São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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A professora reapresenta o Fitzcarraldo cubano



A professora Denise Rollemberg, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, produziu um detalhado estudo sobre uma das tramas mais misteriosas da história recente brasileira. Chama-se "O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil: O Treinamento Guerrilheiro". Deve ser publicado no circuito acadêmico ainda neste ano. Até hoje, o conhecimento que se tinha desse episódio vinha de depoimentos esparsos da esquerda. Durante quase dois anos, a professora pesquisou nos arquivos do Dops, sistematizou opiniões, aprofundou episódios pouco discutidos e chamou atenção para um mistério, o massacre do Grupo Primavera, que resultou na morte de 22 dos 26 militantes que o compunham.
Fidel Castro amparou três projetos guerrilheiros no Brasil. O primeiro, ainda durante o regime democrático, no governo João Goulart. À essa época, tinha como cambondo o chefe das Ligas Camponesas, Francisco Julião. Acabou em roubalheiras, mentiras e cadeias. Depois, patrocinou Leonel Brizola, que montaria três focos, um dos quais ficaria próximo à Bolívia. No meio da mata boliviana, Che queria saber dele. Morreu querendo. Outro ficou na serra de Caparaó, em Minas Gerais, e dissolveu-se ainda na fase de treinamento, quando foi descoberto pelo Exército.
Na terceira tentativa, Cuba treinou e apoiou organizações armadas da esquerda que sonhavam com bases guerrilheiras no mato e, para isso, praticavam assaltos e atos terroristas.
O trabalho reuniu depoimentos de brasileiros que treinaram em Cuba e documentos militares achados nos arquivos do Dops. O Centro de Informações do Exército listou 219 pessoas suspeitas de terem passado pelas centrais de treinamento cubanas. (Outra conta, feita pela Marinha, ficou em 137.) Mais da metade dessa tropa foi composta por militantes da Aliança Libertadora Nacional, de Carlos Marighella. Entre 1968 e 1971 ela mandou a Cuba 92 quadros. Recebiam instrução militar num quartel próximo a Havana e treinavam na mata da província de Pinar del Rio. A partir de 1971, a máquina repressiva da ditadura classificou-os como "cubanos". Capturados, eram assassinados. Escondiam-se os homicídios noticiando-se confrontos inexistentes. Num caso, documentou-se a morte de um "cubano", em dois dias diferentes, em dois lugares diversos de São Paulo.
Passados 30 anos, muitos militantes da ALN lembraram o programa cubano de pós-graduação revolucionária como uma fantasia inepta. Por exemplo: o acampamento guerrilheiro na floresta tinha água encanada. Mais: as refeições eram servidas regularmente, em caminhões de rancho do Exército, e os guerrilheiros dormiam em camas.
A professora entrevistou Carlos Eugênio Sarmento da Paz, o legendário "Clemente" da ALN, que conseguiu escapar da polícia de 1967. Seu depoimento lança mais luz sobre uma das propostas mais malucas surgidas em Havana. Ela partiu do general Arnaldo Ochoa, comandante das tropas da capital e quindim de Fidel. Em junho de 1973, quando a ALN já estava dizimada no Brasil, Ochoa propôs a Carlos Eugênio que entrasse na Amazônia com um barco fortemente municiado e tripulado por cem guerrilheiros cubanos e brasileiros. O general dispunha-se a vir junto. Já tomara uma surra ao tentar invadir a Venezuela, mas tinha fé: "Isso não é um plano meu. Fidel sabe e jamais admitirá publicamente".
Era a versão guerrilheira de Fitzcarraldo, o irlandês doido que pretendia levar o tenor Enrico Caruso para o Alto Amazonas e, para isso, entrou no rio com um barco de 30 toneladas. Nele havia um teatro de ópera. (Com Klaus Kinski no papel principal do filme de Werner Herzog, de 1982.)
Fitzcarraldo queria disseminar cultura. Ochoa queria semear guerrilhas. Teria dado um grande filme, mas a ALN rebarbou a idéia.
Ochoa viria a combater na Nicarágua, na Etiópia e em Angola. Em 1989, depois de um processo farsesco, foi fuzilado em Havana, acusado, entre outras coisas, de tráfico de drogas e contrabando de diamantes.
Mesmo esbarrando em algumas portas fechadas à esquerda, a professora Rollemberg avança um pouco no grande mistério que envolveu o retorno da última turma de 26 "cubanos". Formavam o chamado Grupo Primavera. Começaram a chegar no final de 1971 e em menos de um ano os 22 que foram localizados estavam mortos.
Caíram numa arapuca. Os documentos da ditadura confirmaram a suspeita de que estavam sendo vigiados desde Cuba. Quem os seguia, não se sabe. Botar a culpa no cabo Anselmo, que passara por Havana e passara a trabalhar para a polícia, parece ser uma resposta de facilitário. Pode ter sido coisa de um cubano que passou para os Estados Unidos. Pode ter sido qualquer coisa. Como diz a professora:
"O que há, na verdade, são suposições, possibilidades, suspeitas e, parece-me, episódios que são guardados a sete chaves e quem conhece não fala".

Tucanos em Bali
É com grande tristeza que se registra aqui que FFHH vai à Ásia e o seu programa inclui duas jornadas de repouso na ilha de Bali, paraíso de milionários que não têm o que fazer.
A parada foi justificada pela falta de segurança e acomodações em Timor. Como diz FFHH, vida de rico é muito chata. Quando o sujeito não tem onde dormir em paz, acaba dormindo em Bali.

O caviar do poder
Ou o Palácio do Planalto está distribuindo uma agenda de FFHH que não revela quão pesado é o fardo de governar o Brasil ou esse fardo pesa muito pouco.
Noves fora a falta de cuidado, repetindo os compromissos de um dia e omitindo os de outro, a agenda presidencial informa que FFHH passou as duas primeiras sextas-feiras no Alvorada. Não há registro do que fez na terça-feira, dia 2.
Nos primeiros 11 dias deste ano, FFHH só recebeu em audiência três pessoas estranhas ao governo (o reitor da Universidade de Notre Dame, o governador de Roraima e a presidente do Comitê Brasileiro para o Ano Internacional do Voluntariado, Milu Vilela).
Afora os assessores com quem se reúne todo dia, recebeu oito de seus 15 ministros. Nenhum foi recebido duas vezes. Não despacharam pessoalmente com FFHH: Pedro Malan (Fazenda), Paulo Renato Souza (Educação), José Serra (Saúde) e José Gregori (Justiça). Não recebeu quaisquer outros servidores públicos. Participou de três reuniões de trabalho e quatro cerimônias.
Quem quiser conferir deve ir ao endereço www.radiobras.gov.br. Lá, no item "Presidente da República", selecione "Agenda do presidente".


Confederação Nacional de Sonegadores?



Crédito: Sisson + Folha Imagem + Alex Freitas
Legenda: Na montagem, o presidente da CNI, Moreira Ferreira

O doutor Carlos Alberto Moreira Ferreira pode vir a destruir a Confederação Nacional das Indústrias. Não se pode dizer que isso signifique grande dano à industria ou à nação.
Em julho do ano passado ele enriqueceu a história da instituição assinando um manifesto de empresários que pedia "serenidade e prudência" na investigação das denúncias de corrupção que envolviam a figura de Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência.
Na quarta-feira noticiou-se que a CNI estava pronta para arguir a inconstitucionalidade das leis que permitirão ao governo ampliar o combate à sonegação. No dia seguinte Moreira Ferreira informou que a CNI estudará o caso nos próximos dias. Tomara que estude bem.
O doutor Moreira Ferreira é cidadão e deputado. Se acha que essas leis (ou quaisquer outras) são inconstitucionais, tem o direito, e até a obrigação, de ir ao Supremo Tribunal Federal. A Ordem dos Advogados de São Paulo, que não pagará pelos pareceres de seus profissionais, achou que deveria fazê-lo e assim o fez. O que não se entende é o que é que a CNI, cujos pareceristas são remunerados, tem a ver com isso.
Não há relação nenhuma entre sonegação de impostos e produção industrial. A associação dos interesses da confederação aos dos sonegadores servirá apenas para desmoralizar a indústria nacional, tarefa na qual o governo tem se empenhado.
A quem é que a CNI vai se juntar? Ao senhor Bilderbach, titular do CPF 999.888.777-14, descoberto pelo repórter Josias de Souza. Ele mora em Brasília, movimentou mais de R$ 20 milhões em 1999 e não pagou um centavo ao Imposto de Renda. Bilderbach tem senso de humor, um gerente amigo e algum conhecimento dos cálculos matemáticos que geram um número de CPF. Em alemão o seu nome significa "invenção do passado". O gerente (de banco conhecido) abriu-lhe uma conta sem desconfiar da coincidência de números. Os dois últimos algarismos, produzidos por uma combinação dos anteriores, estão de acordo com as combinações produzidas pela Receita.
O que o governo quer, e a Procuradoria da República já está buscando, é a identidade das pessoas envolvidas com a abertura da conta de Bilderbach. Ele não existe, mas aí é que está a graça da coisa. Seus amigos sabem quem ele é.
A Receita já listou 1.800 casos de pessoas físicas e jurídicas com movimentação financeira grotescamente incompatível com as declarações de renda. Pescaram gente que moveu mais de R$ 5 milhões. Numa estimativa mais do que conservadora, esse pedaço da sonegação (de todos os impostos) vale pelo menos R$ 1 bilhão. É dinheiro equivalente a pouco mais de um mês de todo o Imposto de Renda pago pela escumalha.
Será que a CNI consegue a assinatura de cinco industriais assumidamente sonegadores para co-patrocinar sua iniciativa? Nem o doutor Bilderbach, caso existisse, teria tamanha coragem.

No Primeiro Mundo isso não acontece...



Costuma-se acreditar que as grandes empresas americanas são exemplos de eficácia e que os brasileiros, por conta de sua herança escravocrata, são espertalhões, um povo de devotos da Lei de Gerson.
Pois aqui vai um caso, em duas cenas:
A livraria Barnes and Noble é a maior vendedora de livros dos Estados Unidos e tem um serviço de atendimento internacional pela Internet, competindo com a Amazon.
Ela conseguiu atrasar em três meses as compras de uma de suas vítimas paulistas (cobrando-lhe, é claro, as tarifas de entrega aérea). Quando o incauto reclamou, foi informado de que a demora se devera a um problema ocorrido com o seu cartão de crédito. Era mentira. No melhor estilo 0800, suas mensagens eram respondidas por máquinas que expelem textos padronizados e desconexos.
O silvícola esqueceu-a e foi fazer negócios com a Amazon. Desistiu até de reclamar.
Há dias, o desafortunado recebeu uma carta de outro brasileiro, do Rio. Cliente da Barnes and Noble, recebera um pacote endereçado a ele, com o livro faturado ao outro.
Escreveu-lhe uma carta informando o ocorrido e pedindo instruções para o envio da encomenda. Chama-se João Monteiro.


Papagaiada
Se os médicos do governador Mário Covas ficarem calados, prestam um serviço à medicina brasileira, a ele e à patuléia.
Covas padece de câncer e vem dando um exemplo de valentia e estoicismo. Faz isso com as forças e a inteligência que o tornaram um dos grandes políticos de sua geração.
O que ele menos precisa é de papagaios de paciente.


Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror à música. Ela socorre os desconectados do idioma e concedeu uma de sua bolsas de estudo ao vice-presidente da Unisys, Victor Reis, pela seguinte pérola, ao explicar os serviços que sua empresa presta à Dataprev :
"Todo ambiente de missão crítica requer, por natureza, soluções que garantam alta disponibilidade e desempenho a seus sistemas, estando a Dataprev inserida nesse contexto devido à importância do processamento de dados da Previdência e Assistência Social no atendimento ao cidadão brasileiro".
Madame supõe que ele tenha pretendido dizer o seguinte:
"Os dados da Dataprev são relevantes".


Cautela
Do senador Antonio Carlos Magalhães a respeito da possibilidade de sua candidatura à Presidência da República:
- Esse tipo de decisão é muito difícil para um baiano. Se o Rui Barbosa foi derrotado duas vezes, quem sou eu para achar que vou ganhar?


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