São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
A próxima caravana

Embora as divergências agudas já fossem antigas, foi às pressas que Gustavo Franco se viu na contingência de deixar o Banco Central, e Pedro Malan, na de designar logo o substituto. Gustavo foi abatido, mesmo não sendo visado pessoalmente, pelo fogo cruzado de duas cargas de advertências sobre os riscos para as votações de ontem no Congresso, a menos que houvesse sinais imediatos e concretos de ação contra os juros.
Desde a semana passada estava constatado o desinteresse dos governadores por mobilizar, a pedido do governo, as bancadas estaduais para a aprovação das medidas provisórias postas na pauta de votações desta semana. A reunião desses governadores no Maranhão, a título de solidarizar-se com Fernando Henrique contra Itamar Franco, resultou, como só a cegueira governista não previu, em manifestação unânime contra a altitude dos juros.
Também na terça, as sondagens de parlamentares, pelas lideranças do governo, tornaram ainda maior a insegurança quanto às votações, consideradas decisivas. Além de estar em jogo mais um pedaço do pacote de suposto ajuste fiscal, nova derrota do governo o deixaria em situação crítica, fora e aqui também. Nas sondagens, outra vez os juros simbolizavam os muitos motivos de desagrado.
Brasília e São Luís entoavam esses coros enquanto Fernando Henrique participava da inauguração, no Rio, da nova gráfica do "Globo". E à saída, já com destino às férias na apropriada praia do Saco, fez aos repórteres três afirmações categóricas: 1) "O real não será desvalorizado"; 2) "Não existe isso de saída do ministro Malan ou de Gustavo Franco"; 3) como arremate bem à altura, "O governo sabe o que está fazendo, sabe o que vai fazer". O governo, até poderia ser, mas o presidente, não.
Assim que se pôs acessível aos governadores mais próximos, com destaque para Roseana Sarney, e às lideranças governistas, Fernando Henrique passou a receber uma sucessão de advertências, cobranças e sugestões para uma providência qualquer, contanto que imediata. A gravidade do quadro de insatisfações transformara a incerteza das votações em admissão de derrotas a meio de vitórias, nas quatro MPs.
A desvalorização do real como meio de levar a possível queda dos juros nunca foi admitida por Gustavo Franco. Era, porém, a providência que estava à mão, para uso imediato. Malan, que se mostra acessível às questões políticas, na mesma medida em que Gustavo Franco se mostra refratário, foi alertado por Fernando Henrique para a necessidade de providências urgentes. Entre elas, teve que ir a cabeça de Gustavo Franco.
A versão oficiosa de que há dias "uma briga de Gustavo Franco e Francisco Lopes", ficando acertado que "um dos dois sairia, ficando Franco com a prioridade de decidir", é uma das fantasias mais obtusas das que o jornalismo oficioso tem servido. A briga com um subalterno não faria Gustavo Franco deixar o Banco Central em um momento tão problemático, nem Malan concordaria com isso. Além do mais, nunca houve a insensatez de um presidente do BC se demitir e imediatamente outro assumir o posto, e já com alterações importantes na política monetária. Importantes, embora com evidentes ares de certa improvisação.
Se as medidas de ontem derrubarem os juros, como todo mundo quer, e se foi Itamar Franco que provocou a crise assim encaminhada, então a caravana que foi a São Luís deve dirigir-se, agora, a Belo Horizonte. Engrossada pela multidão de empresários, com a comissão de frente formada por certos jornalistas econômicos.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.