São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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DIPLOMACIA
Ministro acusou intransigência em relação a direitos humanos
Intelectuais criticam declaração de Lampreia sobre regime cubano

da Redação

O arquiteto Oscar Niemeyer, o crítico literário Antonio Candido, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, e o economista Celso Furtado lançaram anteontem um manifesto de repúdio a declarações do ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia.
Em entrevista ao "Jornal do Brasil" publicada no último domingo, Lampreia criticou a suposta intransigência de Cuba em discutir mudanças na política de direitos humanos.
Segundo o ministro, essa postura do regime de Fidel levou-o a criticar Cuba durante a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em Caracas no início deste mês. Leia a seguir a íntegra do manifesto:

Contra o servilismo na política externa
São lastimáveis as declarações do ministro Lampreia publicadas domingo, 7 de junho, no "Jornal do Brasil", sob o título "Cuba não está disposta ao diálogo". O ministro esclarece ao longo da entrevista que tal afirmação, a ele atribuída, se deve ao fato de o governo cubano não ter aceito a agenda de procedimentos sobre direitos humanos proposta por ele, como se alguma lei houvesse que obrigasse Havana a aceitá-la. E desdenha a alegação de Cuba quanto às medidas especiais de segurança que aquele país tem de manter frente aos Estados Unidos.
É incrível que o ministro ignore os quase 40 anos de contínuas agressões dos Estados Unidos a Cuba, num momento em que os próprios documentos oficiais norte-americanos confessam com toda crueza a participação do governo de Washington em operações de invasão armada e atentados terroristas que causaram centenas de vítimas e enormes prejuízos materiais ao povo Cubano, assim como confessam diversas tentativas de assassinato do presidente Fidel Castro. E não se esqueça o implacável bloqueio econômico que vitima Cuba desde os anos 60.
E é incrível que o ministro do Exterior do Brasil assuma tal postura prepotente diante de Cuba precisamente neste momento em que outros países do continente procuram uma posição mais flexível em relação a ela e quando o próprio papa levanta sua voz contra o cruel bloqueio norte-americano.
A verdade é que, salvo aquele interregno da tristemente célebre política de "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", que marcou o início da ditadura militar, nunca o Brasil teve como hoje uma política tão submissa aos Estados Unidos. Com toda a crítica que se lhe possa fazer, o Itamaraty soube moldar e manter uma tradição de política externa sensível à defesa da soberania nacional, da paz e do entendimento entre os povos. A ruptura a que assistimos hoje, estarrecidos, e que não se reflete apenas na conduta em relação a Cuba, mas também em outros episódios recentes -principalmente no açodado apoio prévio do governo brasileiro ao ataque militar que os Estados Unidos há poucos meses pretenderam empreender contra o Iraque-, e injustificável e indesejável para os interesses brasileiros, e por isso os signatários desta a repudiam.



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