São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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Dias critica indecisão do governo

KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Brasília


O advogado José Carlos Dias deixa hoje o Ministério da Justiça com um alerta, em tom de crítica, a seu sucessor, José Gregori: é preciso resolver a disputa entre órgãos do governo pelo controle das ações de combate ao narcotráfico.
"O Ministério da Justiça tem de levar essa luta até o fim para que haja sucesso contra os narcotraficantes. Não é um problema do presidente. Será um problema de todos os presidentes e de todos os governos enquanto não for resolvido", disse Dias. Essa observação resume a linha do discurso que ele fará hoje na transmissão de posse.
A disputa pelo controle do combate ao narcotráfico entre a Polícia Federal e a Secretaria Nacional Antidrogas foi o estopim da saída de Dias, que apoiava a PF. O general Alberto Cardoso (Segurança Institucional) apóia a Senad, que era comandada pelo juiz aposentado Wálter Maierovitch, que também deixou o governo.
Na segunda, Dias divulgou nota criticando Maierovitch, que tornou pública uma operação que a PF faria na fronteira com a Bolívia. Para o ministro, a intenção de Maierovitch, com aval do general Cardoso, era bombardear as operações da PF, de modo a enfraquecê-la e tentar levar seu comando do Ministério da Justiça para a pasta da Segurança Institucional.
Dias afirmou que não travou uma disputa "pessoal" com o general, a quem classifica de "afável". Diz que seguiu o que está na Constituição: "A atribuição de combater o narcotráfico é da Polícia Federal". Dias achou estranho o novo ministro, José Gregori, ter dito anteontem que mandava na PF e que ela combateria o narcotráfico e, horas depois, o Planalto ter declarado que a Senad continuava com o mesmo papel.
"O porta-voz (Georges Lamazière) não tem poder para alterar a Constituição", ironizou.
O ex-ministro fez um estudo jurídico da legislação sobre o papel da PF e da Senad no que se refere ao narcotráfico e as atribuições da Senad. A Constituição, no artigo 144, dá "exclusividade" à PF para "prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins". A Senad recebeu atribuições semelhantes de normas de poder inferior. Conclusão: a norma mais forte é a constitucional e, por isso, esse papel é da PF.
O Planalto quer tirar "combater" do decreto de criação da secretaria. Ou seja: faz um mero arranjo técnico, deixa a Senad ligada ao tema narcotráfico e tenta dar uma saída política a Gregori.
Dias disse que não tem problema de conviver com pessoas "assumidamente de direita", mas que "jamais conceberia alguém de direita no lugar de Raul Jungmann (Política Fundiária) ou de Carlos Frederico Marés (Funai)".
"Acho que o espírito de 1964 ressurge de vez em quando no governo", disse Dias, referindo-se ao general Cardoso: "Mas, vá lá, pois ele é militar. O mais doloroso é ver um juiz (Maierovitch) com o mesmo pensamento".
Afirmou que, ao declarar que não se pode transigir com "os reacionários e a direita", referia-se também à oposição de membros do governo ao projeto de direito penal mínimo, proposta pronta que deixa para o sucessor.
Grosso modo, o direito penal mínimo significa manter preso apenas os criminosos mais perigosos. As penas de prisão, por exemplo, seriam substituídas por multas elevadas e prestação de serviços à comunidade.
O ex-ministro crê que as "mulas" (aquele que entrega pequenas quantidades de drogas aos usuários) não podem ser considerados traficantes. Segundo ele, a prisão não é a melhor punição para esses criminosos.
Dias também foi bombardeado por ter defendido teses como a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a descriminação da maconha. Chocou-se com Pedro Parente, chefe da Casa Civil.
Na última segunda, quando Dias divulgou nota criticando Maierovitch, Parente pediu que ele recuasse. Diante da negativa, Parente falou que ele não sabia trabalhar em equipe. Dias rebateu, dois dias depois, dizendo que não sabia trabalhar em "bando". Segundo o ex-ministro, foi em "tom de brincadeira".
Ontem, indagado se considerava Parente de direita, respondeu: "Não creio que ele tenha qualquer ideologia. Talvez seja a do poder".
A respeito da crítica de que não devia ter divergido de um colega de governo em público, Dias repetiria a atitude. Disse não ter tido nenhum problema direto com FHC, mas declarou: "É claro que devo lealdade ao presidente, mas devo mais lealdade ao país. Fiz o que julgava correto fazer".


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