao da cidade.
Metade desse inchaço viria da
reprodução dos pobres. Muita
gente boa acredita que o elevado número de crianças nascidas no Nordeste é uma das causas da miséria nacional. Dona
Lindu, a mãe de Lula, teve sete
filhos. Todos contribuíram para o progresso de Pindorama,
ora como operários, ora como
diaristas.
No espaço de uma geração, de
1970 a 2003, a taxa de fertilidade nacional caiu de 5,7 filhos
para 2,2. De acordo com a teoria herodiana do aumento da
renda pela redução do número
de capitas, a isso deveria ter
correspondido alguma melhora
na distribuição da riqueza nacional. O índice de Gini, termômetro da desigualdade social,
estava em 0,59 em 1970. Está
em 0,55. O Brasil ficou com
uma taxa de fertilidade semelhante à americana e manteve
uma distribuição da renda pior
que a de Zâmbia.
A segunda observação de Cesar Maia dá uma pista para se
entender algumas das causas
desse pastelão. Ele promete regularizar as edificações das coberturas, retirando-lhes o estigma da ilegalidade. Isso lhes elevará o valor em algo entre 10%
e 20%. Aos puxados do andar
de cima, racionalidade, anistia
e votos de bem-estar. Às casas
do andar de baixo, construídas
em terrenos sem titulação, descaso e votos de abstinência, camisinha ou laqueadura.
Salvo algumas iniciativas
bem-sucedidas em São Paulo e
em Salvador, apesar das promessas (inclusive de Lula), poucos são os governos que conseguem fazer alguma coisa para
legalizar a posse dos imóveis
nas comunidades pobres. Uma
pesquisa do Instituto Futuro
Brasil mostrou que oito em cada dez favelados paulistas moram em casa própria, mas só
14% deles conseguem legalizar
suas propriedades. O economista peruano Hernando de Soto
escreveu um magnífico livro sobre a esterilidade do ervanário
dos pobres. ("O Mistério do Capital - Por que o Capitalismo
Deu Certo no Ocidente e Fracassa nos Outros Lugares").
Mostrou que o andar de baixo
do Terceiro Mundo e do falecido bloco comunista está montado num patrimônio de US$
9,3 trilhões condenados à informalidade. Isso equivale ao valor de todas as companhias listadas nas bolsas dos 20 países
mais desenvolvidos. Na conta
de De Soto estão os imóveis e os
pequenos negócios. Pode-se supor que as casas da patuléia representam mais de US$ 5 trilhões. Chutando, é possível que
o andar de baixo de Pindorama
esteja montado em algo como
US$ 20 bilhões.
O problema das cidades brasileiras não é a pobreza. É a
maneira como o andar de cima
(e seus governantes) olham e
julgam o de baixo. Há cerca de
um século, Jorge Americano, jurisconsulto e memorialista paulistano, ouviu dois maganos
discutindo a crise do café e
guardou a lembrança do que
diziam:
"Virão então os planos de salvação, como o de Domingos Jaguaribe, que aconselhou criar
macacos amestrados para colher café sem pagar salário.
Bastaria um bananal ao lado
do cafezal e o próprio macaco se
incumbia de colher também o
alimento".
Serviço: o delicioso "São Paulo Naquele Tempo (1895-1915)",
de Jorge Americano, está nas livrarias. Conta como, em 1912,
os paulistas fantasiados de ingleses faziam a caça à raposa,
sem raposa.
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