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DIPLOMACIA
O presidente eleito Evo Morales, que ontem se reuniu com Lula, afirma que empresas terão de aceitar sociedade com o Estado
Petrobras diz aceitar lucro menor na Bolívia
Alan Marques/Folha Imagem
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Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, ontem, no Palácio do Planalto |
CLÁUDIA DIANNI
PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O líder cocaleiro Evo Morales,
que toma posse como presidente
na Bolívia no dia 22, prometeu estabilidade jurídica aos empreendimentos da Petrobras, em conversa ontem com Luiz Inácio Lula
da Silva e o presidente da estatal
brasileira, José Sergio Gabrielli,
mas anunciou que o governo boliviano exigirá que a empresa ceda
sociedade em negócios no país.
Gabrielli, se referindo à nova estrutura de tributos na Bolívia, disse que a Petrobras prefere pagar
mais impostos e lucrar menos do
que sair do país e perder as oportunidades de negócios estratégicos -lá é produzido 50% do gás
consumido no Brasil. "É melhor
lucro menor do que lucro zero",
afirmou o presidente da estatal.
Segundo Morales, as empresas
do setor energético que quiserem
ficar na Bolívia terão de aceitar a
sociedade com o Estado. "O governo vai proteger a propriedade
privada porque a Bolívia necessita
muito de investimentos públicos
e privados, mas não quer patrões,
quer sócios", disse.
A menção a "patrões" foi repetida mais tarde, em entrevista, por
Gabrielli. "Não queremos ser patrões dos bolivianos, mas sócios."
Com as mudanças propostas
por Morales, o governo boliviano
poderá ser sócio e até compartilhar a administração das duas refinarias que a Petrobras possui na
Bolívia. "A estrutura societária está colocada e vamos discutir", disse Gabrielli.
Sem muitos detalhes para explicar como será, na prática, a sociedade com o governo boliviano, o
executivo afirmou que ela significará "o cumprimento das responsabilidades sociais na Bolívia".
A Petrobras possui cerca de US$
1,5 bilhão em investimentos na
Bolívia, em áreas como exploração, transporte e comercialização
de gás natural.
Legislação
A nova Lei de Hidrocarbonetos,
que não foi contestada pela Petrobras, nacionalizou o gás da Bolívia
e aumentou de 18% para 50% a
carga tributária das empresas que
exploram o produto. Foram as
polêmicas em torno da propriedade do gás que causaram as convulsões sociais no ano passado,
derrubando o então presidente,
Carlos Mesa.
Segundo tem dito o vice-presidente eleito, Álvaro Garcia Linera,
mentor intelectual do governo de
Morales, gás, petróleo e gasolina
são negócios que geram lucros de
US$ 1,6 bilhão na Bolívia. De acordo com Linera, com a nova alíquota, o governo fica com US$
550 milhões e as empresas, com
US$ 1,1 bilhão. A mudança aumentou em US$ 380 milhões a arrecadação do governo.
Gabrielli insinuou ontem que,
apesar de expressivo, o volume de
investimentos da Petrobras na
Bolívia equivale a uma parte pequena do total da empresa, mas
os negócios estão alocados em um
lugar estratégico. Daí a importância de não colidir com o novo governo.
"A Petrobras tem investimentos
de R$ 56,4 bilhões até 2010. Foram
feitos mais de R$ 350 bilhões em
investimentos nos últimos anos.
A Bolívia fornece metade do gás
que se consome no Brasil, que é o
principal mercado consumidor
para o gás boliviano e, por causa
da atual estrutura e distribuição,
não há como direcionar esse gás
para outros lugares. Portanto um
precisa do outro", disse.
Por causa da instabilidade política na Bolívia no ano passado, a
Petrobras chegou a suspender
planos de criar um pólo gás-químico no país. Segundo Gabrielli, o
que vai definir se o investimento
será feito ou não será "a lógica do
mercado e a disponibilidade de
matéria-prima".
Conselhos
Apesar das comparações constantes com o venezuelano Hugo
Chávez, Morales demonstrou
preferência por Lula como "professor". "Combinamos que posso
ligar para ele sempre que tiver
uma dúvida", disse Morales, após
almoço com o brasileiro, a quem
definiu como "líder da América
Latina". Segundo ele, por sua experiência de três anos no governo
e seu passado militante, Lula é
"uma espécie de consultor".
Morales não é o primeiro presidente de esquerda eleito na América do Sul a adotar a "escola Lula
de governo". O presidente do
Uruguai, Tabaré Vazquez, também já disse que se aconselha com
Lula e até adotou algumas políticas sociais parecidas, além de
uma política econômica considerada ortodoxa.
Morales afirmou que, assim que
assumir, todo seu ministério vai
entrar em contato com os colegas
brasileiros para tratar de acordos
comerciais e de cooperação. O assessor especial de Lula para assuntos externos, Marco Aurélio
Garcia, afirmou que o Brasil vai
ajudar a Bolívia a montar seu governo "enviando funcionários",
mas não deu detalhes.
O vice de Morales, conhecido
como mentor intelectual do futuro governo, Alvaro Garcia Linera,
já declarou que o governo vai contar com indígenas, que são 62%
da população do país.
Em mangas de camisa, Morales
reclamou ontem das críticas que
recebeu na Europa por usar um
suéter -ou "chompa"- em
eventos oficiais, em vez de terno.
"Vai ver que as pessoas esperavam que eu chegasse lá meio careca e com penas", brincou. Por
conta das críticas, ele recebeu a
solidariedade do escritor português José Saramago.
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