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ENTREVISTA DA 2ª/ WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS
Cientista político afirma que "críticos mais severos" do governo não estão "sintonizados" com país
Eleitores aceitam esperar por mudança, diz analista
AP Photo/Dario Lopez-Mills
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Petistas lotam a avenida Paulista no dia da eleição, em comemoração da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tucano José Serra |
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os eleitores do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva votaram por
mudanças mas estão dispostos a
esperar, diz o cientista político
Wanderley Guilherme dos Santos, do Iuperj, analisando as recentes pesquisas que indicam
aprovação à atuação do governo.
"A atitude majoritária do eleitorado permanece hoje como estava
durante a eleição. Estão dispostos
a apostar e a esperar", afirma.
Tendo isso em conta, ele diz que
"os críticos mais rigorosos" do
governo, que apontam contradição entre a promessa eleitoral de
mudança e o conservadorismo da
política macroeconômica, não estão "sintonizados" com a maioria
da população. Certos ou não,
"eles não interpretam o sentimento majoritário da nação".
Para ele, a perseverança de Lula
na trilha desenhada nos primeiros cem dias de mandato -e criticada por integrantes "radicais"
do partido- não traz nenhum
risco de crise maior para o PT.
Sobre uma possível autonomia
para o Banco Central -ponto de
discórdia entre um terço da bancada petista na Câmara e o governo-, Wanderley afirma ser possível conciliar um BC autônomo,
não partidarizado, porém menos
independente do que aquele que
o país teve durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Leia a seguir trechos da entrevista, realizada por telefone.
Folha - O sr. já disse que a vitória
de Lula indicava uma mudança estrutural no comportamento do
eleitorado. Poderia explicar?
Wanderley Guilherme dos Santos
- O presidente Lula sempre teve
dificuldade para conseguir apoio
substancial em dois setores de
renda e sociais nas diversas vezes
em que foi anteriormente candidato. Uma delas é uma parte da
classe média que dispõe de renda,
prestígio e posição na sociedade,
nas suas ocupações, às quais são
associadas status, prestígio. E por
outro lado, lá no último degrau da
escala social, no grupo de renda
mais baixa da população.
Em todas as eleições anteriores,
era nesses segmentos sobretudo
que o então candidato Lula conseguia as mais significativas derrotas. Quanto maior a educação e a
renda, ao longo da estratificação
social, melhorava o seu desempenho. Nessa eleição, o dado indiscutível é que o presidente Lula ganhou em todos os segmentos, se
não me falha a memória de algum
segmentozinho no mais elevado
zero-vírgula-zero-um por cento,
no pico da escala social. Alguma
coisa aconteceu para que essa
mudança ocorresse. Não foi uma
oscilação marginal.
Acredito que isso não foi apenas
uma reação de circunstância. Os
últimos 15 anos, pelo padrão de
não-crescimento, de não-expansão de oportunidades no Brasil,
acredito que provocaram impactos significativos na estrutura do
eleitorado brasileiro. Tendo em
vista a perda de renda e de prestígio de segmentos importantes
dessa classe média. Também o
desemprego que afetou não apenas a população de baixa renda e
os trabalhadores não qualificados, mas também os trabalhadores qualificados.
Esse processo certamente alterou a avaliação do momento presente desse segmento, tendo em
vista as expectativas de futuro que
passaram a ter. O que se colocava
para eles era a continuação do que
vinha ocorrendo ou uma mudança. Há cinco anos, ainda apostaram que a continuação lhes traria,
a curto prazo, uma melhora. Não
foi o que aconteceu dessa vez.
Folha - O que o governo fez nos
últimos cem dias é de qualquer forma uma manutenção da situação
anterior. Essa mudança do eleitorado pode obrigar em algum momento, de alguma maneira, a que
não se insista nessa manutenção?
Wanderley - De alguma maneira
e em algum momento é um tanto
vago, não é? O que nós vemos pelas pesquisas, até recentíssimas, é
que esse eleitorado, a opinião pública brasileira na sua totalidade, e
portanto inclusive o centro, não
tinha a expectativa de mudanças
muito significativas imediatamente. Votaram por mudanças,
mas num certo horizonte de tempo dilatado. Nem no primeiro
nem no segundo mês. É isso que
as pesquisas têm revelado.
A população continua desejando mudanças, acreditando que
haverá mudanças, mas também
acreditando que o tempo tem sido curto para que elas aparecessem. A atitude majoritária do eleitorado permanece
hoje como estava
durante a eleição.
Estão dispostos a
apostar e a esperar. É claro que ao
longo do tempo
esse esperar vai
sendo consumido
pela própria espera. Em algum momento, se nada se
alterar, o humor
desse centro político enorme que
deu apoio político
ao Lula tenderá a
se modificar.
Folha - Dadas as
indicações feitas
até agora, o sr.
acredita que o governo aponta para
uma possibilidade
de mudança ou a transição prometida pode se tornar eterna?
Wanderley - Parece-me que uma
análise realista não poderia esperar nenhuma modificação significativa logo no início, pela inexistência de graus de liberdade nas
decisões de governo. Não importa
quem esteja no governo, se tenha
vontade. O grau de liberdade é
muito pequeno. Não só pelo orçamento já vinculado. Há uma estrutura fiscal que lhe dá uma certa
receita que não tem como ser alterada, de muito, imediatamente.
No curtíssimo prazo, realisticamente não haveria como esperar
um perfil de ação governamental
muito diferente.
Creio que mais daqui um pouquinho, mesmo antes de ações
muito características de uma mudança de perspectiva, a agenda de
preferências do governo atual vai
se revelar mais pelos cortes que
ele venha a fazer. Mais pelo Orçamento que foi realizado de fato
que pelo Orçamento que foi votado porque não tinha outro jeito.
A pista mais rica é aguardar a
execução do Orçamento nesse
ano. O que vai ser feito vai ser
muito pouco diferente do que já
vinha acontecendo. O que não vai
ser feito vai indicar muito mais
qual a orientação do governo.
Folha - Além da
questão fiscal, a atenção dada às expectativas dos investidores
não pode comprometer a ação como um
todo do governo?
Wanderley - Poder,
pode. Isso é de certo
modo um cabo de
guerra. Se vai ocorrer? Não sei.
Folha - Recentemente o presidente
da Pastoral da Terra,
d. Tomás Balduíno,
disse que o governo
talvez não "confronte
o latifúndio" para não
tocar em algo que é
dogma para os investidores, que é a propriedade privada. A
gestão das ansiedades do mercado não pode interferir
em toda a ação de governo?
Wanderley - De novo: não acredito que exista nenhum modelo
que possa afirmar uma coisa ou
outra de maneira taxativa. O máximo que posso dizer é que poder,
pode. Agora, se vai ocorrer necessariamente, não sei.
Folha - E quanto à crítica de que,
dada a escassez de recursos, o governo parece às vezes trabalhar pelo aprofundamento do que causou
essa escassez, dando autonomia ao
Banco Central, por exemplo? O sr.
concorda com isso?
Wanderley - Não. Em primeiro lugar porque há diversas maneiras
de um Banco Central ser autônomo. Diversos países com políticas
progressistas, com sistemas previdenciários de proteção social
bastante desenvolvidos, têm Banco Central autônomo. Depende
do que for autonomia. O que me
parece interessante, inclusive, é
que se tire coloração partidária da
posição do Banco Central. Sem
fugir à possibilidade da orientação de política macroeconômica
do governo. Aquém disso há uma
gama muito grande de opções.
Aquela que permitisse a esse instrumento não ser partidariamente identificado, me parece a melhor possível para todo mundo.
Folha - Esse tipo de autonomia
seria melhor do que é hoje? Hoje é
partidarizado?
Wanderley - Hoje é partidarizado pelas razões equivocadas. Há
oito anos que o Banco Central é
inteiramente independente. Só
houve um momento em que houve interferência do governo de
Fernando Henrique: quando da
demissão do Francisco Lopes,
quando houve aquela mudança
cambial muito grande [em janeiro de 1999".
Até então e depois, não houve
nenhuma interferência do governo. O Banco Central foi absolutamente independente, fez o que
bem entendeu. Não obstante todo
mundo atribuía isso à orientação
do governo. A orientação do governo... Que aliás disse isso algumas vezes: "Não me meto em
Banco Central". Ele disse isso.
Meteu-se menos do que devia.
Folha - O sr. acha que podíamos
passar a ter um certo tipo de autonomia para o BC e que ao mesmo
tempo ele fosse menos independente do que foi no governo FHC?
Wanderley - Perfeitamente. E
muito mais coerente com o resto
do governo.
Folha - Na votação da emenda sobre o sistema financeiro, que pode
abrir caminho para a autonomia,
deputados do PT assinaram declaração de voto contrária a ela. Que
consequências pode ter para o PT o
governo persistir na linha que assumiu nos primeiros cem dias?
Wanderley - A consequência é
haver muito mais debate. Muito
mais tensão e discussão interna.
Em princípio não me parece nada
demais. Essas coisas fazem parte
da política democrática. É normal
que tenha gente dentro do PT que
seja contra isso ou aquilo. Até
bandeiras. Porque na verdade não
se propôs ainda nada específico.
"Contra a autonomia" -não esta
ou aquela. Têm direito. As consequências... Vai ter que discutir
mais. O que é bom para todo
mundo, mesmo para quem não
faz parte de um grupo ou de outro. Para mim é muito bom que
discuta. Porque quero me informar melhor.
Folha - O sr. não
vê risco de crise? De
ruptura?
Wanderley - Absolutamente. De
repente saem quatro ou cinco do
partido, isso não é
crise. O PT, como
o PFL e outros, são
partidos estruturados e enraizados
na vida política nacional. Não é porque cinco deputados saem do partido, ou são retirados dele, que vai
haver uma crise.
Num momento
em que o PT era
muito mais débil,
que foi na votação
de Tancredo Neves, perdeu três grandes deputados. Foram expulsos. Uma medida violenta, o partido expulsou
três deputados que votaram por
Tancredo. E o PT estava se formando, era chamado de totalitário, de leninista, e dava uma demonstração de que parecia que
era mesmo. Não houve crise nenhuma, continuou crescendo e
hoje é o partido principal do parlamento.
Folha - Que avaliação o sr. faz da
atuação política do governo? João
Paulo Cunha (PT-SP) chegou a dizer
que o governo batia cabeça. O sr.
vê dificuldades?
Wanderley - Vejo dificuldades.
Não só porque é novo no governo, em termos de tomar posse da
máquina governamental, mas
porque governar o Brasil é muito
complexo.
Além disso, como se trata de um
governo em relação ao qual a expectativa é de mudança, está havendo uma acomodação não só
do PT. Está havendo uma acomodação no parlamento em correntes que estão se rearrumando.
O governo bater cabeça, como
disse o presidente da Câmara, ele
tem toda razão, mas o parlamento
também. O governo, o parlamento, nós aqui do lado de fora, ninguém sabe muito bem o que pensar. Está todo mundo batendo cabeça.
Dentro das regras,
do jogo, evidente
que com um pouco
de ansiedade, porque ninguém sabe
direito como vai ser
o futuro. Mas não há
jeito, o Brasil é difícil.
Folha - Do jeito que
as coisas vão, não pode haver um refluxo
do eleitorado que o
PT conquistou?
Wanderley - Até
agora não houve. É o
que as pesquisas estão mostrando. Então eu acredito que
os críticos mais
atuantes, mais rigorosos do governo,
não estão sintonizados com a maioria da população.
Se a maioria da população chegará ao ponto em que estão esses
críticos mais rigorosos ou se continuará a apoiar o governo é alguma coisa que o futuro vai dizer.
Neste momento, eles não interpretam o sentimento majoritário
da nação.
Não quer dizer que estão errados. Podem até estar certos. Mas
não interpretam [os eleitores".
Tomar uma coisa pela outra é um
equívoco. Eles representam muito pouca gente. Pode ser que venham a conquistar muita gente.
Nesse momento não.
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