São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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HISTÓRIA
Levy Cardoso, ex-presidente da Petrobras, começa a escrever sua autobiografia para deixar aos netos e bisnetos

Último marechal do Brasil chega aos 100

ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO

Ele é uma dessas pessoas privilegiadas e únicas. Privilegiada porque testemunhou a passagem do século 20 inteiro para dizer, do alto de seus 100 anos, que "viu três séculos". E única porque entrará para a história brasileira como o último dos marechais.
O mais alto posto do Exército, ocupado por personagens emblemáticos -como Deodoro da Fonseca, proclamador da República, e Cândido Rondon, defensor e estudioso da causa indígena-, foi extinto em 1967.
Há quase 35 anos, o marechal Levy Cardoso guarda em bom estado a pesada túnica que leva cinco estrelas, status que nenhum militar mais terá em tempos de paz, cravada de condecorações.
O marechal se diz pouco religioso, mas volta atrás: "Deus me privilegiou em todos os sentidos". Escapou da peste bubônica aos seis meses e voltou ileso da Itália na Segunda Guerra Mundial, onde ficou quase um ano, para assistir ao homem pisar na Lua, feito que destaca como o mais impressionante do século, além do rádio, da TV, do carro e da Internet.
"Ainda não uso, mas, como sou muito velho, não sei se terei tempo de usar." Sua mulher, Maria da Glória, 95, interrompe. "Vai sim. Você disse que me levaria até os 100." "Vamos ver", responde.
É nesse tom de brincadeira que o marechal, que na infância via lanterna mágica como se fosse cinema ("havia uma lanterna projetando imagens paradas"), diz que, para o século 21, gostaria de ver o homem chegar a Marte.
Carioca, morador de Copacabana, Waldemar Levy Cardoso exibe disposição surpreendente para a idade. Diz que "todo artilheiro é surdo", referindo-se a uma dificuldade nem tão grande assim em ouvir. Não é preciso gritar para falar com o marechal, que ainda se encarrega das idas ao mercado: "Quando cheguei aos 80, sabia que chegaria aos 100. Eu me sentia tão jovem. E ainda me sinto".
Cardoso se rebelou na Revolução de 1930, quando era tenente, em Itu (SP). Teve de se esconder, foi preso, e dividiu a cela com o brigadeiro Eduardo Gomes, um dos sobreviventes do levante dos 18 do Forte, em Copacabana.
Na prisão política de Ilha Grande, no litoral do Rio, conviveu, entre outros, com o general Leônidas Cardoso, pai do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Com Getúlio Vargas na Presidência, foi chefe do Departamento das Municipalidades de São Paulo. Era ele quem indicava os prefeitos para o interventor do Estado. Recorda como boa realização ter posto em ordem as contas das prefeituras. "Tinha prefeitura com dívida de curto prazo maior que a arrecadação."
Ele guarda com carinho a imagem do dia em que retornou da Segunda Guerra Mundial. Ficou quase um ano na Itália, comandando um grupo de artilharia da FEB (Força Expedicionária Brasileira). "A chegada foi emocionante, em 22 de agosto de 1945. Era um dia ensolarado, lindo. Desfilamos pelas praias cariocas, olhando essa deslumbrante vista."
Também participou do Movimento de 1964, que instalou o regime militar. Em 1966, Cardoso seria promovido ao posto de marechal, ainda na ativa, indo para a reserva no mesmo ano. Foi a última promoção a marechal decretada no país. Depois, ele ainda passou pela presidência da Petrobras, cargo que transmitiu ao general Ernesto Geisel em 1969.
Sua receita de longevidade? "Consciência tranquila", afirma o marechal, que não dispensa feijoada e "uma pingazinha" e celebrará 73 anos de casamento no mês de março.


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