São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Corrida do ouro no AM atrai de índio a vereador

Reserva foi descoberta em novembro; 150 quilos do minério já foram extraídos

Garimpo ilegal trouxe 4.000 pessoas ao Estado; nas ruas da cidade de Apuí, hóspedes dormem em redes atadas aos troncos das árvores

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM APUÍ (AM)

A corrida pelo ouro no garimpo ilegal que vem sendo chamado de "novo Eldorado da Amazônia" atraiu desempregados, trabalhadores rurais, comerciantes, professores, médicos, donas-de-casa, pastores evangélicos, políticos e índios, entre as 4.000 pessoas que chegaram a Novo Aripuanã (AM).
O garimpo é organizado por uma cooperativa aberta só para isso. A Coodersam (Cooperativa de Desenvolvimento do Sul do Amazonas) diz que 2.000 pessoas chegaram só na última semana e que, até o final do mês, pode haver 8.000 no local.
A reserva fica na margem esquerda do rio Juma. Desde novembro, quando o ouro foi descoberto, foram extraídos das minas 150 quilos de ouro, avaliados em R$ 5,8 milhões.
Duas lojas para comprar o minério foram abertas nesta semana em Apuí (455 km de Manaus), cidade de cerca de 18 mil habitantes que dá acesso ao garimpo. As oito hospedarias não comportam mais hóspedes, que agora dormem em redes atadas nas árvores das ruas.
A Folha contou entre as 9h e as 19h de quinta-feira a chegada de 300 garimpeiros.
O índio mundurucu Jairo Kurap, 33, diz que soube do garimpo pela internet, na aldeia em Jacareacanga (PA). "Não pensei duas vezes, vim conhecer a fofoca. Quero conseguir um quilo ou dois de ouro."
O vereador de Humaitá (AM) Cristóvão Costa (PFL) chegou de caminhonete após 16 horas de viagem. Em 15 dias, obteve 700 gramas de ouro. "O sonho que eu sempre tive é manter a minha família viva. Eu tenho dois filhos, e esse ouro vou guardar para o futuro deles."
A comerciante Luciana Theodoro, 31, veio de Sinop (MT). Primeiro, procurou o marido, que foi na frente. Como não o encontrou, abriu uma frente de trabalho com seis homens em uma das grotas.
"Todo mundo aqui tem esperança de ganhar dinheiro mais fácil e digno. Só vou sair quando realizar meu sonho, que é comprar meu carro zero."
O garimpo também atraiu médicos e pastores evangélicos. Para chegar a ele, de Apuí, é preciso rodar 70 km pela Transamazônica, pegar a AM-360 e, depois, uma vicinal de um assentamento do Incra criado nos anos 80.
Os garimpeiros atravessam o rio Juma em voadeiras (canoas de alumínio com motor de popa). Mais de 40 voadeiras fazem o trajeto, de 20 minutos.
A parte mais difícil da travessia são os quatro quilômetros de picadas (caminhos aberto com facão) para chegar às grotas. É preciso fugir do lamaçal em que, devido às escavações, transformou-se o igarapé.
Os primeiros sons ouvidos são os das motosserras derrubando árvores de até 40 metros e dos tiros que os garimpeiros dão para o alto para comemorar os achados. Em duas horas em que a reportagem esteve no local, foram 31 disparos.
O cheiro é quase insuportável. A higiene é precária. Não há água potável. Uma água mineral de 600 ml sai por R$ 4.
Árvores foram derrubadas para dar passagem às frentes de trabalho. Troncos são usados para demarcar os espaços da extração do ouro e para construir barracões, cantinas, mesas, bancos e caixas.
A área já desmatada é estimada pela SDS (Secretaria de Desenvolvimento Sustentável) do Amazonas em 30 hectares.
Em 60 dias de trabalho, os garimpeiros ergueram mais de 200 barracões, construídos com lona e toras de madeira, onde dormem em redes.
Muitos levaram mulheres e filhos. A dona-de-casa Jacira Gomes de Moraes, 37, conta que o marido, trabalhador rural, estava desempregado. "Em Apuí, tivemos que vender as coisas para dar de comer aos meus filhos. Aqui, já temos o que comer. Dá para sonhar com uma casa própria."
Há adolescentes no local, mas os líderes das principais frentes negam haver prostituição. Na quinta à noite, duas meninas de 13 e de 16 anos aguardavam a chegada de mais um ônibus com garimpeiros. "As garotas fazem programa a um grama de ouro. As que entraram não querem sair. Eu vou entrar também", diz a menina de 16.


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