São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Geisel resolveu registrar como 31 de março"

DA SUCURSAL DO RIO

Dono de uma boa memória, o marechal Levy Cardoso passou a exercitar ainda mais a capacidade de relatar os fatos em detalhes para escrever uma autobiografia, trabalho que começou em junho de 2000, com a ajuda do genro, o general Antônio Moreira, e que se destina aos "filhos, netos e bisnetos": "Não sei se vou publicar. A família já tem bastante gente".

Folha - Que lembrança mais forte o sr. trouxe da guerra?
Levy Cardoso -
O ataque a Monte Castelo. Comandava um grupo de artilharia. Estive em Castelo três vezes. No terceiro ataque a Castelo, saímos vitoriosos. Quando os nossos soldados tomaram o alto do morro e conquistaram o objetivo, eram cinco e meia da tarde. Eu dei um viva ao Brasil.

Folha - O sr. foi para a reserva no início do regime militar, em 1966. O sr. participou do movimento?
Cardoso -
Ativamente. No dia 31 de março, à meia-noite, estava no gabinete do Costa e Silva, com ele e o Ernesto Geisel, quando foi declarada a vitória da Revolução. Já passava da meia-noite, mas, para não parecer trote, Geisel resolveu registrar como 31 de março.

Folha - O sr. conheceu e conviveu com muitos personagens de nossa história. Algum deles ficou com uma imagem errada?
Cardoso -
O Costa e Silva. Foi injustiçado. Era um homem muito bom e é acusado de baixar o AI-5. Ele quase que foi obrigado a fazer isso, pela facção mais radical. Geisel era muito rígido, já o Castello Branco era mais flexível. Fomos colegas de turma, mas, depois que saiu da Presidência da República, não tivemos mais contato.

Folha - O sr. chegou a integrar o grupo que queria impedir a posse do presidente João Goulart, em 61?
Cardoso -
Acompanhei o movimento, mas o aceitei na Presidência, como democrata, apesar de sempre ter ficado com o pé atrás. Ele não era comunista, como diziam, mas era fraco, dominado pela esquerda.

Folha - Como foi sua passagem pela Petrobras?
Cardoso -
Por incrível que pareça, fui presidente do CNP (Conselho Nacional do Petróleo) e da Petrobras contra a minha vontade. Tinha acabado de me aposentar, queria ir para o meu sítio criar frangos e plantar café.

Folha - Que decisões marcaram sua passagem pelo setor?
Cardoso -
A criação da Petroquisa. A empresa nasceu justamente para permitir a associação do Estado com o capital privado nacional e estrangeiro. Também avancei no refino. Criei o plano para a construção da refinaria de Paulínea, concluído pelo Geisel.

Folha - Como o sr. vê a abertura do setor petrolífero?
Cardoso -
Com muita naturalidade. É sequência do desenvolvimento. Na época, quando era conselheiro da Petrobras, aprovei os primeiros contratos de risco com empresas estrangeiras para a exploração. Minha convicção era a de que a indústria petroquímica só poderia ter êxito se dela participasse a Petrobras.


Texto Anterior: História: Último marechal do Brasil chega aos 100
Próximo Texto: No Planalto - Josias de Souza: Um cheiro de queimado exala da contabilidade da Varig
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.