São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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BRASIL PROFUNDO
No centenário de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, estudiosos procuram ossada de Antonio Conselheiro
Pesquisadores querem reconstituir Canudos

João Bittar/Folha Imagem
João Reginaldo de Matos, 94, que teve parentes mortos em Canudos pelo Exército, assiste à TV graças a uma bateria e a uma parabólica


LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CANUDOS

Passados mais de cem anos da guerra que o imortalizou, Canudos volta a concentrar a atenção de pesquisadores e da população do pequeno lugarejo no sertão baiano. O objetivo: reconstituir o massacre, por tropas federais, dos seguidores de Antonio Vicente Mendes Maciel, o líder religioso Antonio Conselheiro. E preservar sua memória, atraindo um "turismo histórico" à região.
Os números não são consensuais entre os historiadores, mas estima-se que morreram no conflito cerca de 25 mil pessoas, sendo um quinto composto por militares. A batalha final, com a morte de Conselheiro, ocorreu em 1897. A publicação de "Os Sertões", livro de Euclides da Cunha que retrata a saga de Conselheiro, completa um século neste ano.
Recentemente, pesquisadores da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) encontraram armas, munições, roupas e ossos durante uma intensificação das pesquisas arqueológicas e paleontológicas realizadas no local onde teriam ocorrido os combates entre os seguidores do religioso e o Exército.
"O que encontramos aqui é apenas uma parte do tesouro histórico que está escondido no parque", diz o diretor do Centro de Estudos Euclides da Cunha, Luiz Paulo Almeida Neiva.
Há pouco mais de cinco anos, os historiadores e pesquisadores estiveram muito próximos de localizar o corpo de Conselheiro.
Uma das piores secas registradas nos últimos cem anos no sertão baiano possibilitou o aparecimento das ruínas de algumas construções da antiga Canudos, que haviam sido inundadas pela barragem de Cocorobó.
A partir de agora, os pesquisadores concentram os esforços na tentativa de achar a ossada de Conselheiro, que provavelmente foi enterrado na capela da igreja, hoje submersa na barragem.
"Estávamos no caminho certo, mas faltou verba para a conclusão dos trabalhos. Quando pensamos em retomar as escavações, as águas da chuva encobriram tudo novamente, mas não vamos desistir", disse Neiva.

Canudos 2002
Canudos, a 410 km de Salvador, ainda reflete a realidade do sertão brasileiro, com muita pobreza, seca, analfabetismo, falta de infra-estrutura urbana e desemprego.
"Isto aqui não mudou muito, não", disse o aposentado João Reginaldo de Matos, 94, que teve os avós e cinco tios assassinados pelas tropas do Exército. Ele mora a menos de 500 metros do local onde foi abandonado o corpo do coronel Antonio Moreira César, comandante de uma das expedições do Exército derrotada pelos seguidores de Antonio Conselheiro.
Matos vive sem energia elétrica e para ver TV -seu passatempo predileto- utiliza uma bateria. Mesmo assim, a evolução tecnológica permite utilizar uma antena parabólica.
Canudos tem 13.758 habitantes e, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 11,77% dos chefes de família sobrevivem sem nenhum rendimento, enquanto outros 56,34% ganham menos que um salário mínimo por mês. O último censo revelou também que 29,3% das pessoas com mais de dez anos não sabem ler e escrever.
A concentração fundiária no município também é assustadora -3% dos proprietários rurais controlam 60% de todas as terras.
Na zona rural, mais de 60% dos quase 7.000 habitantes não têm acesso a estradas, energia e água, apesar de a cidade ter a barragem de Cocorobó, com 243 milhões de m3 de água, o suficiente para abastecer completamente 22 municípios da região. Construída no final dos anos 60, a barragem inundou o local onde ficava Canudos.
"Muitas pessoas dizem que a barragem foi construída para apagar a história, para apagar o massacre feito pelo Exército contra milhares de brasileiros. No entanto, tecnicamente, já está provado que a barragem foi construída no local mais adequado", disse o pesquisador Neiva.

Turismo
Apesar do abandono, existe a perspectiva de Canudos beneficiar-se da história para melhorar o seu desenvolvimento. Nos últimos dez anos, mais de 60 mil pessoas já visitaram a cidade na primeira semana de outubro, data do encerramento da guerra.
"Estamos desenvolvendo um trabalho intenso para captar turistas que se interessam pela história e pelo lado místico e religioso da cidade", diz o secretário da Educação de Canudos, Jailton Freire Damião, 30. O prefeito João Ribeiro Gama (PSDB) não foi encontrado para falar sobre a situação do município.
Na cidade, os turistas têm à disposição dois pequenos museus e um parque que contam um pouco da história da guerra. Nos museus estão guardadas algumas armas e balas utilizadas pelos militares e seguidores de Conselheiro, além de fardas, documentos e ossos das vítimas.
Na principal praça de Monte Santo (352 km de Salvador) está outra relíquia dos combates: um canhão, popularmente conhecido como "matadeira", utilizado pelo Exército no conflito.
O Parque Estadual de Canudos também é um local de visita obrigatória para os turistas que visitam o município. Com 1.321 hectares, o parque é um sítio arqueológico que preserva todos os cenários da guerra. "Depois da demarcação, vamos concluir todo o processo de sinalização para orientar os visitantes", afirmou Neiva.


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