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Entrevista da 2ª/Solange Paiva Vieira
"Companhias serão punidas por atraso e cancelamento de vôos"
Governo deve discutir nesta semana propostas para aliviar a superlotação dos aeroportos do Estado de São Paulo
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
A nova presidente da Anac (Agência Nacional
de Aviação Civil), Solange Paiva Vieira, deu
nota "seis, talvez sete" para o setor no Brasil, que já foi considerado equivalente ao
do Primeiro Mundo e passou por sua pior crise em
2006. Segundo ela, o governo vai punir empresas por
atrasos e cancelamentos de vôos.
As punições, afirmou, ocorrerão com o que "dói no bolso
das empresas": o cancelamento
de autorizações de vôo e da
venda de bilhetes. "E vêm boas
novidades para o consumidor
por aí", disse Solange.
Mestre em economia pela
Fundação Getúlio Vargas do
Rio, Solange, 38, não se preocupa com a concentração da Gol e
da TAM no mercado interno -
o que chamou de "duopólio
competitivo"-, mas defendeu
o aumento de 20% para 49% no
limite de capital estrangeiro
nas companhias aéreas, para
aumentar a competição nos
vôos internacionais.
Cheia de elogios à Gol, Solange foi dura com a Ocean Air, criticando a compra de aviões
Fokker-100, que já não são
mais fabricados, não têm manutenção no Brasil e estão sendo aos poucos abandonados pela TAM. Perguntada se a Ocean Air tem fôlego para ser a terceira grande brasileira, respondeu
secamente que não.
Em entrevista à Folha, a primeira desde a posse, em 20 de
dezembro, ela disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai analisar nesta semana
uma solução para São Paulo e
defendeu o terceiro aeroporto:
"Acho que São Paulo vai precisar de um outro aeroporto nos
próximos dez anos, e isso significa começar hoje", disse.
FOLHA - Seu antecessor, Milton
Zuanazzi, demorou muito para largar o osso?
SOLANGE PAIVA VIEIRA - É. E essa
lentidão fez com que a Anac,
que nem tinha se formado direito, se desgastasse muito.
Agora, a agência está correndo
contra o relógio. Eu não sabia
quando o presidente da Anac
iria sair, e ele saiu justamente
dois dias após meu casamento.
FOLHA - A diretoria anterior era
acusada de politização e apadrinhamento. Qual o perfil da nova?
SOLANGE - A diretoria não é
apenas consultiva, é também
muito executiva, com perfis específicos em segurança de vôo,
infra-estrutura aeroportuária e
regulação no setores doméstico
e internacional.
FOLHA - E a sra.? A sra. também
não é do ramo.
SOLANGE - Entro nessa estrutura conciliando o trabalho de todo mundo, e brinco que já me
considero do ramo. Fui secretária de Previdência Complementar apenas sete meses, mas
até hoje me marcam como especialista do setor. Fiquei quatro meses na Secretaria de
Aviação Civil. Ajo tecnicamente, faço escolhas profissionais.
FOLHA - Por que a operação deu
certo no pico do final do ano, se continuam os mesmos aeroportos, as
mesmas pistas, as mesmas companhias e os mesmos controladores? O
que, afinal, gerava o caos de antes?
SOLANGE - A gente correu um
grande risco, porque refez toda
a malha aérea às vésperas do
Natal, do dia 20 para o dia 21. O
que a gente fez, com a Infraero
e o Decea, foi checar horário
por horário e ver se era viável.
FOLHA - Como dizer a quem enfrentou o caos que foi só a Anac fazer um ajuste na malha para tudo
voltar a funcionar?
SOLANGE - O ajuste da malha é
importante, e não se pode esquecer que houve dois acidentes aéreos, greve dos controladores, problemas meteorológicos. Se o aeroporto fecha por algumas horas, por uma chuva
tremenda, por exemplo, as
companhias vão carregar o
atraso por dois ou três dias,
mesmo com o céu azul.
FOLHA - Com a queda do Learjet no
Campo de Marte, descobriu-se que
há 12 mil jatinhos e helicópteros
voando aparentemente sem controle. E o risco?
SOLANGE - O setor é muito auto-regulado, ou seja, o piloto do
avião tem uma responsabilidade muito grande, e vamos investir muito em capacitação. É
impossível a Anac fiscalizar todas essas 12 mil aeronaves antes da decolagem, da mesma
forma que é impossível um departamento de trânsito checar
todo carro, ônibus e caminhão
sem farol, com pneu careca.
FOLHA - Aviões de segunda mão
comprados no exterior não operam
no Brasil com características desconhecidas da manutenção?
SOLANGE - Uma das nossas
preocupações agora é com o
Fokker-100. A fábrica dele não
existe mais, e a Ocean Air está
trazendo esse aparelho para cá.
FOLHA - A TAM já opera Fokker-100, que já tem uma imagem ruim
por causa da queda em Congonhas.
SOLANGE - Mas a TAM tem manutenção própria, é diferente.
Estamos observando e preocupados em saber quem e como a
Ocean Air vai escolher para a
manutenção dos seus aviões.
FOLHA - De zero a dez, que nota a
senhora dá ao setor, agora que está
dentro do sistema?
SOLANGE - Há cinco, dez anos, a
gente tinha muita capacidade
ociosa das companhias e de toda a infra-estrutura. Aí, é fácil
ser bom. Hoje, eu daria seis pra
gente, talvez sete. Há muito o
que melhorar, e em todas as
áreas, mas nós temos uma das
melhores frotas de aviação regular do mundo. Os aviões da
Gol são todos novos, com cinco,
seis anos. A TAM está renovando toda a frota dela, retirando
os Fokker-100. Nos EUA, por
exemplo, há muitos aviões antigos, velhos turboélices.
FOLHA - Como compatibilizar o expressivo aumento da demanda com
uma infra-estrutura praticamente
estável?
SOLANGE - Eu não diria que a
nossa infra-estrutura está estável, diria que cresceu menos do
que o necessário. Mas vai crescer muito nos próximos anos.
Um dos trabalhos que fechamos na Secretaria de Aviação
Civil foi o plano para São Paulo.
O ministro da Defesa vai se reunir na próxima [nesta] semana
com a ministra Dilma e com o
presidente [Lula] para discutir
opções de investimento.
FOLHA - O terceiro aeroporto?
SOLANGE - Acho que São Paulo
vai precisar de um outro aeroporto nos próximos dez anos e
isso significa começar hoje.
Mas, para construir um novo, é
preciso um espaço monstruoso, de uns 10 mil km2, e as pessoas querem descer em locais
centrais. Achar um local adequado não é uma tarefa fácil.
FOLHA - Com a área econômica
cortando gastos e investimentos
pós-CPMF, o projeto tem alguma
chance? E o plano B?
SOLANGE - A gente já tem um
terceiro aeroporto, Viracopos,
e os estudos contemplam a terceira pista e o aumento da capacidade das atuais pistas de Guarulhos e da capacidade de Congonhas, o que é um exercício
muito difícil. Temos de analisar
também o custo-benefício.
FOLHA - No estudo que o presidente vai analisar, qual o melhor custo-benefício, o terceiro aeroporto ou investir no acesso a Viracopos?
SOLANGE - Viracopos é um aeroporto com bom potencial.
Um bom sítio aeroportuário,
uma estrutura de espaço aéreo
excelente, com toda a lógica
técnica para se investir nele. O
complicador é logístico: o acesso a ele. Discute-se esse custo.
FOLHA - Do metrô?
SOLANGE - Exatamente. Um
trem de 20 minutos.
FOLHA - Isso tudo, somado, não é
um quebra-galho que só adia a solução real, que é o terceiro aeroporto?
SOLANGE - O terceiro aeroporto
é uma opção também. Mas há
um quebra-cabeça de opções.
E, mesmo que a gente anuncie
hoje um novo aeroporto, ele
não fica pronto antes de cinco,
seis anos. Então, é preciso também uma solução para os próximos cinco, seis anos.
FOLHA - Ou seja, vai ter uma solução emergencial e uma definitiva, o
terceiro aeroporto?
SOLANGE - Parece que sim. O
que não há dúvida nenhuma é
que Congonhas e Guarulhos
precisam ter um terceiro aeroporto, mas Viracopos pode ser
esse terceiro aeroporto.
FOLHA - O Galeão opera com ociosidade. Não seria uma boa opção para desafogar São Paulo dos vôos internacionais?
SOLANGE - Não faz muito sentido eu dizer onde o avião "a", "b"
ou "c" vai ter de descer. Eu posso e devo dizer que o máximo
de Congonhas é tal, o máximo
de Guarulhos é tal, mas não
posso obrigar ninguém a descer
no Galeão.
FOLHA - A sra. teme o duopólio de
Gol e TAM?
SOLANGE - O duopólio competitivo não é nenhum ônus para a
sociedade. Desde que as duas
ocupam quase 90% do mercado, a gente tem visto uma concorrência grande de preços e de
qualidade de serviços. A Gol
trouxe um conceito de "low
cost" [baixo custo] que deu
uma dinâmica muito maior para o mercado. Temos concorrência no mercado doméstico,
que é completamente livre, só
que no internacional ainda não.
FOLHA - Quando a BRA quebrou, a
Ocean Air rapidamente se ofereceu
para ocupar esse espaço e ser uma
das três grandes. Ela tem fôlego para isso?
SOLANGE - O que ela mostrou
no final do ano e tem mostrado
para a gente até agora, não.
FOLHA - A tendência, então, é
manter o duopólio?
SOLANGE - Nós temos que identificar duas coisas. Uma é se o
mercado brasileiro é suficiente
para comportar três grandes,
porque aviação precisa de escala. A gente já teve três grandes,
e elas encolheram. Outra coisa
é que a Anac não está criando
mecanismos adequados para
facilitar a entrada de novas empresas. Trabalhamos nisso.
FOLHA - Ampliando o limite do capital estrangeiro das empresas, por
exemplo? Para quanto?
SOLANGE - Acho que o primeiro
passo seria de 20% para 49%,
que permitiria a estruturação
de uma nova empresa para entrar no mercado. Isso é lei, precisa do Congresso e acho que há
consenso entre vários partidos.
Há projeto de até 100%, mas
acho um passo muito grande
para a estrutura regulatória
que nós temos.
FOLHA - Com 100%, as companhias brasileiras sobrevivem?
SOLANGE - Não sei. A Gol, por
exemplo, ganhou prêmio por
maior eficiência de horas voadas por avião da Boeing.
FOLHA - E o "céu aberto" para as
estrangeiras no Brasil, que era tabu
para os militares?
SOLANGE - A evolução do mundo é por uma liberdade cada vez
maior. Hoje, com exceção dos
vôos para a América do Norte,
quase todos os nossos vôos têm
mais autorizações do que são
utilizados para qualquer país. A
gente dá muitas autorizações,
mas as empresas não utilizam.
FOLHA - Uma das coisas que entopem os aeroportos é o excesso de segurança nos vôos domésticos, mas o 11 de Setembro não foi aqui. Pode
amenizar?
SOLANGE - Já começamos a
amenizar. O Brasil não precisa
do mesmo nível de segurança
que os EUA têm, que Londres
tem, inclusive porque isso custa dinheiro. No fim do ano, tivemos congestionamento nas
áreas de check-in das companhias, mas não na área de embarque da Infraero. Não precisa
mais retirar o laptop da pasta,
por exemplo. E vem mais até o
Carnaval, não sei quais.
FOLHA - Vai ter mudança no valor
ou na aplicação das multas por atrasos e cancelamentos?
SOLANGE - No valor, não há
muita flexibilidade, mas a gente
quer mudar o perfil da penalidade: menos multas e mais corte de autorizações de vôos, de
venda de bilhetes. Regular as
companhias pelo lado que dói:
o bolso. Até o final de fevereiro
teremos uma regra nova que
exige qualidade e pontualidade.
Com isso, vamos montar um
índice, e os que não atingirem
determinados limites serão penalizados.
FOLHA - E o "overbooking"?
SOLANGE - O ministro da Defesa
está preparando um projeto
que contempla essa questão.
Virão boas notícias para o consumidor.
FOLHA - As empresas são concessões públicas. Como o Estado pode
exigir ou estimular que assumam o
chamado "osso" da aviação, os vôos
necessários e não rentáveis?
SOLANGE - Em 1998, a aviação
servia 180 cidades. Hoje, não
chega a 140. Alguns vôos acabaram porque não eram lucrativos, porque num mercado
aberto em que a gente não dá
subsídios para as companhias,
não faz sentido obrigá-las a
voar para o lugar "a" ou "b", só
se esse local envolver uma
questão estratégica ou de saúde
pública. Nos EUA, nestes casos,
o governo tira dinheiro do Tesouro e dá subsídio cruzado.
FOLHA - É bom para o Brasil?
SOLANGE - Para locais estratégicos, não há outro jeito, a não ser
subsídio. Ou a FAB faz, ou o o
prestador comercial faz, mas,
para isso, vai ter de ter subsídio.
FOLHA - Como explicar quase
9.000 passagens aéreas de graça para a Anac só em 2007? Há abuso?
SOLANGE - Seria prematuro eu
dizer que há abuso. Esse número vem caindo, mas sempre será alto, porque a gente se desloca muito, para fiscalização. Mas
agora só a diretora-presidente
pode autorizar passagens internacionais e só os diretores podem autorizar as domésticas. E
acabamos com os passes, não
vamos mais voar sem pagar e,
assim, vamos ter mais controle
sobre o uso, com pedido formal.
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