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Dias critica indecisão do governo
KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Brasília
O advogado José Carlos Dias
deixa hoje o Ministério da Justiça
com um alerta, em tom de crítica,
a seu sucessor, José Gregori: é preciso resolver a disputa entre órgãos do governo pelo controle das
ações de combate ao narcotráfico.
"O Ministério da Justiça tem de
levar essa luta até o fim para que
haja sucesso contra os narcotraficantes. Não é um problema do
presidente. Será um problema de
todos os presidentes e de todos os
governos enquanto não for resolvido", disse Dias. Essa observação
resume a linha do discurso que ele
fará hoje na transmissão de posse.
A disputa pelo controle do combate ao narcotráfico entre a Polícia Federal e a Secretaria Nacional
Antidrogas foi o estopim da saída
de Dias, que apoiava a PF. O general Alberto Cardoso (Segurança
Institucional) apóia a Senad, que
era comandada pelo juiz aposentado Wálter Maierovitch, que
também deixou o governo.
Na segunda, Dias divulgou nota
criticando Maierovitch, que tornou pública uma operação que a
PF faria na fronteira com a Bolívia. Para o ministro, a intenção de
Maierovitch, com aval do general
Cardoso, era bombardear as operações da PF, de modo a enfraquecê-la e tentar levar seu comando do Ministério da Justiça para a
pasta da Segurança Institucional.
Dias afirmou que não travou
uma disputa "pessoal" com o general, a quem classifica de "afável". Diz que seguiu o que está na
Constituição: "A atribuição de
combater o narcotráfico é da Polícia Federal". Dias achou estranho
o novo ministro, José Gregori, ter
dito anteontem que mandava na
PF e que ela combateria o narcotráfico e, horas depois, o Planalto
ter declarado que a Senad continuava com o mesmo papel.
"O porta-voz (Georges Lamazière) não tem poder para alterar
a Constituição", ironizou.
O ex-ministro fez um estudo jurídico da legislação sobre o papel
da PF e da Senad no que se refere
ao narcotráfico e as atribuições da
Senad. A Constituição, no artigo
144, dá "exclusividade" à PF para
"prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins". A Senad recebeu atribuições semelhantes de normas de
poder inferior. Conclusão: a norma mais forte é a constitucional e,
por isso, esse papel é da PF.
O Planalto quer tirar "combater" do decreto de criação da secretaria. Ou seja: faz um mero arranjo técnico, deixa a Senad ligada ao tema narcotráfico e tenta
dar uma saída política a Gregori.
Dias disse que não tem problema de conviver com pessoas "assumidamente de direita", mas
que "jamais conceberia alguém
de direita no lugar de Raul Jungmann (Política Fundiária) ou de
Carlos Frederico Marés (Funai)".
"Acho que o espírito de 1964
ressurge de vez em quando no governo", disse Dias, referindo-se
ao general Cardoso: "Mas, vá lá,
pois ele é militar. O mais doloroso
é ver um juiz (Maierovitch) com o
mesmo pensamento".
Afirmou que, ao declarar que
não se pode transigir com "os reacionários e a direita", referia-se
também à oposição de membros
do governo ao projeto de direito
penal mínimo, proposta pronta
que deixa para o sucessor.
Grosso modo, o direito penal
mínimo significa manter preso
apenas os criminosos mais perigosos. As penas de prisão, por
exemplo, seriam substituídas por
multas elevadas e prestação de
serviços à comunidade.
O ex-ministro crê que as "mulas" (aquele que entrega pequenas
quantidades de drogas aos usuários) não podem ser considerados
traficantes. Segundo ele, a prisão
não é a melhor punição para esses
criminosos.
Dias também foi bombardeado
por ter defendido teses como a
união civil entre pessoas do mesmo sexo e a descriminação da
maconha. Chocou-se com Pedro
Parente, chefe da Casa Civil.
Na última segunda, quando
Dias divulgou nota criticando
Maierovitch, Parente pediu que
ele recuasse. Diante da negativa,
Parente falou que ele não sabia
trabalhar em equipe. Dias rebateu, dois dias depois, dizendo que
não sabia trabalhar em "bando".
Segundo o ex-ministro, foi em
"tom de brincadeira".
Ontem, indagado se considerava Parente de direita, respondeu:
"Não creio que ele tenha qualquer
ideologia. Talvez seja a do poder".
A respeito da crítica de que não
devia ter divergido de um colega
de governo em público, Dias repetiria a atitude. Disse não ter tido
nenhum problema direto com
FHC, mas declarou: "É claro que
devo lealdade ao presidente, mas
devo mais lealdade ao país. Fiz o
que julgava correto fazer".
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