São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cooperativa usa "títulos podres" para pagar dívida

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Coagri (Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste do Paraná), gerida pelo MST, é protagonista de um negócio que deixaria de cabelo em pé qualquer parlamentar do PT. A seguir, os detalhes da operação, passo a passo.
1) Em nome dos assentados, a Coagri comprou fertilizantes da empresa Heringer Ltda, de Paulínea (SP). Foram várias compras, totalizando R$ 1.043.193,00;
2) A cooperativa recebeu os insumos. Mas não pagou a dívida;
3) Após muito negociar, convencida de que não receberia pelas vias normais, a Heringer recorreu à Justiça;
4) Verificando que a cooperativa dispunha de fundos no Banco do Brasil, o juiz Pedro Henrique Betio, de Laranjeiras do Sul (PR), determinou, em decisão liminar, no dia 7 de dezembro de 99, o bloqueio do dinheiro;
5) Para surpresa geral, a Coagri decidiu discutir a dívida não em Laranjeiras do Sul, onde funciona uma de suas sedes, mas no longínquo município de Rondon do Pará (PA);
6) Em ação nebulosa, a cooperativa reconheceu a dívida com a Heringer. Mas pediu ao juiz Paulo Cesar Pedreira Amorim que autorizasse o pagamento em papéis podres da Petrobras, de 1956;
7) O juiz de Rondon do Pará concedeu a liminar para a Coagri, sustando o protesto dos títulos.
Na última sexta-feira, a reportagem da Folha telefonou para o Tribunal de Justiça do Pará. Em contato com a corregedora do tribunal, desembargadora Maria de Nazareth Brabo de Souza, soube que o juiz Paulo César, o mesmo que atendeu ao pedido da Coagri, encontra-se afastado de suas funções e sob investigação.
O motivo: suspeita de irregularidade na concessão de nada menos que 399 liminares como a que beneficiou a Coagri. Além de Paulo César, há outros dois juízes sob investigação. A desembargadora Maria de Nazareth refere-se ao grupo como "máfia". O dinheiro continua bloqueado no banco.
Questionado sobre a operação, Jaime Calegari, diretor da Coagri e dirigente do MST no Paraná, foi enigmático. Recusou-se a dizer por que a cooperativa recorreu à Justiça de Rondon do Pará: "É estratégia". Não disse também onde foram obtidos os papéis da Petrobras: "É segredo" (leia entrevista com Calegari na página seguinte).
A Coagri está no centro de outra operação nebulosa. Na safra 97/ 98, a cooperativa administrou R$ 4 milhões em verbas destinadas a agricultores assentados da reforma agrária.
O empréstimo contava com subsídio oficial de 50%. Ou seja, os assentados só precisariam pagar a metade do que retirassem na boca do caixa.
A cooperativa reteve a parcela referente ao subsídio oficial (50% do dinheiro), a pretexto de honrar o empréstimo no banco. Na data do vencimento, 15 de agosto de 99, não pagou. O Banco do Brasil, agindo em nome do governo, rolou o débito por mais um ano.
O gerente do Banco do Brasil em Laranjeiras do Sul, Rui Sezar Rocha, está ciente da situação precária do balanço da Coagri. Ele sente o problema em seu cotidiano. Não raro, a cooperativa emite cheques sem cobertura em sua agência. Ainda assim, não interrompe o fluxo de dinheiro para a organização do MST.
Rui Sezar argumenta que não cabe ao banco negar dinheiro à Coagri. O problema, diz ele, é do governo. Os recursos são "aprovados pelo Incra".
O governo contra-argumenta. O Banco do Brasil recebe 3% sobre todo o dinheiro liberado para a reforma agrária justamente para fiscalizar a sua aplicação.
A Folha perguntou a Rui Sezar se ele concederia um empréstimo do Banco do Brasil para a Coagri. "Não, dinheiro do banco eu não ponho lá".
Enquanto isso, a cooperativa segue sendo irrigada com verbas do erário. Na semana passada, recebeu novos R$ 250 mil para iniciar um assentamento de 578 famílias. Espera receber mais R$ 5 milhões para despesas de custeio e investimento no mesmo assentamento. O governo tomará a decisão nos próximos dias. (JOSIAS DE SOUZA)


Texto Anterior: Outro lado: Stedile, líder do MST, nega que exista desvio
Próximo Texto: Questão agrária: Diretor do MST confirma cobrança de 3%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.