São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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IGREJA
Dom Geraldo Majella assume dia 11 de março Arquidiocese de Salvador
Novo arcebispo primaz faz crítica à economia global

JOSÉ MASCHIO
e da Redação

O papa João Paulo 2º nomeou oficialmente ontem d. Geraldo Majella Agnelo primaz do Brasil e arcebispo da Arquidiocese de Salvador, na Bahia.
Atualmente, d. Geraldo é secretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos na Cúria Romana, no Vaticano. Integra a "Capela Pontifícia" -grupo de assessores que acompanham o papa nas celebrações realizadas no Vaticano.
Ele assume a Arquidiocese de Salvador em 11 de março, tendo sob sua influência 105 paróquias.
D. Geraldo nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1933. Iniciou sua formação religiosa no curso de filosofia e teologia no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, onde foi ordenado sacerdote. Depois, seguiu para Roma, onde fez doutorado no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo (1967-1969).
Na Igreja, é considerado independente, com trânsito nas principais correntes internas.
Em entrevista exclusiva à Agência Folha ontem, por telefone de sua casa no Vaticano, logo após a nomeação, d. Geraldo criticou a globalização econômica e disse que, neste fim de milênio, o mundo precisa de uma "globalização da solidariedade humana".
Ele criticou o "perverso jogo das Bolsas", e o "descaso das grandes potências mundiais com o Terceiro Mundo". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Folha - Como o sr. recebeu a nomeação para a Arquidiocese de Salvador?
D. Geraldo Majella Agnelo -
Foi uma demonstração de grande confiança do papa João Paulo 2º me nomear para a arquidiocese primacial do Brasil, que existe desde 1551. Tenho expectativa e confiança em um bom trabalho, não pela minha capacidade pessoal, mas pelo auxílio que sei que terei dos bispos auxiliares e de todo o clero da Bahia.
Agência Folha - Seria o primeiro passo para a nomeação do sr. como cardeal primaz do Brasil?
D. Geraldo -
Desde 1953 o arcebispo nomeado para Salvador ascende para cardeal. Isso depende do papa. Mas o mais importante é que eu esteja à altura para essa obra, que é sobretudo divina.
Agência Folha - O sr. volta ao Brasil em um momento em que o movimento carismático avança dentro da Igreja, inclusive com o padre Marcelo Rossi se tornando uma estrela da mídia. Como o sr. vê esta situação?
D. Geraldo -
Olha, ainda não vi o conjunto do trabalho do padre Rossi. Tenho acompanhado pelos telejornais italianos parte dos seus espetáculos. Toda semana temos notícias sobre o padre Rossi. É uma pessoa que tem muito carisma. Vi também um artigo do frei Beto alertando sobre os perigos dessa exposição. Toda pessoa que se expõe na mídia deve estar predisposta àqueles que irão acolher suas teses e àqueles que serão discordantes. Quando voltar ao Brasil, vou poder ver o conjunto de seu trabalho. Espero que ele consiga fazer que os seus seguidores se aprofundem no conhecimento do Evangelho.
Agência Folha - O papa João Paulo 2º se pronunciou com firmeza contra os ataques dos Estados Unidos e da Inglaterra ao Iraque. Seria uma nova postura, mais politizada, da Igreja Católica?
D. Geraldo -
Por que não se faz nenhuma defesa daqueles que estão morrendo na África? Por que não se mandam aviões para combater a fome? Já no Oriente Médio os interesses são econômicos. Lá existe petróleo. Sempre ele (Estados Unidos) acha que todo mundo deve ser dobrado aos seus interesses. Não é nem discutir se Saddam Hussein é tirano, e as notícias que temos é que ele é. Mas não é ele quem morre. É o povo, sempre o povo, que paga. Quando foi que a guerra resolveu alguma coisa? A guerra sempre deixou dor e sofrimento, feridas abertas. O papa tem toda a razão em criticar os ataques.
Agência Folha - O sr. irá encontrar o Brasil em crise econômica. Hoje (ontem) mesmo houve uma forte queda nas Bolsas.
D. Geraldo -
Não é só no Brasil. Hoje, o mundo inteiro é um jogo -o jogo perverso das Bolsas no mundo. O Terceiro Mundo virou um joguete na mão das grandes economias. O mais grave é que eu não vejo nenhuma solidariedade das grandes potências para os que mais sofrem. Hoje, se prefere jogar fora o excesso de produção nos países ricos, e não se canaliza isso para os que sofrem com a fome. Parece que as grandes potências querem mesmo que os famintos da África morram todos.
Agência Folha - Não seria isso uma face da política de globalização econômica?
Majella -
Vivemos um triste fim de milênio. Um mundo cada vez mais globalizado, mas com muita individualidade, muito egoísmo. Um tempo muito difícil, em que é preciso com urgência uma globalização da solidariedade humana. Hoje, o poder está com os que têm o dinheiro e a informação e isso vai atrasar a vida do homem.
Torço pela globalização da solidariedade, pelo fim deste capitalismo realmente selvagem que estamos vivendo, com os pobres sendo um joguete na mão das grandes economias.



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